Repressão e punitivismo mais reação a política governamental de educação inclusiva marcam Projetos de Lei apresentados em outubro de 2025

Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Magali CunhaLaryssa OwsianyMatheus Cavalcanti Pestana

Por Magali Cunha, Laryssa Owsiany e Matheus Cavalcanti Pestana

  • 11 dez 2025
  • 12 min de leitura
Repressão e punitivismo mais reação a política governamental de educação inclusiva marcam Projetos de Lei apresentados em outubro de 2025
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O mês de outubro de 2025 foi marcado por uma das ações mais violentas praticadas pelo Estado. A megaoperação policial realizada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, sob o nome  “Contenção”, realizada na cidade do Rio de Janeiro, nos complexos do Alemão e da Penha, envolveu 2,5 mil agentes das forças policiais para cumprir 180 mandados de busca e apreensão e 100 mandados de prisão. 

O resultado dramático – mais de 120 mortos com visíveis sinais de execução –, quando noticiado e analisado, tornou evidente o caráter de chacina, reessaltado pelo fato de que nenhum dos que perderam a vida constava na lista de réus com mandados de prisão preventiva. Dentre os mortos, foram identificados indivíduos acusados de associação ao crime organizado, pessoas sem passagens pela polícia e quatro policiais, levantando debate público sobre as motivações políticas da operação letal levada a cabo pelo governador Claudio Castro (PL).

Na linha do que este Monitoramento de PLs da Câmara Federal pelo ISER tem levantado, temas conjunturais têm pautado uma ampla produção de proposições pelos parlamentares. Neste final de outubro o tema da segurança pública e do “combate ao crime” se tornou pauta destacada. 

Caracterizados como reações ao caso, dezenas de projetos “se concentraram em proposições de caminhos legais para ampliar e qualificar futuras ações policiais do mesmo tipo, aumentar o escopo e as possibilidades do trabalho dos agentes da segurança pública (polícias e Forças Armadas) e dilatar as punições para indivíduos vinculados ao crime organizado. Esses PLs direcionam-se a três caminhos que dizem respeito à segurança pública, ao combate ao crime organizado e às facções criminosas e à forma como a megaoperação deve ser representada e lembrada: punição, repressão e enquadramento narrativo”. Esta é avaliação da pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) e do Laboratório Universitário de Política, Direitos, Conflitos e Antropologia (LUPA) da Universidade Federal de Santa Catarina Jo P. Klinkerfus. 

Em artigo especialmente elaborado para a Plataforma Religião e Poder, Jo P. Klinkerfus analisa cada um destes pontos e conclui: “As proposições legislativas de aumento da punição e da repressão como formas de combate às facções evidenciam a força do conservadorismo jurídico, notadamente na defesa da eficácia da prevenção negativa. Amparados por uma Câmara de Deputados que defende uma expansão generalizada do poder policial, os PLs parecem indicar um possível novo reavivamento das políticas de “lei e ordem” para o próximo ano eleitoral”. 

Outro tema que mobilizou projetos legislativos dos deputados federais é o da educação inclusiva, na prática, uma reação a um decreto do governo federal que estabelece que a educação especial deve estar presente em todas as etapas e modalidades de ensino. Este e outros temas são também destaque do monitoramento do ISER neste outubro de 2025.

Reação a política governamental de educação inclusiva

Publicado em 21 de outubro de 2025, o Decreto nº 12.686 institui a Política e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. A política garante o acesso e o direito à educação a estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades. O decreto estabelece que a educação especial deve estar presente em todas as etapas e modalidades de ensino, a fim de assegurar a oferta de recursos e serviços de apoio que complementem o processo de aprendizagem de estudantes com necessidades especiais.

A nova política fundamenta-se na perspectiva da inclusão em classes e instituições de ensino regulares, mediante a provisão de suportes adequados que garantam a participação, a permanência e a aprendizagem de todos os estudantes. Nos princípios orientadores, destacam-se o direito universal à educação, a igualdade de oportunidades, a valorização da diversidade, o enfrentamento de práticas discriminatórias e capacitistas, bem como a garantia de condições de acessibilidade.

O decreto reforça a necessidade de cooperação federativa entre União, estados e municípios e determina que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) seja ofertado como atividade complementar ao processo de escolarização, preferencialmente no âmbito das escolas comuns. Ressalta-se que a matrícula no AEE não substitui a matrícula no ensino regular, podendo esse atendimento ocorrer, de forma suplementar, em centros especializados públicos ou conveniados.

O documento institui, ainda, o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), caracterizado como instrumento individualizado destinado a orientar o trabalho pedagógico, os recursos de acessibilidade e as ações de apoio ao estudante. A política também dispõe sobre diretrizes para a formação de professores e demais profissionais de apoio escolar, os quais deverão possuir qualificação específica na área da educação inclusiva. 

A Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva será constituída pela União, estados e municípios, com o propósito de ampliar a formação de profissionais, fortalecer serviços de apoio técnico, desenvolver materiais acessíveis e monitorar a implementação das ações de inclusão. O apoio financeiro federal será operacionalizado por meio de programas como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o Plano de Ações Articuladas (PAR), além da concessão de bolsas e outros recursos destinados à implementação da rede. A governança da política contará com uma estrutura nacional de coordenação e mecanismos de participação social, sob acompanhamento do Ministério da Educação (MEC) e de outros ministérios envolvidos.

Em checagem do Coletivo Bereia sobre o tema, foi verificado que a  publicação do decreto gerou ampla repercussão nas redes digitais, especialmente entre parlamentares e lideranças religiosas. O deputado federal evangélico Messias Donato (Republicanos-ES), publicou um vídeo e classificou a medida como “descabida e injusta”, e afirmou que o decreto ameaça o trabalho das instituições que prestam atendimento educacional especializado. Já o deputado federal, também evangélico, Nikolas Ferreira (PL-MG) se manifestou em vídeo, pelo qual cita que, “na prática, o decreto elimina a liberdade de escolha das famílias e enfraquece instituições que há décadas cuidam com excelência de quem mais precisa”.

As manifestações que afirmam que o Decreto nº 12.686/2025 acaba com as escolas ou centros especializados para pessoas com deficiência não são verdadeiras. O decreto não extingue instituições especializadas nem retira o direito das famílias de buscar atendimento complementar. A política mantém e regulamenta esses espaços de educação e garante que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) continue existindo como apoio complementar à escolarização em escolas comuns.

Estas divergências apareceram no monitoramento de projetos na Câmara em outubro passado. Foram identificados 41  Projetos de Decreto Legislativo (PDLs), todos com o objetivo de sustar  os efeitos do dos efeitos do Decreto nº 12.686, sendo a grande maioria, 28, de partidos da direita, dez do centro e três de partidos de esquerda. Os seguintes parlamentares apresentaram PDLs para sustar o Decreto do governo federal:

  • deputado cristão Delegado Palumbo (MDB/SP) 
  • deputado cristão Fausto Jr. (UNIÃO/AM) 
  • deputado católico Duarte Jr. (PSB/MA) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Amom Mandel (CIDADANIA/AM) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Paulo Litro (PSD/PR) 
  • deputado católico Antonio Andrade (REPUBLICANOS/TO)
  • deputada evangélica Clarissa Tércio (PP/PE) 
  • deputada cristã Daniela Reinehr (PL/SC)
  • deputado católico Dr. Frederico (PRD/MG) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Fred Costa (PRD/MG) 
  • deputada evangélica Nely Aquino (PODE/MG) 
  • deputado católico Luciano Ducci (PSB/PR) 
  • deputado evangélico Helio Lopes (PL/RJ) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Pompeo de Mattos (PDT/RS) 
  • deputado católico Beto Richa (PSDB/PR) 
  • deputada católica Rosana Valle  (PL/SP) 
  • deputado católico Evair Vieira de Melo (PP/ES) 
  • deputado cristão Geraldo Resende (PSDB/MS) 
  • deputada de identidade religiosa não identificada Marussa Boldrin (MDB/GO) 
  • deputado católico Hercílio Coelho Diniz – MDB/MG 
  • deputado evangélico Ismael (PSD/SC) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada Cabo Gilberto Silva ( PL/PB) 
  • deputado cristão Bibo Nunes (PL/RS) 
  • deputada evangélica Coronel Fernanda (PL/MT) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Afonso Hamm (PP/RS) 
  • deputado cristão Delegado Ramagem (PL/RJ) 
  • deputado evangélico Messias Donato (REPUBLICANOS/ES) 
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Pedro Lupion (REPUBLICANOS/PR) 
  • deputado cristão Rodolfo Nogueira (PL/MS) 
  • deputada católica Luisa Canziani (PSD/PR) 
  • deputado católico Eros Biondini (PL/MG) 
  • deputada cristã Carla Dickson (UNIÃO/RN) 
  • deputado evangélico Fausto Pinato (PP/SP) 
  • deputado católico Luiz Carlos Hauly (PODE/PR) 
  • deputado católico Cobalchini (MDB/SC) 
  • deputado católico Marcos Pollon (PL/MS) 
  • deputada católica Rosangela Moro (UNIÃO/SP)  
  • deputada católica Gisela Simona (UNIÃO/MT)
  • deputado de identidade religiosa não identificada, Marcio Alvino (PL/SP)
  • deputado católico Diego Garcia (REPUBLICANOS/PR) 
  • deputado  católico Hercílio Coelho Diniz (MDB/MG) 
  • deputada Rosângela Reis (PL/MG)

Controle ideológico da educação

Como este Monitoramento de PLs do ISER já apresentou, em forma de análise, na última década observa-se uma mudança significativa no modo como a agenda da educação vem sendo mobilizada em discursos e propostas identificadas com o extremismo de direita. Na coleção de boletins sobre os PLs monitorados desde 2023, o tema da educação, de fato, é uma pauta em evidência em proposições majoritariamente da direita política. Em outubro de 2025, dois PLs se destacam tendo por objetivo o controle ideológico da educação: 

  • o PL 4940/2025, proposto pelos deputados Marcel van Hattem, Luiz Lima, Gilson Marques, Adriana Ventura e Ricardo Salles (NOVO/RS), institui a Política Nacional de Combate à Intolerância Ideológica nas Instituições de Ensino Superior, dispondo sobre sanções administrativas e alterando diversas leis para majorar as penas de infrações penais motivados por intolerância política, filosófica ou ideológica.
  • o PL 5262/2025 do deputado evangélico Messias Donato (REPUBLICANOS/ES), altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para assegurar a educação moral e intelectual das crianças e adolescentes em consonância com os valores familiares e tradicionais da sociedade brasileira.

Outros temas propostos em PLs em outubro de 2025

Direitos Da Criança E Adolescente

O PL 5378/2025, de autoria do deputado de identidade cristã Rodolfo Nogueira (PL/MS), altera o art. 68 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para vedar a realização de visita íntima a adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação.

O PL 5109/2025 do deputado evangélico Marcelo Álvaro Antônio (PL/MG), institui a Lei Isabella Nardoni – Responsabilidade Comunitária, cria o Protocolo Isabela Nardoni de Proteção à Criança e ao Adolescente na Vizinhança, estabelece obrigações para condomínios, profissionais de condomínios e residências, e lideranças comunitárias, dispõe sobre campanhas de conscientização, e dá outras providências.

O PL 4880/2025 de autoria do deputado de identidde religiosa não identificada, Zé Haroldo Cathedral (PSD/RR),altera a Lei nº 15.211, de 17 de setembro de 2025, para estabelecer padrões técnicos específicos de detecção de material de abuso sexual infantil e aprimorar mecanismos de transparência (MASI).

Família

O PL 5072/2025, de autoria da deputada cristã Julia Zanatta (PL/SC), dispõe sobre o reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva, e estabelece condições para a sua constituição voluntária.

O PL 5528/2025, do deputado evangélico Marcos Tavares (PDT/RJ), reconhece o vínculo de filiação socioafetiva e assegura ao padrasto e à madrasta o direito de requerer judicialmente o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, com os mesmos efeitos legais da filiação biológica, sem necessidade de exclusão do nome do pai ou mãe biológicos, e dá outras providências.

O PL 5416/2025, da deputada Erika Hilton (PSOL/SP), cuja identidade religiosa não foi identificada, dispõe sobre o direito à Licença-Maternidade, em casos de reconhecida parentalidade exercida por duas mulheres, gestantes e não gestantes; altera o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 — CLT, e as Leis n° 14.457, de 21 de setembro de 2022, 11.770, de 9 de setembro de 2008.

Segurança pública

O PL 5575/2025, de autoria do deputado evangélico Marcos Tavares (PDT/RJ), institui o Selo Nacional “Comunidade Segura”, destinado a condomínios residenciais e comerciais, associações de moradores, instituições empresariais, agências bancárias e demais pessoas jurídicas que aderirem, de forma voluntária, ao compartilhamento de imagens de seus sistemas de videomonitoramento com os órgãos de segurança pública, e dá outras providências

Religião

O PL 5212/2025, de autoria do deputado evangélico Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ), altera a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, para vedar a participação ou a vinculação de imagem de entidades e líderes espirituais ou religiosos, bem como o uso da fé, do credo ou da religião, com o objetivo de obter vantagem financeira ou material por meio de instituições financeiras, instituidores de arranjos de pagamento e instituições de pagamento, inclusive fintechs.

O PL 4972/2025, do deputado Pastor Diniz (UNIÃO/RR), dispõe sobre a interpretação da legislação vigente sobre liberdade religiosa e sobre as relações entre religião e Estado nos marcos da laicidade colaborativa prevista no art. 19, I, da Constituição Federal.

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