Agosto convulsivo: na Câmara em crise, PLs respondem a casos midiáticos e a pautas anti-direitos

Foto: Marcos Pollon (PL – MS) por Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Magali CunhaLaryssa OwsianyMatheus Cavalcanti Pestana

Por Magali Cunha, Laryssa Owsiany e Matheus Cavalcanti Pestana

  • 02 out 2025
  • 27 min de leitura
Agosto convulsivo: na Câmara em crise, PLs respondem a casos midiáticos e a pautas anti-direitos
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O imaginário social brasileiro construiu uma noção de que agosto não é um bom mês. Ele é popularmente apelidado, por gerações, como o “mês do desgosto”. Há uma memória coletiva de fatos históricos marcantes da política contemporânea ocorridos nesse mês, como o suicídio de  Getúlio Vargas (1954), a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República (1961), a morte de Juscelino Kubitscheck em um estranho acidente de carro na via Dutra (1976), a morte do candidato à Presidência da República Eduardo Campos, do PSB (2014). 

O agosto de 2025 produziu um fato inédito na Câmara dos Deputados que estabeleceu uma crise sem precedentes na liderança da Casa: a obstrução física promovida por deputados da base denominada “bolsonarista’’, especialmente do PL, com apoio do União Brasil, do PP e do Novo. Segundo os parlamentares, o ato foi deflagrado em protesto contra a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por conta de ações de obstrução do processo sobre o qual ele estava sendo julgado (golpe de Estado e atentado ao Estado Democrático de Direito). 

A obstrução física ocorreu na sessão de reabertura dos trabalhos da Câmara e do Senado, no retorno do recesso do meio de ano do Congresso Nacional, em 5 de agosto. Na Câmara, parlamentares coordenados pelo líder do PL, o deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (RJ), ocuparam as cadeiras da Mesa Diretora no plenário, impediram que o presidente da Casa Hugo Motta (Republicanos-PB) reassumisse e conduzisse as sessões regulares. Eles exigiam a inclusão em pauta de temas como anistia aos envolvidos nos atos violentos de 8 de janeiro de 2023, o fim do foro privilegiado de parlamentares e o impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. 

Depois de quase 48 horas de obstrução das duas Casas, o movimento foi encerrado. Na Câmara, a retomada da Mesa Diretora aconteceu depois de empurra-empurra, após  tentativa do presidente em demonstrar força. Em seguida, a direção enviou à Corregedoria da Câmara denúncias contra 14 deputados envolvidos, pleiteando penalidades que variam de advertência a suspensão do mandato por até seis meses. 

Considerado por analistas políticos como um motim que revela perda de controle da extrema direita sobre as pautas do Congresso e fragilidade da liderança das Casas, em especial da Câmara, o movimento de obstrução física ocorrido em agosto não teve precedentes. Este episódio contribuiu para a agitação da política nacional em um semestre que ficará historicamente marcado pelo julgamento inédito de ex-governantes que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, sob pressões políticas também inéditas dos Estados Unidos que colocaram em xeque a soberania nacional.

O Monitoramento de Projetos de Lei da Câmara Federal, projeto desenvolvido pelo ISER, com foco em temas relevantes o seu trabalho, como religião, gênero, direitos humanos, direitos sexuais e reprodutivos, entre outros, observou neste agosto convulsivo, que os temas de repercussão midiática seguem em destaque nas proposição de parlamentares, em especial aqueles alinhados à direita. 

A ofensiva pró-armas e anti-direitos indígenas da parte de deputado integrante da conhecida Bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) também ganhou relevo no levantamento, juntamente com a pauta anti-direito ao aborto e projetos que acionam temas específicos sobre religiosidades.

Temas de repercussão midiática pautam PLs

O monitoramento desenvolvido pelo ISER, vem destacando ao longo desta Legislatura que a interseção entre a esfera legislativa e a mídia se explicita quando temas de grande repercussão ganham espaço no cenário político e pautam Projetos de Lei. Em agosto foram dois temas fortes: a investigação de um esquema do crime organizado paulista que tem ramificações com a “Faria Lima”, o pólo financeiro do país e o vídeo-denúncia do youtuber Felca sobre a sexualização de menores de idade nas mídias sociais ao lado de outros casos de destaque nas mídias de notícias.

Organizações criminosas em foco

Em agosto de 2025, uma operação conjunta da Polícia Federal (PF), da Receita Federal e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo denominada “Carbono Oculto” impactou o cenário político com reflexos na Câmara Federal. A investigação tem por alvo um vasto esquema de lavagem de dinheiro perpetrado pela organização criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC), que abrange uma cadeia de combustíveis que inclui a importação irregular de metanol até a adulteração de de produtos em postos de revenda e envolve empresas de fintech, instituições de pagamento, fundos de investimento, distribuidoras e usinas. Segundo o levantamento, o esquema se estende por oito estados brasileiros, com cerca de 350 alvos entre pessoas físicas e jurídicas, 1.400 agentes mobilizados, e mandados de busca, apreensão ou prisão cumpridos. 

No cerne da investigação está a “Faria Lima”, termo que identifica a região de São Paulo, considerada o pólo financeiro do país, onde estão sediadas instituições financeiras, corretoras, fundos de investimento, fintechs e instituições financeiras. Foram identificados, pelo menos, 42 alvos na Faria Lima, cujas operações financeiras são suspeitas de servir para ocultação de patrimônio e lavar recursos oriundos de tráfico de drogas e outras atividades ilícitas do PCC. O esquema também estaria associado a uma sonegação de impostos estimada em bilhões de reais, tanto em âmbito estadual quanto federal, afetando não apenas consumidores, mas a integridade do mercado financeiro, da concorrência e da economia formal. 

O cenário político foi movimentado pelo caso por conta da citação do presidente do partido União Brasil Antônio Rueda como investigado, suspeito de propriedade oculta de jatos executivos que teriam sido usados por alvos centrais da Carbono Oculto. Rueda nega o envolvimento. 

Como termômetro dos efeitos da repercussão da Carbono Oculto na cena pública,  três Projetos de Lei, de autoria de parlamentares de diferentes correntes partidárias, foram identificados pelo monitoramento do ISER, o que reafirma um dos achados deste projeto, que diz respeito ao número expressivo de proposições nesta Legislatura que emergem de pautas conjunturais. A isto se soma outra constatação:  a prática recorrente no cenário político nacional do discurso punitivista como marca dos discursos de campanhas eleitorais e de pautas do Legislativo da parte de parlamentares da direita extremista.  Como pode ser observado nos projetos a seguir, aqueles originados na direita política têm caráter punitivista e  o que foi proposto por deputado alinhado à esquerda tem caráter preventivo.

  • O PL 4319/2025, de autoria do deputado católico Pedro Aihara (PRD/MG), dispõe sobre a responsabilidade penal de pessoas jurídicas por crimes relacionados às organizações criminosas, acrescentando dispositivos no Código Penal e em outras leis; 
  • O PL 4318/2025, de autoria do deputado evangélico Capitão Alberto Neto (PL/AM), altera a Lei nº9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores, para reforçar as regras de identificação de clientes e a rastreabilidade individualizada de operações financeiras; e a Lei nº13.506, de 13 de novembro de 2017, para estabelecer infrações administrativas por seu descumprimento;
  • O PL 4321/2025 do deputado Mauro Benevides Filho (PDT/CE) estabelece medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, com o objetivo de fortalecer os mecanismos de controle, assegurar a transparência e garantir a rastreabilidade das operações realizadas no sistema financeiro e no mercado de capitais.

Leis-Homenagens: casos de destaque nas mídias viram propostas de lei

As mídias digitais foram agitadas em agosto pela iniciativa do youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, que publicou, na quarta-feira 6, um vídeo intitulado “adultização”. No vídeo de enorme alcance de público, com  quase 50 minutos de duração, Felca mostra como os algoritmos das redes sociais impulsionam conteúdos que sexualizam menores de idade. Felca também expôs perfis de influenciadores virais que divulgam imagens de menores de idade em troca de engajamento e são suspeitos de tráfico humano e exploração sexual infantil. 

A iniciativa ganhou debates não só nas mídias digitais mas também nas mídias tradicionais e entre parlamentares, que produziram projetos com temas como cyberbullyng, aliciamento cibernético, adultização, Criação de Estatuto da Proteção da Criança na Era Digital, a instituição do Observatório Nacional de Proteção da Infância e Adolescência no ambiente digital — Proteca+, monetização de conteúdos, entre outros. O monitoramento do ISER levantou ao menos 75 PLs sobre direitos das crianças e adolescentes nas três semanas seguintes à publicação do vídeo de Felca, representando mais de três projetos por dia. Reportagem sobre esta dinâmica foi produzida por Dani Avelar para a Plataforma Religião e Poder e publicada em parceria com a revista CartaCapital.  

Entre as proposições apresentadas, duas chamam a atenção por darem o nome “Lei Felca” aos seguintes PLs: o de nº 3924/2025, de autoria da deputada Dayany Bittencourt (UNIÃO/CE), identificada como cristã, que institui a “Lei Felca”, para dispor sobre a proteção de crianças e adolescentes na Internet, e dá outras providências; e o de nº 3852/2025, de autoria do deputado católico Marx Beltrão (PP/AL), que  institui a “Lei Felca”, que dispõe sobre medidas de prevenção, proibição e criminalização da adultização e sexualização infantil na internet, e dá outras providências. 

A cantora Preta Gil, morta, em julho de 2025, aos 50 anos, em decorrência de um câncer, aparece como nome de uma lei proposta pelo deputado Marcelo Queiroz (PSDB/RJ), o PL 4153/2025. A “Lei Preta Gil” institui a obrigatoriedade da realização de exames de rastreamento e detecção precoce do câncer colorretal, incluindo a pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) e a colonoscopia, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelas operadoras de planos de saúde privados, e dá outras providências.

O caso da bebê Aurora Maria Oliveira Mesquita, que sofreu queimaduras de 2º e 3º graus durante o banho um dia após nascer, em junho de 2025, na Maternidade Irmã Maria Inete, em Cruzeiro do Sul, no interior do Acre, também foi objeto de intitulação uma lei proposta na Câmara Federal, para alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O PL 3803/2025, de autoria do deputado de identidade cristã Eduardo Velloso (UNIÃO/AC), altera o ECA (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), para instituir a “Lei Aurora Maria”, que trata das diretrizes obrigatórias de cuidado com o recém-nascido no momento do parto e nas primeiras horas de vida, visando garantir direitos fundamentais à criança.

Ofensiva pró-armas e anti-direitos dos povos indígenas

O monitoramento de PLs da Câmara Federal chamou a atenção, em agosto de 2025, para o fato de que apenas em um dia desse mês, a quinta-feira 7, foram apresentados 21 Projetos de Decreto Legislativo (PDLs) por um único deputado federal para impedir a aplicação de políticas do poder executivo referentes a direitos indígenas.

O deputado do Mato Grosso do Sul Marcos Pollon (PL) apresentou 21 PDLs, que visam sustar diversos atos do Ministério da Justiça e Segurança Pública e impactam diretamente os direitos dos povos indígenas, como delimitação e posse de terras e uso da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à FUNAI.  

  • O PDL 516/2025  visa sustar o Edital de Notificação nº3/2025/PRES-FUNAI, que trata do processo de identificação e delimitação da Terra Indígena Apyka’i, no Estado de Mato Grosso do Sul.
  • O PDL 517/2025, busca sustar a Portaria nº779, de 25 de setembro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente do Povo Indígena Munduruku à Terra Indígena Sawré Muybu, localizada nos municípios de Itaituba e Trairão, Estado do Pará.
  • O PDL 518/2025 visa sustar o Decreto nº11.689, de 17 de julho de 2023, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Acapuri de Cima, localizada no município de Fonte Boa, Estado do Amazonas.
  • O PDL 519/2025 pretende sustar o Decreto nº12.000, de 18 de abril de 2024, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Aldeia Velha, em Porto Seguro, estado da Bahia.
  • O PDL 520/2025 tem como objetivo sustar os efeitos da Portaria do Ministro da Justiça e Segurança Pública nº799, de 26 de novembro de 2024, que declara a posse permanente do Povo Indígena Guarani Mbya na Terra Indígena Tapy’i (Rio Branquinho), localizada no município de Cananéia, Estado de São Paulo.
  • O PDL 521/2025 busca sustar os efeitos da Portaria MJSP nº735, de 2 de agosto de 2024, que dispõe sobre o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à FUNAI na Terra Indígena Rio dos Índios, no Estado do Rio Grande do Sul.
  • O PL 522/2025 visa sustar os efeitos da Portaria nº769, de 5 de setembro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente dos Povos Indígenas Arapium, Jaraqui e Tapajó à Terra Indígena Cobra Grande, localizada no Município de Santarém, Estado do Pará.
  • O PDL 523/2025 pretende sustar os efeitos da Portaria nº770, de 5 de setembro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente dos Povos Indígenas Borari e Arapium à Terra Indígena Maró, localizada no Município de Santarém, Estado do Pará.
  • O PDL 524/2025 tem como objetivo sustar os efeitos da Portaria nº771, de 5 de setembro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente dos Povos Indígenas Apiaká, Munduruku e Isolados à Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, localizada no Município de Apiacás, Estado de Mato Grosso.
  • O PDL 525/2025 visa sustar os efeitos da Portaria nº795, de 23 de outubro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente do Povo Indígena Guarani Mbya à Terra Indígena Peguaoty, localizada no Município de Sete Barras, Estado de São Paulo.
  • O PDL 526/2025 busca sustar os efeitos da Portaria nº796, de 23 de outubro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente do Povo Indígena Guarani Mbya à Terra Indígena Guaviraty, localizada nos Municípios de Cananéia e Iguape, Estado de São Paulo.
  • O PDL 527/2025 pretende sustar os efeitos da Portaria nº797, de 23 de outubro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente dos Povos Indígenas Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Tupi e Tupi-Guarani à Terra Indígena Djaiko-aty, localizada no Município de Miracatu, Estado de São Paulo.
  • O PDL 528/2025 visa sustar os efeitos da Portaria nº798, de 23 de outubro de 2024, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que declara a posse permanente do Povo Indígena Guarani Mbya à Terra Indígena Amba Porã, localizada no Município de Miracatu, Estado de São Paulo.
  • O PDL 529/2025 busca sustar os efeitos do Decreto nº11.503, de28 de abril de2023, que altera o Decreto de11 de dezembro de1998, homologando a demarcação administrativa da Terra Indígena Uneiuxi, localizada no município de Santa Isabel do Rio Negro, Estado do Amazonas.
  • O PDL 530/2025 tem como objetivo sustar os efeitos do Decreto nº11.504, de 28 de abril de 2023, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Arara do Rio Amônia, situada no município de Marechal Thaumaturgo (AC).
  • O PDL 531/2025 visa sustar os efeitos do Decreto nº11.506, de 28 de abril de 2023, que homologou a demarcação administrativa da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, no município de Itapipoca (CE).
  • O PDL 532/2025 busca sustar os efeitos do Decreto nº11.507, de 28 de abril de 2023, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Avá-Canoeiro, localizada no Estado de Goiás.
  • O PDL 533/2025 pretende sustar os efeitos do Decreto nº11.508, de 28 de abril de 2023, que revogou o art.2º do Decreto de 4 de outubro de 1993, por meio do qual foi homologada a demarcação administrativa da Terra Indígena Kariri?Xocó, nos municípios de Porto Real do Colégio e São Brás (AL).
  • O PDL 534/2025 visa sustar os efeitos do Decreto nº11.690, de 5 de setembro de 2023, que altera o Decreto nº281, de 29 de outubro de 1991, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Rio Gregório, no Estado do Acre.
  • O PDL 535/2025 busca sustar os efeitos do Decreto nº12.001, de 18 de abril de 2024, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Cacique Fontoura, localizada nos Municípios de Luciara e São Félix do Araguaia, Estado do Mato Grosso.

Ainda nesse mesmo dia Marcos Pollon também apresentou seis PLs em defesa da pauta armamentista:

  • PL 3822/2025 – institui o Selo Empresa Parceira da Liberdade, destinado a reconhecer, incentivar e valorizar pessoas jurídicas que atuem em apoio à cultura da legítima defesa, ao acesso responsável às armas de fogo e à promoção das liberdades individuais no território nacional e dá outras providências.
  • PL 3823/2025 – altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, para instituir o Selo Cidade Segura – Mais Armas Legais, destinado aos municípios que apresentarem altos índices de regularização de posse e porte de armas de fogo por cidadãos de bem, como estratégia de promoção da segurança pública.
  • PL 3824/2025 – dispõe sobre a autorização para saque de valores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a aquisição de arma de fogo para defesa pessoal, e dá outras providências.
  • PL 3825/2025 – reconhece a prática da tiroterapia como atividade lúdica de lazer e autoriza sua realização nos termos que especifica.
  • PL 3826/2025 – reconhece a prática da caça como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
  • PL 3827/2025 – autoriza a construção e utilização de estandes de tiros particulares vinculados à pessoa física e dá outras providências.
  • PL 3828/2025 – acrescenta o inciso X ao art. 47 da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte), para estabelecer como objetivo do Fundo Nacional do Esporte (Fundesporte) a promoção, incentivo e apoio ao esporte de tiro amador e profissional em todo o território nacional.

Marcos Pollon é integrante das frentes parlamentares católica e evangélica e de outras relacionadas a pautas da segurança pública e agrárias e atua com destaque na defesa de projetos da  extrema direita que articulam religião cristã, armas e agronegócio. Como este monitoramento já havia identificado, logo nos primeiros meses do primeiro ano da Legislatura, 2023, o deputado protocolou uma proposição anti-direitos indígenas por meio de um PL para alterar o “Estatuto do Índio”.   O projeto busca impedir o reconhecimento de áreas tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, o que ele denomina como “áreas invadidas”. Ainda em 2023, Pollon havia apresentado o PL 766, que concede isenção tributária para que mulheres vítimas de violência comprem armas e munições.

O monitoramento também mostrou, que neste 2025, a ofensiva armamentista ganhou fôlego na Câmara com uma série de projetos de autoria de Marcos Pollon. Em maio passado, ele apresentou um projeto Projeto de Lei que articula religião e armamentismo. Com uso da rubrica da “liberdade religiosa”, o texto propõe o reconhecimento nacional da Marcha pela Liberdade, realizada anualmente pelo movimento Proarmas, como manifestação cultural nacional. 

Marcos Pollon ganhou notoriedade neste agosto: ele foi um dos deputados mais aguerridos do PL na obstrução física dos trabalhos da Câmara Federal na volta do recesso parlamentar de meio de ano, em 5 de agosto passado. Marcos Pollon está entre os nomes mais citados nos relatórios de apuração do “motim parlamentar”. Pollon e o deputado Marcel van Hattem (Novo/RS) foram os últimos parlamentares a deixarem o espaço no momento em que o presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos/PB) tentou assumir sua função para iniciar os trabalhos.

Depois de ser citado na representação da Mesa Diretora à Corregedoria da Câmara, Marcos Pollon se defendeu nas mídias sociais dizendo que é autista e que, por isso, não estava entendendo o que acontecia no momento em que o Hugo Motta tentou retomar a cadeira para comandar as sessões da Casa. Porém, dias antes de impedir os trabalhos parlamentares, Pollon chamou Hugo Motta de “bosta” e “baixinho de um metro e 60”, conforme gravações de uma manifestação em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 3 de agosto, no Mato Grosso do Sul, estado do parlamentar. 

Ações anti-direito ao aborto

Um dos temas destacados deste monitoramento de PLs nesta Legislatura são as proposições anti-direito ao aborto. Elas alcançaram um clímax em junho de 2024, gerando reações negativas na cena pública e fortes manifestações de rua contra o reacionarismo da Câmara Federal, que visava restringir direitos já alcançados nesta pauta.

Neste agosto de 2025, o monitoramento identifica projetos como o PL 4146/2025, de autoria da deputada católica Laura Carneiro (PSD/RJ), que, sob o discurso de implementar “medidas informativas”, é, na prática, uma forma de avançar com ações públicas anti-direito ao aborto. 

Este PL dispõe sobre a “entrega voluntária de crianças para adoção. O texto propõe a afixação obrigatória de placas informativas sobre a entrega voluntária em Conselhos Tutelares e  entidades públicas e privadas de todo o território nacional que prestam serviços nas áreas da saúde, da educação e da assistência social.  O projeto sugere que essas placas, afixadas em locais de fácil visualização, contenham os seguintes dizeres: “A entrega de filho para adoção não é crime. Caso você queira fazê-la, procure a Vara da Infância e da Juventude. Além de legal, o procedimento é sigiloso”. 

Na justificativa apresentada pela autora do PL é afirmado que  “a entrega voluntária ainda é desconhecida pela maioria das pessoas, sendo usual ouvir de mães que abortaram, abandonaram ou venderam seus filhos que não sabiam que poderiam entregá-los para adoção, que pensavam que tal conduta constituía um crime e que seriam responsabilizadas pelo juiz.”

Este tema, relacionado à extinção do poder familiar, está contemplado por lei recente no Brasil. É uma forma de atender aos interesses das crianças e evitar o sofrido processo de destituição do poder familiar, este sim, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, há três décadas, e no artigo 1.638, do  Código Civil, desde 2002. 

O poder familiar diz respeito ao conjunto de direitos e deveres atribuídos a genitores em relação a filhos menores de idade. Em algumas situações excepcionais, mães e pais podem perder esse poder, por meio do processo de destituição, nos casos em que praticarem atos contrários aos deveres inerentes ao poder familiar, ou quando são condenados criminalmente por crimes contra os filhos.

O direito à extinção do poder familiar foi estabelecido em 2017, pela Lei n. 13509, que altera o ECA e o Código Civil a fim de facilitar os procedimentos legais de desligamento dos recém-nascidos de suas famílias de origem, para que esses bebês fossem “entregues” a novas famílias para adoção.

Indagada pela equipe do monitoramento de PLs do ISER, sobre o tipo de proposição apresentada pela deputada católica Laura Carneiro, a pesquisadora do tema, socióloga Ana Carolina Marsicano, avalia: “Projetos de Lei como o PL 4146/2025, que se apresentam sob o argumento da adoção de medidas ‘informativas’, têm crescido no Brasil como expressão da pauta antiaborto. Eles propõem, por exemplo, a obrigatoriedade de informar sobre os riscos físicos e psicológicos do procedimento, a exibição de imagens de fetos em desenvolvimento ou a exigência de aconselhamento prévio que enfatize a possibilidade de entregar a criança para adoção. Embora travestidas de políticas de cuidado, essas iniciativas funcionam como mecanismos de constrangimento, ampliando a burocracia e o sofrimento das mulheres, meninas e pessoas que gestam em situação de vulnerabilidade. Na prática, deslocam o foco do direito garantido em lei para um modelo moralizante, que visa desencorajar a interrupção da gravidez em vez de assegurar que o acesso ao serviço seja realizado com dignidade, rapidez e segurança.”

PLs sobre Religião: entre reparação de danos espirituais e moralidade masculina

Reconhecimento e reparação de danos espirituais

O PL 3799/2025, da deputada adepta das espiritualidades indígenas Célia Xakriabá (PSOL/MG), propõe alteração do Código Civil (Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002) para dispor sobre o reconhecimento e a reparação civil dos danos espirituais. Segundo o texto, o dano espiritual deve ser tratado como uma espécie de “dano moral coletivo, decorrente de impactos culturais, ambientais ou religiosos que violem os vínculos espirituais de povos indígenas, comunidades tradicionais e coletividades com seus territórios, práticas, objetos simbólicos ou bens imateriais”. 

A deputada expõe na proposta que  “dano espiritual [é] toda ação ou omissão que: I – destrua, inviabilize ou impeça o acesso a locais considerados sagrados, de culto, de reza, de luto ou de espiritualidade por grupos ou comunidades; II – desfigure ou interrompa o acesso a rios, matas, árvores, caminhos ou outros elementos naturais e geográficos com valor simbólico, sagrado ou espiritual; III – impeça, discrimine, criminalize ou viole práticas, objetos, celebrações, cultos, cantos, rezas, pinturas, imagens ou qualquer outra forma de expressão espiritual ou cosmológica; IV – se aproprie indevidamente, mercantilize ou desrespeite símbolos, saberes, elementos ou rituais espirituais de comunidades sem seu consentimento livre, prévio, informado, de boa-fé e culturalmente adequada; V – pratique atos ou discursos que causem sofrimento espiritual coletivo por intolerância religiosa, étnica ou cultural”.

A justificativa da proposta na qual a deputada se baseia é o caso ocorrido em setembro de 2006 – a colisão entre um Boeing 737 da Gol Linhas Aéreas e um jato Legacy. O texto recorda que o acidente resultou não apenas em perdas humanas, mas também em impactos culturais e espirituais para o povo indígena Mebengokre Kayapó, na região onde a aeronave caiu. Segundo a parlamentar, o caso levou a um acordo extrajudicial mediado pelo Ministério Público Federal, no qual a empresa aérea assumiu a responsabilidade pelo pagamento de indenizações relativas a danos imateriais de natureza espiritual e coletiva. Essa reparação reconheceu a violação de rituais, a contaminação simbólica do território e o sofrimento coletivo, o que se diferencia do tradicional conceito de dano moral individual e se constitui em precedente importante para a tutela jurídica da dimensão espiritual e cultural dos povos originários.

O texto do PL afirma que a  experiência desse acordo evidenciou a carência de instrumentos normativos específicos que assegurem maior estabilidade e coerência jurídica na reparação de danos espirituais, evitando a dependência de soluções isoladas ou casuísticas na jurisprudência. Nesse contexto, destaca-se ainda a ocorrência de dano espiritual ao povo Noke Koî, em razão da derrubada de seis samaúmas por uma grande empresa durante a construção de um linhão de transmissão de energia, o que reforça a urgência da elaboração de mecanismos legais que contemplem de forma explícita a proteção da espiritualidade e da cosmologia indígena em face de empreendimentos econômicos e impactos ambientais.

Outro caso registrado no PL como justificativa para uma lei que garanta reconhecimento e reparação de danos espirituais foi o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que resultou na contaminação do Rio Doce. O texto da deputada  Célia Xakriabá alerta que o desastre afetou profundamente as aldeias situadas às margens do rio, comprometendo a soberania alimentar, a subsistência econômica e a espiritualidade dos povos indígenas locais. A parlamentar ressalta que, para o povo Krenak, cuja cosmologia reconhecia o rio como a divindade Watu, a tragédia significou não apenas danos materiais e ambientais, mas também a morte simbólica de uma entidade sagrada, configurando um grave impacto espiritual e cultural coletivo.

De acordo com este PL, além da reparação que deve ser praticada pelos responsáveis pelos danos, o Estado deverá promover mecanismos de prevenção de danos espirituais, inclusive mediante a identificação, proteção e salvaguarda de espaços e práticas de valor espiritual e cultural. 

A inserção desta pauta no Legislativo se reveste de importante significado para a defesa da liberdade religiosa e do direito humano de crença, ao mesmo tempo que contribui para a conceituação da noção de dano espiritual e da tipificação da responsabilidade das instituições do Estado na garantia das vivências e da coexistência das diferentes espiritualidades.

Movimento Legendários como Manifestação da Cultura Nacional

Em agosto, este  monitoramento levantou o PL 4070/2025 do deputado evangélico Raimundo Santos (PSD/PA), que reconhece o movimento cristão Legendários como Manifestação da Cultura Nacional (nos termos do art.215, §1º da Constituição Federal). O texto dá destaque à expressiva atuação do pastor Philipe Câmara, um dos líderes da Assembleia de Deus em Belém (PA), na coordenação do movimento na região norte.

O movimento Legendários, tem origem na Guatemala, criado pelo pastor evangélico da Igreja Casa de Deus Cash Luna. Tornou-se uma rede cristã transnacional de discipulado masculino que alcançou grupos evangélicos no Brasil há cerca de dez anos. O projeto é referenciado na espiritualidade pentecostal-carismática, em discursos de liderança e em práticas de socialização comunitária para a formação espiritual e moral de homens. 

A dinâmica do projeto se estrutura em encontros periódicos, estudos dirigidos e eventos massivos que utilizam estratégias comunicacionais modernas, para promover a identidade de “guerreiros espirituais” e ressignificando a masculinidade heteronormativa patriarcal dentro de parâmetros religiosos. Estudos sobre os discursos que circulam nos eventos mostram como o Legendários atua na legitimação de valores conservadores no debate público, em especial no tocante a papéis de gênero,  família e sexualidade. 

Este PL se insere no conjunto de proposições de projetos de lei que instituem datas comemorativas e homenagens de caráter religioso, o que constitui um fenômeno recorrente no Legislativo, conforme tem sido evidenciado por este monitoramento de PLs. Estas iniciativas, contudo, não podem ser compreendidas apenas como manifestações protocolares ou de caráter simbólico. Como já foi tratado nos boletins do monitoramento, elas integram, de forma mais ampla, uma estratégia de mobilização política por grupos religiosos alinhados ao conservadorismo político, com vistas a consolidar sua presença na esfera pública e ampliar influência nos processos de definição de identidades e valores coletivos. 

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