Um setembro que marcou negativamente a Câmara Federal entre projetos de repressão a organizações criminosas e de criação uma Bancada Cristã
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil



Por Magali Cunha, Laryssa Owsiany e Matheus Cavalcanti Pestana
- 30 out 2025
- 22 min de leitura

A Câmara Federal foi historicamente marcada, em setembro de 2025, por priorizar projetos para o benefício pessoal dos seus integrantes. Isto ocorreu pelo encaminhamento em plenário e aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/2021, que impõe dificuldades para as prisões e processos judiciais contra parlamentares, exigindo autorização do Congresso para a abertura de ações penais e restringindo as hipóteses de prisão em flagrante. O texto ficou conhecido como PEC da Blindagem e sua tramitação para aprovação em plenário foi acelerada pela Mesa Diretora da Câmara com uma votação relâmpago em sessão deliberativa extraordinária, em 16 de setembro.
De autoria do atual ministro do Turismo Celso Sabino (União-PA), então deputado federal pelo PSD, o texto foi apresentado em coautoria com parlamentares de diversos partidos da direita e do centro, e foi articulado como uma resposta à prisão em flagrante e posterior condenação judicial do ex-deputado e ex-policial militar Daniel Silveira (PSL-RJ). Silveira havia sido eleito em 2018, mas foi condenado por ameaças ao Estado democrático de direito e incitação à violência contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A proximidade de Sabino com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) o levaram a deixar o PSDB, em 2021, ano em que se transferiu para o PSD e em que produziu o texto da PEC .
A rearticulação da PEC 3/2021 no mês de agosto de 2025, logo após o recesso de julho, e a rápida votação em plenário ocorreu no contexto do avanço de investigações empreendidas pelo STF sobre o uso irregular de emendas parlamentares, o que gerou incômodo e receio entre os parlamentares com os limites da imunidade parlamentar. O objetivo principal era restabelecer a necessidade de licença prévia do Congresso para investigar e processar deputados e senadores, revertendo a regra atual que confere ao STF a competência para iniciar ações penais contra eles. A proposta, aprovada pela Câmara em 16 de setembro, com 344 votos favoráveis e 133 contrários, incluía ainda a prerrogativa de foro para presidentes de partidos políticos.
A repercussão da aprovação da PEC da Blindagem causou indignação social e levou a amplas e intensas manifestações de rua no domingo seguinte à votação, o 21 de setembro. Centenas de milhares de pessoas, em todas as 27 capitais, em outras cidades do país e no exterior, protestaram contra a alteração da Constituição para privilegiar parlamentares em atuação para autoproteção, em atos públicos que contaram com a participação e apresentações de artistas de renome no cenário cultural brasileiro.
As críticas geraram efeitos: encaminhado para aprovação no Senado Federal, o texto não foi direto a plenário mas foi submetido à Comissão de Constituição e Justiça pelo presidente da Casa, já sob avaliação negativa. Os senadores levaram em conta a pressão popular e debateram sobre o impacto social e político de tal mudança constitucional na autonomia do Judiciário e na impunidade de políticos. Rejeitada pela CCJ do Senado por unanimidade, a PEC foi arquivada.
A PEC da Blindagem foi defendida principalmente pelo chamado Centrão, grupo de partidos formado por PL, União Brasil, Republicanos, PP, PSD e MDB. Chamou a atenção da equipe do monitoramento de Projetos de Lei do ISER, que o deputado federal evangélico Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara dos Deputados, e um dos mais influentes da Frente Parlamentar Evangélica, tenha sido um dos principais articuladores e defensores do texto, com atuação intensiva logo após o retorno do recesso parlamentar. Em 27 de agosto, Sóstenes Cavalcante defendeu a PEC em uma entrevista à GloboNews, alegando que se tratava de um “assunto familiar ao eleitor” e que buscava fortalecer o Congresso. Após reações negativas à entrevista em mídias sociais e falta de acordo entre deputados sobre o texto, Sóstenes Cavalcante anunciou, no dia seguinte, que o PL não daria mais prioridade à proposta e disse não querer arcar sozinho com o ônus de defendê-la. Porém, o partido votou em bloco favoravelmente à PEC na sessão plenária (dos 88 deputados, 83 estavam presentes e votaram “sim”).
Em setembro de 2025, novos Projetos de Lei foram apresentados à Câmara Federal, com destaque para aqueles motivados por dois temas de ampla repercussão no debate público: o lançamento da operação da Polícia Federal denominada Carbono Oculto para desmantelamento de esquemas de fraudes financeiras por organizações criminosas e o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do núcleo principal que atuou na tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, de 2022 a 2023, tendo como principal agente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A Operação Carbono Oculto e os PLs sobre crime organizado e metanol em bebidas
A Operação Carbono Oculto foi lançada pelo Ministério da Justiça no final de agosto e, segundo o órgão, “visa desmantelar um sofisticado esquema de fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, controlado pelo crime organizado”. As investigações indicam que, entre os anos de 2020 e 2024, organizações criminosas atuantes em diversos estados movimentaram valores bilionários por meio de um amplo esquema financeiro. As operações envolveram importações de combustíveis que ultrapassaram R$ 10 bilhões, créditos tributários já reconhecidos pela Receita Federal no montante de R$ 8,67 bilhões, transações financeiras de aproximadamente R$ 52 bilhões realizadas em mais de mil postos de combustíveis e cerca de R$ 46 bilhões operados por fintechs que funcionavam como instituições bancárias paralelas ao grupo criminoso.
O esquema articulava importadoras, formuladoras, distribuidoras, postos de combustíveis e lojas de conveniência, com a adoção de práticas ilícitas como adulteração de gasolina com metanol, simulação de operações fiscais e utilização de fintechs para dificultar o rastreamento dos fluxos financeiros. A ocultação de recursos era conduzida por meio de fundos de investimento responsáveis pela gestão de, aproximadamente, R$ 30 bilhões em ativos, incluindo usinas, terminais portuários, imóveis de alto padrão e frotas de caminhões. A denominação Carbono Oculto faz alusão tanto ao elemento químico presente nos combustíveis quanto à dissimulação de capitais ilícitos por meio de fintechs e fundos de investimento.
Entre as investigações da Operação Carbono Oculto está o desvio de metanol destinado ao mercado de combustíveis para a fabricação de bebidas alcoólicas falsificadas, que causam intoxicações. Vários casos de pessoas afetadas pela ingestão deste tipo de bebida falsificada surgiram no contexto da operação, incluindo mortes.
Como tem sido identificado neste monitoramento desde 2023, temas de ampla repercussão pública, disseminados pelas mídias, motivam a apresentação de PLs por parlamentares de diferentes partidos. Isto ocorreu em relação à Operação Carbono Oculto em duas frentes temáticas, como se pode observar nos PLs listados a seguir, com destaque para o que também se observa neste monitoramento: ênfase no punitivismo da parte de parlamentares da direita.
Punições ao crime organizado
- O PL 4708/2025, do deputado católico Sanderson (PL/RS), visa alterar a lei que tipifica “terrorismo”, Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, para dispor sobre o enquadramento de facções criminosas e organizações criminosas interestaduais e transnacionais como organizações terroristas, independentemente da motivação ideológica, política ou religiosa.
- O PL 4836/ 2025, de autoria do deputado anglicano Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) propõe alterações no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940) para endurecimento no enfrentamento às organizações criminosas, também classificada no texto como “terroristas”, para “reforçar a proteção do Estado e da sociedade contra estruturas ilícitas que corroem as instituições e afetam diretamente a segurança pública”. Aqui o deputado segue tendência política da direita extremista, observada pelo monitoramento de PLs neste 2025, que acompanha o discurso do governo estadunidense, sob Donald Trump, para classificar o narcotráfico e outras associações criminosas como terrorismo.
- O PL 4453/2025, de autoria do deputado evangélico Marcos Tavares (PDT/RJ), dispõe sobre a destinação de bens, valores e imóveis apreendidos em decorrência de crimes praticados por organizações criminosas, facções ou milícias, para os Fundos Municipais de Segurança Pública dos municípios onde ocorrer a apreensão.
- O PL 4847/2025, proposto pelo deputado evangélico Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ), altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores para incluir a modalidade “culposa” e buscando aprimorar a legislação sobre crimes financeiros. Na justificativa o parlamentar afirma: “se o Código Penal, em diversos dispositivos, admite a punição de crimes na modalidade culposa — inclusive em hipóteses de relevante repercussão social, como no homicídio culposo — não há justificativa plausível para excluir essa possibilidade no campo da lavagem de dinheiro.” O texto prevê como “culposa” a pessoa que pratica, “por negligência, imprudência ou imperícia, ato destinado a ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal. (…) Incorre na mesma pena quem, por culpa, deixa de adotar os controles e a diligência devida exigidos por lei ou regulamento, facilitando a ocultação ou dissimulação dos bens, direitos ou valores referidos no caput, quando tinha o dever legal de fazê-lo”.
O caso do metanol
- O PL 4860/2025, de autoria do deputado com identidade cristã Delegado Fabio Costa (PP/AL), busca alteração no Código Penal, para qualificar o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, visando aumentar a segurança pública.
- O PL 4856/2025, de autoria do deputado católico Fábio Teruel (MDB/SP), dispõe sobre o controle, fiscalização e repressão à adulteração de bebidas alcoólicas com metanol e outras substâncias tóxicas, instituindo um sistema nacional de rastreabilidade de bebidas, criando um tipo penal específico e dando outras providências, visando combater a adulteração de bebidas e proteger a saúde pública.
- O PL 4835/2025, de autoria do deputado anglicano Kim Kataguiri (UNIÃO/SP), altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), no art. 272, para qualificar resultados danosos do consumo de substância adulterada, com o objetivo de combater a adulteração de produtos.
- O PL 4814/2025, do deputado católico Fabio Schiochet (UNIÃO/SC), busca agravar as penas nos casos de adulteração de bebidas que resultem em sequelas permanentes ou morte, bem como quando envolverem substâncias altamente tóxicas, visando proteger a saúde pública.
Na trilha destes PLs está o de nº 4807/2025, de autoria do deputado cristão André Fernandes (PL/CE), que altera a Lei de Organizações Criminosas para incluir como crime a expulsão coercitiva de moradores praticada por organizações criminosas. Na justificativa consta: “Conforme noticiado em reportagem do portal G1, em 8 de julho de 2023, diversas famílias em Fortaleza foram obrigadas a abandonar suas casas por facções criminosas, em situação de completo desamparo. Os relatos evidenciam que homens, mulheres e crianças foram forçados a sair apenas com a roupa do corpo, sob ameaças de morte, sem qualquer alternativa de proteção estatal imediata. Este não é um caso isolado, mas sim a demonstração de uma estratégia consolidada dessas organizações”.
O deputado também apresentou o PL 4808/2025, cujo objetivo é criminalizar de forma expressa a prática de expulsão coercitiva de moradores por associações criminosas, garantindo proteção às famílias e o direito fundamental à moradia.
Projetos motivados pelo julgamento dos réus do núcleo principal da tentativa de golpe em 2022-2023
Em setembro ocorreu o julgamento do primeiro grupo de agentes da tentativa de golpe de Estado de 2022-2023. A Primeira Turma do STF decidiu pela condenação, em 11 de setembro, de sete dos oito réus integrantes do denominado Núcleo 1, referente à Ação Penal nº 2.668/2023.
Os oito membros do chamado “Núcleo Crucial” da tentativa de golpe, conforme classificação da Procuradoria-Geral da República (PGR) são o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro (réu colaborador); o ex-presidente da República Jair Bolsonaro; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.
Foram condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, sete dos oito acusados. No caso de Alexandre Ramagem, a análise dos fatos ocorridos após sua diplomação como deputado federal, em dezembro de 2022, referentes aos delitos de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, foi suspensa até o término do mandato parlamentar. Apenas o ministro Luiz Fux apresentou voto divergente, posicionando-se pela condenação de dois réus por apenas um dos crimes imputados e pela absolvição dos demais.
O peso da decisão inédita no Brasil: a condenação de um ex-presidente da República e de militares de alta patente pelo crime de tentativa de golpe de Estado mobilizou a opinião pública e motivou a produção de projetos de lei relacionados ao caso. Entre eles, o PL 4535/2025, de autoria do deputado católico Da Vitoria (PP/ES), que altera o art. 359-T do Código Penal para vedar a presunção genérica de responsabilidade nos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Já o PL 4503/2025, da deputada de identidade cristã Delegada Ione (AVANTE/MG), cria o crime de obstrução de justiça no Código Penal (o que remete ao caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, em prisão domiciliar preventiva sob esta acusação).
Na trilha desta temática está o PL nº 4734/2025, de autoria do deputado evangélico Capitão Alden (PL/BA), que autoriza a transferência internacional de condenados por crimes de terrorismo para cumprimento de pena em estabelecimentos penais de alta segurança em países com os quais o Brasil mantenha tratados ou acordos de cooperação internacional em matéria penal, e dá outras providências.
Criação da Bancada Cristã na Câmara Federal
Em setembro de 2025, foi apresentado o Projeto de Resolução de Alteração do Regimento 71/2025 que cria a Bancada Cristã da Câmara dos Deputados. De autoria de dois deputados do PSD-SP, o evangélico Gilberto Nascimento e o católico Luiz Gastão, o PR propõe a criação de uma bancada com dois líderes – um católico e um evangélico – que tenha representação formal como bloco temático no Colégio de Líderes da Câmara, a instância da Casa que reúne lideranças da Maioria, da Minoria, dos partidos, dos blocos parlamentares e do governo.
Em 23 de outubro de 2025, o plenário da Câmara aprovou com ampla maioria – 398 votos favoráveis e 30 contrários – o regime de urgência para tramitação do PR 71/2025 que cria a Bancada Cristã. Isto significa que o texto não passará pelas comissões, como é o trâmite em relação aos demais projetos, e será debatido e votado diretamente no plenário. A Plataforma Religião e Poder publicou análise de Ana Carolina Evangelista sobre esta formalização e visibilização da cooperação política entre parlamentares católicos e evangélicos, antiga na Casa, mas “que emerge agora como uma demonstração de força numérica e um posicionamento político explícito em oposição ao governo atual”.
Outros PLs relacionados a religiões
Entre os projetos de lei frequentemente apresentados por deputados com identidade religiosa, a maioria da direita cristã, para reforçar pautas que representam a ocupação cristã do espaço público, o monitoramento do ISER em setembro de 2025 identificou um bloco de quatro projetos que mobiliza ações de proteção de símbolos religiosos e de promoção da Bíblia e de práticas cristãos pelo Estado.
Neste bloco de PLs está o de nº 4739/2025, de autoria do deputado católico Marcos Pollon (PL/MS), que acrescenta dispositivo ao art. 208 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) que já penaliza com prisão de um mês a um ano e multa quem “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. O deputado Pollon, integrante das frentes parlamentares católica e evangélica e de outras relacionadas a pautas da segurança pública e agrárias, que atua com destaque na defesa de projetos da extrema direita que articulam religião cristã, armas e agronegócio, como já tratado neste monitoramento, propõe com este PL um aumento das penas para 2 a cinco anos, com apenação dobrada quando o alvo for a hóstia (elemento da Eucaristia do Catolicismo). Nesse sentido, o parlamentar conceitua uma superioridade da hóstia sobre qualquer outro símbolo religioso.
Também está neste bloco, o PL 4633/2025, de autoria do deputado católico Eduardo da Fonte (PP/PE), que autoriza a distribuição gratuita de exemplares da Bíblia Sagrada e de demais livros sagrados das religiões com representatividade no território nacional em órgãos públicos da administração federal. Este projeto tem relação com uma ação comum entre parlamentares da direita cristã, em Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas em diversos pontos do país, que é a apresentação de proposições de inclusão da Bíblia como conteúdo obrigatório nas escolas públicas, como uma forma de preservação da “ética e de valores”. O texto apresentado por Eduardo da Fonte tem o mesmo teor dos projetos propostos em cidades e estados: distribuição dos exemplares inteiramente gratuita e de caráter voluntário, em ônus financeiro para a União, seus órgãos ou entidade, e com proibição de proselitismo religiosos. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inconstitucionalidade de tal tipo de proposição, ao julgar caso apresentado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, em confirmação de parecer da Procuradoria Geral da República.
Ainda neste conjunto está o PL 4664/2025, do deputado de identidade cristã Dr. Fernando Máximo (UNIÃO/RO), que propõe a instituição do “Intervalo Bíblico” nas escolas públicas e privadas de todo o território nacional. Este é o quarto PL identificado neste monitoramento do ISER que já havia levantado duas propostas em outubro de 2024 e uma proposta em março desde 2025. Este tema emergiu na Câmara Federal como amplificação do debate que ocupou espaço nas mídias sociais em outubro de 2024: a polêmica desinformativa sobre os chamados “Intervalos Bíblicos”, a partir de convocação de um debate pelo Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), sobre práticas religiosas nas escolas estaduais do Recife. No conteúdo, órgãos ligados à educação discutiram críticas à permissão da realização de cultos evangélicos com estudantes nos intervalos de aula em escolas públicas. Naquele outubro e em março de 2025, deputadas da direita cristã de Pernambuco apresentaram projetos na direção de instituir o programa nas escolas de todo o país.
Como destacado neste monitoramento, a Constituição Federal estabelece a laicidade do Estado, o que implica na separação entre religião e instituições governamentais, incluindo as escolas públicas. A implementação de práticas religiosas obrigatórias ou a promoção de uma religião específica em detrimento de outras fés praticadas por estudantes, professores, funcionários e suas famílias em instituições públicas de ensino pode ser considerada inconstitucional. O que está em curso e deve ser visto de forma crítica, como uma investida de projetos ultraconservadores que buscam instrumentalizar a religião para doutrinação política e têm o público jovem, estudantil, como uma prioridade. Isso vem como uma disputa que se intensificou durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), quando Ministério da Educação foi colocado como uma pasta estratégica para aproximar o extremismo reacionário das escolas.
O quarto projeto deste bloco de PLs é o de nº 4703/2025, da deputada católica Bia Kicis (PL/DF), que altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), para inserir o Serviço de Assistência Religiosa nas Forças Armadas e nos órgãos integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), para “assistência espiritual e religiosa”.
Entre os projetos relacionados a religião está mais um que destaca “a música gospel” no país: o PL 4663/2025, do deputado evangélico Filipe Martins (PL/TO), que institui o Programa Nacional de Fomento à Música Gospel. A proposta visa valorizar, difundir e incentivar a produção, a preservação da memória e a formação de artistas e profissionais ligados à música gospel no Brasil, com dotações orçamentárias consignadas anualmente na Lei Orçamentária da União, com recursos oriundos de convênios e parcerias com entes públicos e via Lei Rouanet.
Promoção de censura
Chamou a atenção da equipe do monitoramento do ISER sobre PLs apresentados na Câmara Federal um conjunto de projetos apresentados pelo deputado anglicano Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) com propostas de punições e endurecimento de legislação penal que caracterizam censura e restrições ao direito de associação. Estes PLs se somam a dois outros já destacados nos itens acima que buscam alterar o Código Penal para endurecimento em casos relacionados a organizações criminosas (que Kataguiri classifica também como terroristas) e a adulteração de bebidas com metanol.
Neste bloco de censura, destacam-se os PLs de nº 4650/2025 e 4637/2025. O primeiro busca alterar o Código Penal para prever punição a quem promove acusações infundadas de nazismo, fascismo ou racismo, e estabelecer a responsabilização como partícipe em caso de violência de cunho político. O segundo projeto visa inserir um capítulo no Código Penal intitulado “Da apologia a ideologias totalitárias” para tipificar os crimes de apologia ao nazismo e ao comunismo.
Importa recordar que Kim Kataguiri já teve investigação pela Procuradoria Geral da República e denúncia no Conselho de Ética da Câmara por crime de apologia do nazismo, quando entrevistado para o podcast Flow, do apresentador Monark (também denunciado), em 2022. No episódio veiculado, o apresentador afirmou que “nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei” e o deputado entrevistado comentou em seguida que foi um erro a Alemanha ter criminalizado o partido nazista. Kataguiri pediu desculpas pela fala na tribuna da Câmara. Os processos não foram desenvolvidos.
Outra alteração no Código Penal é proposta por Kim Kataguiri no PL 4640/2025, para majorar a pena em casos de apologia a atentado de cunho político, com a justificativa de se buscar coibir a incitação à violência política.
Na direção desta pauta, o PL de nº 4639/2025 que o deputado do União Brasil/SP também apresentou em setembro passado, propõe alteração na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que regula os partidos políticos, para propor impedimento na criação e no funcionamento de partidos de natureza nazista ou comunista, que, segundo o texto, defendam a implantação de regimes totalitários contrários ao Estado Democrático de Direito. O deputado coloca no mesmo patamar ideológico o nazismo e o comunismo e prevê impedimento a partidos que utilizem, em seus nomes, programas, estatutos, propaganda ou manifestações, símbolos, emblemas, insígnias ou ornamentos associados ao nazismo ou ao comunismo, tais como a suástica ou a foice e o martelo. O projeto veda ainda a existência de partidos que adotem terminologia vinculada ao nazismo ou ao comunismo em sua denominação ou designação partidária.
O deputado pretende ainda endurecer a legislação penal para que punições atinjam igualmente jovens e idosos, por meio do PL 4840/2025, com a extinção do inciso I do art. 65 do Código Penal que prevê atenuantes para quem tem menos de 21 anos e mais de 70. Seguindo a tendência punitivista característica das pautas da direita extremista, o texto de Kataguiri defende que “a noção de que pessoas abaixo de 21 anos teriam discernimento reduzido perdeu fundamento após a Constituição de 1988 fixar a maioridade civil e penal aos 18 anos, reconhecendo plena capacidade a partir dessa idade. Da mesma forma, o aumento da expectativa de vida e a crescente participação ativa de pessoas idosas na vida social, política e econômica esvaziam a ideia de que a idade avançada, por si só, justifique redução de pena, sobretudo em crimes graves e sofisticados, muitas vezes praticados com plena consciência por agentes acima de 70 anos“.
Como citar
CUNHA, Magali; OWSIANY, Laryssa; PESTANA, Matheus Cavalcanti. "Um setembro que marcou negativamente a Câmara Federal entre projetos de repressão a organizações criminosas e de criação uma Bancada Cristã ". Religião e Poder, 30 out. 2025. Disponível em: . Acesso em: .
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