Monitoramento de outubro e novembro levanta novos enfoques para os temas priorizados pelo ISER
Por Carolina Rocha, Laryssa Owsiany, Magali Cunha e Matheus Cavalcanti Pestana
- 15 jan 2025
- 26 min de leitura
Em outubro e novembro de 2024, o Monitoramento de Projetos de Lei na Câmara Federal levanta que o chamado populismo penal ganhou mais espaço entre as propostas parlamentares, o tema da educação segue com força, bem como as pautas que emergem da conjuntura e da cobertura midiática continuam orientando a apresentação de PLs. Entre as pautas destacadas no debate público estão as apostas, ou as populares “bets”.
Neste boletim, são apresentados os destaques da extensa quantidade de proposições identificadas nesses meses de 2024 a partir das 17 categorias centrais definidas como prioritárias para o ISER: 1) Direitos da Mulher; 2) Crimes e Segurança Pública; 3) Causa animal; 4) Ameaça ao Estado Democrático de Direito; 5) Imigração; 6) Educação; 7) Política de drogas; 8) Direitos da Criança e do Adolescente; 9) Regulação de mídias; 10) Família; 11) Direitos dos povos indígenas e Comunidades Tradicionais; 12) Direitos Humanos; 13) Calendários oficiais, patrimonialização e homenagens; 14) Religião, 15) Direitos Sexuais e Reprodutivos, 16) Raça e Racismo e 17) Meio Ambiente e Questões Climáticas. Os demais projetos não destacados neste boletim, relacionados a todas estas categorias, podem ser encontrados aqui.
Responsabilização penal e situação prisional
Populismo penal é o termo que vem sendo utilizado para o discurso presente nas mídias para captação de público, em políticas e decisões de Estado, para captação de apoiadores e de votos, que é assimilado pela população, de que a ampliação do número de prisões e o endurecimento de penas para os mais variados crimes, promove a redução da criminalidade e da violência. A base do populismo penal é o punitivismo, ou seja, com número maior e mais duro de punições se enfrenta os crimes. Pesquisas acadêmicas e abordagens jurídicas têm alertado para os erros nesta concepção, o que vem sendo trabalhado pelo
ISER na área de Direitos & Sistema de Justiça.
O Monitoramento de PLs do ISER levantou 25 proposituras de parlamentares, a grande maioria relacionados à direita com base em populismo penal, com alterações no Código de Processo Penal, na Lei de Execuções Penais, no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sinad) e na Lei de Organização Criminosa.
Como exemplos destacam-se os PLs: 4556/2024 do deputado cristão Bibío Nunes (PL/RS) que veda a progressão de regime de cumprimento da pena quando o réu tiver sido condenado pela segunda vez pela prática do mesmo crime; o 4425/2024 do deputado cristão Bebeto (PP/RJ) que busca vedar a concessão de benefícios a condenados por estupro de vulnerável em casos com agravante de parentesco e o PL 3923/2024 da deputada cristã Julia Zanatta (PL/SC) que proíbe que indivíduos condenados por crimes hediondos e graves alterem nome e gênero no registro civil.
No que diz respeito ao específico enfrentamento do crime organizado, desde as clássicas facções às chamadas milícias, há quatro PLs em destaque:
- O deputado cristão não determinado Delegado Ramagem (PL/RJ) propõe o PL 4465/2024 que altera a Lei Antiterrorismo , para equiparar como ato terrorista as condutas praticadas por milícias, facções, organizações paramilitares, grupos criminosos ou esquadrões e para definir a competência para a investigação, o processamento e o julgamento de tais crimes,
- O PL 4120/2024 de autoria dos deputados cristãos não determinados Alfredo Gaspar e Alberto Fraga (UNIÃO/AL) dispõe sobre a associação interfederativa para o enfrentamento ao crime organizado transnacional e a persecução penal para os crimes que especifica; estabelece medidas para a segurança jurídica das operações de segurança pública e de inteligência para o enfrentamento às organizações criminosas transnacionais e para a atuação de agentes públicos
- O PL 4335/2024 do deputado católico Aluisio Mendes (REPUBLICANOS/MA) tipifica como crime a ordem ilegal em área dominada por facção criminosa e milícia privada.
- O PL 4538/2024 de autoria do deputado evangélico Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) altera a Lei de Organização Criminosa para reforçar o combate às organizações criminosas mediante medidas de prevenção, responsabilização e controle de bens de organizações criminosas.
Apenas três Projetos de Lei, apresentados por parlamentares de esquerda, o pastor evangélico Henrique Vieira (PSOL-RJ) e a católica Duda Salaibert (PDT-MG) e pelo deputado de centro, cuja identidade religiosa não foi identificada, Amom Mandel (CIDADANIA/AM) escapam do punitivismo e do populismo penal, com propositura que busca dignificar a situação de presos. Respectivamente: o PL 4023/2024 que altera a Lei de Execuções Penais para prever a hipótese de remição por práticas de leitura; o 4317/2024 que altera a mesma lei para incluir artigos sobre a segurança alimentar e nutricional para pessoas privadas de liberdade, além de estimular a produção agroecológica nas unidades prisionais; e o PL 4460/2024, que busca a implementação de programas de capacitação tecnológica para egressos do sistema prisional brasileiro.
Regulação de uso de armamentos
Foram nove projetos em torno desta questão. Destes, seis propõem alteração do Estatuto do Desarmamento :
- O PL 4154/2024 de autoria do deputado católico Adolfo Viana (PSDB/BA),para disciplinar a destinação de quaisquer armas de fogo, acessórios e munições perdidos para a União ou para os Estados e o Distrito Federal em decorrência da atuação de organização criminosa ou milícia;
- O PL 4016/2024 do deputado católico Delegado Caveira (PL/PA) dispõe alterações sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e define crimes;
- O PL 4194/2024 do deputado católico Pedro Aihara (PRD/MG) define prazo máximo para a realização de perícia em armas de fogo apreendidas e pertencentes às forças de segurança pública;
- O PL 4052/2024 do deputado cristão não determinado Sargento Portugal (PODE/RJ) prevê o aumento das penas no caso de crime cometido com emprego de arma de fogo furtada ou roubada de agente de segurança pública;
- O PL 4618/2024 do deputado cristão Sargento Gonçalves (PL/RN) autoriza agentes de segurança pública, ativos e inativos, a adquirir até seis armas de fogo de uso restrito ou permitido e suas munições. O mesmo deputado apresentou o PL 4302/2024 para alterar o estatuto e regulamentar o porte de arma pelos integrantes dos órgãos operacionais do Sistema Único de Segurança Pública.
Outros dois PLs referentes a regulação de armamentos são: o PL 4044/2024, redigido pelo deputado cristão não determinado Sargento Portugal (PODE/RJ), prevê o aumento das penas no caso de crime cometido com emprego de arma de fogo furtada ou roubada de agente de segurança pública e dá outras providências; o PL 4572/2024 do deputado evangélico Pr. Marco Feliciano (PL/SP) tipifica como crime hediondo a prática de emboscada com resultado morte, utilizando armas de uso exclusivo das Forças Armadas ou das forças policiais, tais como fuzis, metralhadoras, escopetas e similares, estabelece pena de 40 anos de reclusão em regime inicial fechado.
Um último PL em destaque neste monitoramento é o apresentado pelo deputado cristão não determinado Alexandre Guimarães (MDB/TO), com o número 4243/2024 e diz respeito ao uso de armas de gel. Este é um tema que emerge de uma demanda em cidades espalhadas pelo Brasil, onde se tornou prática corrente entre jovens, fazer uso, como lazer, em encontros agendados em mídias sociais, de armas munidas com bolinhas de gel, classificadas em lojas como “brinquedo”. Porém, elas podem causar ferimentos graves e têm mobilizado agentes policiais para diminuir o uso do produto de forma inadequada. Alexandre Guimarães propõe regulamentar a produção, a importação, a comercialização e o uso de armas de gel em espaços públicos e privados de grande circulação de pessoas para maiores de 18 anos, em locais específicos.
Educação
Como já tratado nos boletins deste projeto de monitoramento e analisado em artigo da Plataforma Religião e Poder, pela Dra. Andréa Silveira de Souza, educação é um tema prioritário nas disputas político-ideológicas no Brasil, marcadamente nos últimos seis anos.
É expressivo o número de PLs apresentados em torno do tema da educação, nos meses de outubro e novembro de 2024, 44 com base nos critérios aplicados ao monitoramento, voltados para as mais diversas pautas: inserção de temas como administração financeira e direito nos currículos da educação básica, bem como educação midiática e digital; garantia de direitos a professores e estudantes do ensino público em geral e a estudantes com deficiência e outras necessidades especiais; aperfeiçoamento do Programa Nacional do Livro e do Material Didático; enfrentamento da violência nas escolas; atenção a estágio, educação ambiental, esportes, instalação de ar condicionado.
Chamam a atenção nesta extensa lista de projetos, oito que respondem a pautas defendidas insistentemente por lideranças da extrema-direita, expostas em campanhas eleitorais e em publicações em mídias digitais. Entre estes, três têm relação com uma prática também observada neste projeto de monitoramento, que é apresentação de Projetos de Decreto Legislativo com a finalidade de sustar resoluções de conselhos nacionais de direitos.
É o caso dos PDLs 375/2024, de autoria da deputada evangélica Missionária Michele Collins (PP/PE); 378/2024 do deputado católico Allan Garcês (PP/MA) e 377/2024 do deputado evangélico Silas Câmara (REPUBLICANOS/AM). Os três se colocam em oposição à Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica – que institui as Diretrizes Operacionais Nacionais de Qualidade e Equidade para a Educação Infantil. Os parlamentares se colocam contra o documento abordar “questões de gênero no contexto da formação de professores para a educação infantil e incentivando a inclusão de conteúdos que abordem questões de gênero nos currículos”
Os PDLs se opõem ao que consta na Resolução CNE/CEB 1/2024, na “Subseção III – Oferta da Educação Infantil nas modalidades da Educação Básica” do documento, que prevê, no artigo 10,§1º, IV e V: “a valorização das diferenças, do pertencimento étnico-racial, da língua materna, dos saberes e tradições culturais como elementos constitutivos das identidades das crianças, com particular atenção ao reconhecimento das especificidades e singularidades das comunidades tradicionais, dos povos originários indígenas e das populações que vivem em áreas fronteiriças; o reconhecimento e a valorização das diferentes formas e arranjos familiares, incluindo famílias monoparentais e famílias homoafetivas, famílias adotivas e reconstituídas”.
Outros quatro PLs com pautas educacionais alinhadas à extrema direita que merecem destaque são:
- O PL 4126/2024, de autoria do deputado evangélico Capitão Alberto Neto (PL/AM) que visa a adoção de vouchers escolares. De acordo com a justificativa apresentada no projeto, isso “permitirá que o sistema educacional se torne mais orientado para o mercado, de tal forma que a competição entre as escolas privadas cujas matrículas são admitidas no âmbito do Fundeb, conduza a uma educação de mais qualidade a custo razoável.”
- O PL 3848/2024, de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Daniel José (PODE/SP) que prevê alteração nas formas de gestão de instituições de educação superior com a criação de um Conselho de Governança sobre os conselhos universitários.
- O PL 4488/2024, de autoria do deputado católico Marcos Pollon (PL/MS) que prevê a instalação de câmeras de vídeo e áudio em instituições de ensino públicas e privadas e acesso aos registros por pais e responsáveis
- O PL 4608/2024, de autoria do deputado cristão não determinado Dr. Fernando Máximo (UNIÃO/RO) que propõe a reprovação de alunos em decorrência de mau comportamento, independentemente do desempenho acadêmico, nas instituições de ensino.
Estes projetos expressam o que Andréa Silveira de Souza indica em suas análises como retrato das agendas de cunho religioso conservador em tom de pânico moral: o combate a uma suposta “ideologia de gênero” e à doutrinação política de esquerda nas escolas; o programa de escolas cívico-militares (controle do comportamento dos estudantes) ; o fortalecimento da educação domiciliar (“homeschooling”) com o enfraquecimento da educação pública.
Jogos Online no Brasil em 2024: uma nova pauta se estabelece
Em outubro e novembro de 2024, assim como em setembro passado, foi possível encontrar PLs em diferentes categorias que se dedicaram a propor intervenções públicas para apostas e jogos online no Brasil. Essas medidas concentram-se em preocupações relacionadas a crimes e a segurança pública, passando pelos direitos das crianças e dos adolescentes e pela proteção da família, até alcançar dados relacionados à segurança e à regulação de mídias digitais.
Os jogos online no Brasil têm se consolidado como uma das formas de entretenimento mais populares nos últimos anos. Com a digitalização crescente e o aumento do acesso à internet, a indústria de jogos no país alcançou novos patamares, atraindo milhões de jogadores. Além disso, a expansão das plataformas de apostas trouxe novas dimensões ao mercado de jogos online. No entanto, a popularização dessas atividades também gerou preocupações, especialmente no que diz respeito ao endividamento crescente da população.
Em 2024, o Brasil segue como um dos maiores mercados de jogos online da América Latina, com uma base de usuários que inclui desde jogadores(as) casuais até profissionais de eSports. A diversidade de jogos disponíveis e o crescimento das indiretas ao vivo (streams) de eventos de jogos foram importantes para essa popularização e tem preocupado as deputadas e os deputados, de confessionalidades diversas, mas principalmente, os assumidamente cristãos.
Nos PLs apresentados são observadas denúncias de como o crescimento das apostas online gerou um aumento de problemas significativos, como o vício em jogos de azar. As apostas são vistas pela população como uma maneira rápida de obter ganhos financeiros, mas na prática tem-se um número cada vez maior de pessoas endividadas, incluindo crianças e adolescentes. Os projetos de lei determinam a necessidade de regulamentação das mídias e dos jogos e a necessidade de tratamento e acolhimento para quem se envolve com estas práticas.
No contexto de Crimes e Segurança Pública relacionados às apostas, parlamentares têm preocupação manifestada com a ludopatia (vício em jogos de azar) e defendem uma atuação mais rigorosa do governo federal para reduzir o endividamento da população brasileira. Em outubro e novembro de 2024, o monitoramento do ISER destaca as seguintes proposições:
- Alterações na Lei sobre Apostas de Quota Fixa (2023): o PL 4130/2024, do deputado de identidade religiosa não identificada Daniel Almeida (PCdoB/BA), propõe uma alteração a fim de estabelecer medidas adicionais de combate ao endividamento por apostas. A proposta é impor medidas de conscientização e impedir superendividados de apostar, resguardando os consumidores de práticas abusivas e garantindo que suas decisões financeiras sejam tomadas de forma mais consciente e responsável; o PL 3924/2024 de autoria dos deputados evangélicos David Soares e Marcos Soares (UNIÃO/SP), busca vedar subvenção, benefício ou incentivo de entes públicos ou governamentais a agentes operadores de apostas; impedir novas apostas em caso de indícios de manipulação de eventos ou resultados por parte de apostador; limitar as formas de aporte e retirada de recursos financeiros pelos apostadores, bem como de pagamento de prêmios pelos agentes operadores; e vedar que pessoas em situação de atestado comprometimento da capacidade financeira e de pagamento participe na condição de apostador; o PL 3814/2024, de autoria do deputado católico Delegado Caveira (PL/PA), propõe novas penas a infratores; o PL 4163/2024, de autoria do deputado católico Otto Alencar Filho (PSD/BA), estabelece, no contexto das apostas de quota fixa, medidas adicionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.
- O PL 3877/2024, de autoria da deputada evangélica Daniela do Waguinho (UNIÃO/RJ), altera a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, para restringir a propaganda de jogos de azar, apostas de quota fixa e de atividades de natureza sexual, e a Lei sobre Apostas de Quota Fixa, para restringir a propaganda de apostas de quota fixa.
- O PL 3810/2024, de autoria do deputado católico Pedro Aihara (PRD/MG), dispõe sobre a realização de campanhas de conscientização sobre apostas esportivas; institui o Fundo Nacional de Prevenção ao Vício em Apostas; altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir educação financeira e conteúdos relacionados a apostas esportivas no currículo escolar; modifica as regras de publicidade e propaganda na Lei de Apostas de Quota Fixa.
- O PL 3790/2024, do deputado católico Pedro Paulo (PSD/RJ), é instituída a Lei de Responsabilidade dos Jogos.
- O PL 3932/2024, do deputado católico Romero Rodrigues (PODE/PB), institui a Política Nacional de Conscientização e Combate ao Vício Tecnológico em crianças e adolescentes e altera a Lei de Apostas de Quota Fixa, a fim de prever medidas adicionais de combate à participação de menores de 18 (dezoito) anos na condição de apostador em apostas de quota fixa.
- O PL 4466/2024, de autoria dos deputados católicos Luiz Couto, Reimont e Alexandre Lindenmeyer (PT/PB), estabelece regras de proteção e defesa das pessoas idosas contra jogos de azar.
Resposta a temas que emergiram no debate público
O Monitoramento de PLs do ISER tem destacado ao longo dos dois anos da pesquisa que é um destaque na prática dos parlamentares apresentarem projetos em resposta a temas da conjuntura, especialmente os amplamente repercutidos na imprensa e nas mídias sociais. Em outubro de 2024, três PLs responderam à divulgação, no noticiário, de um relatório do Conselho Federal de Medicina (CFM), que tomou por base a quantidade de boletins de ocorrência (BOs) registrados nas delegacias da Polícia Civil nos estados brasileiros e do Distrito Federal entre 2013 e 2024, para denunciar a violência contra médicos no país enquanto trabalham. O estudo revela que o número de casos cresceu nos últimos anos, e atingiu recorde em 2023 com 3.981 registros. Em média, ocorrem nove casos diários em todo o país entre ameaça, injúria, desacato, lesão corporal e difamação os casos mais frequentes.
O PL 4002/2024 da deputada Dra. Mayra Pinheiro (PL/CE) dispõe sobre a inclusão do homicídio e das lesões corporais gravíssimas contra profissionais da saúde, no exercício da profissão ou em decorrência dela, no rol dos crimes hediondos.
O PL 4074/2024 do deputado católico Allan Garcês (PP/MA) altera a Lei dos Conselhos de Medicina (nº 3.268, de 30 de setembro de 1957), para incluir disposições sobre a proteção dos médicos que sofrerem ameaça, coação ou violência no exercício da profissão. Já o PL 4013/2024 de autoria do deputado evangélico Capitão Alberto Neto (PL/AM) dispõe sobre medidas de fortalecimento da segurança em unidades de saúde, para agravar as penas dos crimes cometidos nesses locais.
Outros temas de repercussão nacional resultaram em PLs, como por exemplo: conflitos entre torcedores em partida semifinal da Taça Libertadores da América de futebol, realizada no Rio de Janeiro, em novembro. O PL 4061/2024 do deputado católico Luiz Lima (PL/RJ) busca proibir o ingresso em território nacional de torcedores estrangeiros envolvidos em tumultos ou atos de violência no Brasil.
Também o episódio ocorrido em mesa redonda realizada em evento na Universidade Federal do Maranhão, em 17 de outubro (com apresentação de tema por uma pesquisadora de identidade trans com referência a partes do corpo e dança erótica), motivou o deputado cristão não determinado Nikolas Ferreira (PL/MG) a apresentar o PL 4216/2024 que busca alterar o Código Penal visando tornar como qualificados os crimes de ato obsceno e escrito ou objeto obsceno quando praticados em escolas e universidades públicas.
Dois PLs buscaram amplificar um tema que ocupou espaço nas mídias sociais e de notícias em outubro passado: a polêmica desinformativa sobre os chamados “Intervalos Bíblicos”, a partir de convocação de um debate pelo Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), obre práticas religiosas nas escolas estaduais do Recife. No conteúdo, órgãos ligados à educação discutiram críticas à permissão da realização de cultos evangélicos com estudantes nos intervalos de aula em escolas públicas. Foi com entrada neste debate que o PL 4134/2024, proposto pela Missionária Michele Collins (PP/PE), registra que o Estado assegure “a realização de ritos religiosos voluntários nas unidades de ensino públicas e privadas em todo o território nacional”. Já o PL 4232/2024, de autoria da deputada evangélica Clarissa Tércio (PP/PE), dispõe sobre a autorização da realização de intervalo religioso nas instituições de ensino públicas e privadas, e tipifica o ultraje e impedimento a sua realização como infração administrativa e dá outras providências.
Democracia em foco: processos eleitorais e defesa do Estado Democrático De Direito
Outubro foi marcado pelas eleições municipais realizadas em todo o território nacional, o que, como tema conjuntural, promoveu a produção de vários PLs que pautam o processo eleitoral. Em outra frente, o relatório final da Polícia Federal com os resultados da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, ocorrida após as eleições presidenciais de 2022, que culminou nos atos violentos do 8 de janeiro de 2023 em Brasília, foi tornado público no final de novembro de 2024. Foram 37 indiciados, incluído o ex-presidente da República Jair Bolsonaro e vários agentes do seu governo. A repercussão movimentou a produção de PLs relacionados ao tema na Câmara tanto para reforçar a punição a quem atentou contra a democracia quanto para promover a revogação de punições. A pesquisa destaca alguns projetos, alguns deles na contramão do processo democrático:
- O PL 4485/2024 de autoria do deputado católico Marcos Pollon (PL/MS) que dispõe sobre a revogação das punições e crimes atribuídos aos envolvidos nos eventos de 8 e 9 de janeiro de 2023, para “a preservação da ordem democrática, a paz pública e os direitos constitucionais fundamentais”;
- o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 188/2024 do deputado católico Rogério Correia (PT/MG) que visa alterar a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam proteger o Estado Democrático de Direito.
- O PL 4053/2024 do deputado católico Bacelar (PV/BA), que altera a Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072, de 25 de julho de 1990), para enquadrar nesta categoria os crimes contra o Estado Democrático de Direito. O mesmo deputado apresentou o PLP 174/2024, que altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, para impor uma “quarentena de 45 anos” para militares, policiais e membros das forças de segurança antes de se candidatarem a cargos político-eletivos, com o objetivo de assegurar a imparcialidade e a independência dessas categorias no processo eleitoral.
- O PL 4422/2024, de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Cabo Gilberto Silva (PL/PB), que propõe sanções aos institutos de pesquisa que divulgarem resultados incorretos próximos às eleições. O projeto visa aumentar a penalidades através de sanções que incluem a suspensão das atividades dos institutos de pesquisa infratores.
- O PL 4570/2024 de autoria do deputado evangélico José Medeiros (PL/MT), que busca proibir a realização e a divulgação de pesquisas de opinião pública, produzidas para conhecimento público, relativas às eleições ou aos candidatos.
- O PL 4079/2024 de autoria do deputado cristão Coronel Chrisóstomo (PL/RO), que dispõe sobre a obrigatoriedade da presença de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em comícios e eventos de natureza eleitoral.
Trabalho digno em pauta
Como resultado do Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que ganhou a cena pública em novembro de 2024, liderado pelo ex-balconista de farmácia Rick Azevedo, eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, a deputada federal de vinculação religiosa não identificada Erika Hilton (PSOL/SP) conseguiu 194 assinaturas para a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema do fim da escala 6×1. Esta escala é o regime no qual profissionais trabalham seis dias seguidos e têm direito a apenas um dia de descanso semanal. A proposta da deputada, alinhada às demandas do VAT, é de redução da carga de trabalho semanal para 36 horas, com jornada de trabalho de quatro dias por semana.
Entre os PLs levantados no monitoramento do ISER, dois dizem respeito ao trabalho digno:
o PL 4122/2024 do deputado de identidade cristã não determinada Albuquerque (REPUBLICANOS/RR), que acrescenta parágrafo ao art. 92 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre os efeitos da condenação pelo crime de redução a condição análoga à de escravo. A proposta visa acarretar ao funcionário público que pratique este crime, “de forma automática, a perda do cargo, mandato ou função pública e a interdição para seu exercício pelo prazo de 4 (quatro) anos.” Já o PL 3792/2024 da deputada evangélica Missionária Michele Collins (PP/PE), altera a Lei nº 14.821, de 16 de janeiro de 2024, que institui a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para a População em Situação de Rua (PNTC PopRua), a fim de instituir o Programa Nacional Busca Ativa.
Comunidades Terapêuticas
Como este monitoramento de PLs da Câmara vem identificando ao longo dos meses de pesquisa, o tema das comunidades terapêuticas tem sido uma prioridade entre parlamentares com identidade religiosa.
A deputada evangélica Missionária Michele Collins (PP/PE) é responsável por diversos projetos de lei específicos para temas como políticas de drogas, defesa da vida, apoio às Comunidades Terapêuticas e promoção do turismo religioso no Brasil. Juntamente com seu marido, o deputado estadual Pastor Cleiton Collins, ela organiza o grande evento “Culto do Monte” no Monte dos Guararapes, em Jaboatão dos Guararapes, que recebe apresentações de artistas populares da música gospel. Michele também é fundadora do programa de rádio “Bom Dia Vida” (Maranata FM), que já chegou a ser o programa com mais audiência das rádios de Pernambuco. O projeto faz parte do Ministério Recuperando Vidas com Jesus, criado em 1996, promovido pelo casal como um meio de levar a palavra de Deus e oferecer apoio às pessoas com dependência de drogas. Este monitoramento já registrou a influência da deputada no levantamento de setembro passado.
Durante os anos de 2023 e 2024, o deputado evangélico Eduardo da Fonte (PP/PE) direcionou uma quantidade significativa de suas emendas individuais para apoiar Comunidades Terapêuticas (CTs), instituições privadas, em sua maioria religiosas, que auxiliam na recuperação de dependentes de álcool e drogas. Estas CTs, como a Sociedade Assistencial Saravida, uma das maiores redes de Pernambuco fundada por Cleiton e Michele Collins, receberam um total de R$ 2,7 milhões. Tanto Michele Collins quanto Eduardo da Fonte têm sido defensores aguerridos das instituições, inclusive em suas mídias sociais, onde mencionam a importância das mesmas para proteção da família, das crianças e dos adolescentes e das mulheres na luta contra todos os tipos de vícios, seja em substâncias narcóticas e/ou entorpecentes ou jogos.
Em outubro de 2024, Michele Collins e Eduardo da Fonte apresentaram mais um projeto com o tema, o PL 4032/2024, em conjunto com Lula da Fonte (PP/PE), que dispõe sobre a criação e regulamentação do Estatuto da Comunidade Terapêutica. No mesmo mês, a deputada católica Renata Abreu (PODE/SP) apresentou o PL 3894/2024 que dispõe sobre a regulamentação das comunidades terapêuticas voltadas ao tratamento de dependentes químicos e estabelece normas para seu funcionamento, supervisão, fiscalização e responsabilidade.
Religião em destaque
Uma alteração da Lei Maria da Penha foi proposta no PL 4591/2024, do deputado Beto Richa (PSDB/PR), para incluir a violência espiritual como uma das formas de violência psicológica contra a mulher. O deputado justifica na medida em que se considera “que o desrespeito da crença religiosa deve ser considerado como uma forma de violência psicológica”, a alteração da redação da Lei Maria da Penha avança “no combate das diversas formas de violência contra a mulher, inclusive a violência espiritual”.
O projeto abre caminho para se processar judicialmente quem “impede a vítima de participar de práticas religiosas, force mulher a abandonar uma religião ou desvalorize a fé praticada por ela”. Segundo o parlamentar, “na medida em que a religião é algo que impregna o comportamento íntimo da pessoa humana, (…) é preciso mostrar claramente para os agressores que o desrespeito às crenças religiosas, nas suas diferentes dimensões, apresenta graves danos para a saúde emocional da mulher”.
Como citar
ROCHA, Carolina et al.. "Monitoramento de outubro e novembro levanta novos enfoques para os temas priorizados pelo ISER". Disponível em: . Acesso em: .