Todos os projetos de lei monitorados podem ser encontrados aqui.

O monitoramento do terceiro mês do ano legislativo de 2024, abril, listou muitos Projetos de Lei (PLs) na Câmara Federal, enquadrados nos critérios definidos para este projeto pelo ISER. Importa registrar que, nesta frente de pesquisa, o ISER dedica atenção às proposições parlamentares que podem desencadear conflitos, disputas e construir narrativas sobre questões que tangenciam valores, comunidades ou entidades religiosas. 

O levantamento de abril de 2024 se soma, portanto, aos outros, desenvolvidos desde 2023. Ganha destaque, mais uma vez, a apresentação de proposições relacionadas a pautas que emergem conjunturalmente, de grande repercussão no noticiário nacional e/ou por debates em mídias sociais. 

Entre estes projetos chamam a atenção os que emergiram de três casos amplamente divulgados na cena pública: (1) O popularmente denominado “Tio Paulo”, ocorrido na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 16 de abril passado. Uma mulher foi denunciada por ter levado o cadáver do tio Paulo Roberto Braga, motorista de ônibus, de 68 anos, a uma agência do Banco Itaú, na intenção de retirar um empréstimo de 17 mil reais, aprovado em nome de Braga, desde dia 25 de março; (2) O chamado “Caso Joca”, cachorro de cinco anos, da raça golden retriever, com 47 kg, que morreu, em 22 de abril,  em decorrência de falhas no transporte aéreo pela, empresa Gollog, da companhia Gol, contratada pelo tutor; (3) a morte de um adolescente de 13 anos, Carlos Teixeira,  em decorrência de bullying com violência física, em escola na cidade de Praia Grande (SP), em 18 de abril.

Outro destaque no levantamento, que demandou reflexão da equipe, foram os PLs que criminalizam movimentos sociais por terra e moradia e ampliam a Lei Antiterrorismo.  

  1. PLs motivados por casos da conjuntura

Bullying em ambiente escolar

O deputado de identidade cristã Gilvan Maximo (Republicanos /DF) é autor do PL 1667/2024,  que cria o Protocolo “Bullying não é brincadeira”,  que propõe mecanismos de acolhimento da criança e do adolescente vítima de bullying, violência psicológica, moral e cibernética no ambiente escolar.

Já o  PL 1445/2024, de autoria da deputada evangélica Antônia Lúcia (Republicanos/AC) dispõe sobre a adoção de protocolo pelas instituições de ensino, públicas e privadas, em casos de preconceito, intolerância, injúria, bullying ou discriminação racial.

Defesa de idosos, contra o abuso de incapaz

O deputado católico Adail Filho (Republicanos/AM) apresentou o  PL 1332/2024, que altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) para instituir a Lei de Abuso da Biometria e prever aumento de pena para uso de cadáver para estelionato.

O  deputado evangélico David Soares (União/SP) é autor de dois PLs no tema: (1) o  PL 1449/2024, que institui a Campanha Nacional de Conscientização sobre o Combate ao Abandono de Idosos, “Campanha Idosos Órfãos de Filhos Vivos”, indicada para o mês de outubro; (2) o PL 1448/2024, que altera a Lei nº 1.046 de 1950 e a Lei nº 10.820 de 2003, para determinar que as autorizações para desconto de prestação de empréstimo em folha sejam feitas de forma presencial e por escrito no caso de contratantes maiores de 60 anos.

O PL 1055/2024,  de autoria da deputada evangélica Rogéria Santos (Republicanos/BA), altera o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003), para impor a “perda da função de membro do conselho nacional e dos conselhos estaduais e municipais da Pessoa Idosa em decorrência de irregularidade cometida.”

O PL 1198/2024, de autoria do deputado cristão Cleber Verde (MDB/MA), altera os arts. 1º e 7º do  Estatuto da Pessoa Idosa para: “que os conselhos nacional, estaduais, do Distrito Federal e municipais da pessoa idosa [possam] investigar os casos de abuso ou negligência e oferecer orientação para garantir que os direitos dos idosos sejam respeitados, na forma de regulamentação do Poder Executivo respectivo”. 

O deputado católico Florentino Neto (PT/ PI) é autor do PL 1488/2024, que altera o Estatuto da Pessoa Idosa para acrescentar dispositivo de obrigação de certidão de antecedentes criminais pelos profissionais envolvidos no atendimento da pessoa idosa.

Lei JOCA

Novos Projetos de Lei voltados para os direitos dos animais apareceram em maior número, em abril, em comparação aos outros temas, por conta do Caso Joca. A equipe do monitoramento do ISER já vem observando um destaque para a pauta dos direitos de animais, em especial os domésticos, desde a campanha eleitoral de 2022, o que se reflete em proposições de eleitos para a Câmara Federal. Esta ênfase na pesquisa foi tratada no texto “Animais no Direito: transformações morais e marcos regulatórios”, da pesquisadora Ana Paula Perrota. 

Os PLs 1509/2024, do deputado evangélico Capitão Alden (PL/BA);  1493/2024, do deputado católico Mauricio Neves (PP/ SP); 1492/2024, da deputada católica Ana Paula Lima (PT/SC);  1480/2024. do deputado de identidade cristã Fábio Macedo (PODE/MA);  1477/2024, do deputado de identidade cristã Gilvan Maximo (Republicanos/DF); 1475/2024, do deputado de identidade cristã Alexandre Guimarães (MDB/TO); 1470/2024, do deputado de identidade cristã Julio Cesar Ribeiro (Republicanos/DF) , todos visam à criação de legislação específica, com algumas variações de detalhamentos, a Lei Cão Joca, para regular o transporte e o cuidado com animais vivos em veículos terrestres, aéreos e marítimos. 

Outros parlamentares propuseram alterações para leis já existentes. O deputado anglicano Kim Kataguiri (União/SP) é autor do 1479/2024,  que altera o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986), para dispor sobre o transporte de animais domésticos pelas companhias aéreas, entre outras providências. O deputado católico Alberto Fraga (PL/DF) é autor do PL 1501/2024, que também visa   alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica, para dispor sobre o contrato de transporte aéreo de animais de estimação, a ser disciplinado em política nacional e oferecer conteúdo sobre as condições de segurança vital para os animais, as exigências sanitárias, as hipóteses de transporte de animais na cabine, a vedação de tratamento desses animais como carga, ainda que não transportados na cabine, e as formas de rastreabilidade no caso de animais sem presença de tutor, entre outras providências.

A deputada de identidade cristã Rosângela Reis (PL/MG) é autora do PL 1478/2024, que  altera o Art. 32 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aplicar sanções às empresas de aviação por maus tratos aos animais. O PL 1411/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Cabo Gilberto Silva (PL/PB), altera o art. 136 do Código Penal (Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), para aumentar a pena para  o crime de maus-tratos a animais. 

  1. A criminalização de movimentos sociais por direitos humanos

Desde o início do projeto de monitoramento dos PLs, pelo ISER, em 2023, foram identificadas 33 propostas que buscam criminalizar movimentos sociais ligados às causas de reforma agrária, da reforma urbana, do direito à moradia e da demarcação de terras indígenas e quilombolas.

O deputado católico Evair Vieira de Melo (PP/ES) é autor do PL 1473/2024, que altera a Lei n° 11.947, de 16 de junho de 2009, para, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), proibir a aquisição de gêneros alimentícios de pessoas físicas e jurídicas envolvidas, direta ou indiretamente, em invasão ou esbulho de imóvel urbano ou rural de domínio público ou privado.  Já em maio de 2024, a Câmara Federal aprovou o PL 709/2023, de autoria do também católico deputado Marcos Pollon. Este, originalmente, tratava apenas da retirada de benefícios para quem promovesse ocupação de terras, mas uma emenda apresentada pelo deputado Evair Vieira de Mello (PP-ES), acolhida pelo relator da proposta e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), ampliou o escopo.

O PL aprovado incluiu a punição a pessoas jurídicas que estejam envolvidas em ocupações. A proposta incluiu que empresas, associações ou cooperativas ligadas a ocupações de terra não possam mais ter acesso a recursos ou a benefícios dos governos federal, estadual ou municipal. Esta medida impacta desde o acesso ao crédito rural e demais benefícios previstos no Plano Safra, até contratações diretas ou convênios para realização de eventos ou capacitações direcionadas aos seus integrantes.Um exemplo: se for comprovado o envolvimento de uma cooperativa em uma ocupação de terra, ela não poderá mais vender seus produtos para programas do governo, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A aprovação foi celebrada em espaços da direita política. 

O deputado Evair de Melo, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, já recebeu doação de campanha de fazendeiros ligados a invasões de terras indígenas, segundo dossiê do Observatório do Agronegócio. O parlamentar também integrou a CPI do MST, em 2023, encerrada como fracassada em seus objetivos. Na ocasião, a deputada católica Caroline de Toni (PL/SC) apresentou um projeto para incluir o crime de esbulho possessório (juridicamente, um tipo de “lesão possessória”, ocorrida quando alguém perde a posse de um bem sem consentimento) entre os atos de terrorismo

Novas tipificações na Lei Antiterrorissmo (Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016), também estiveram em pauta em abril passado,  por meio do deputado evangélico Lincoln Portela (PL/MG),  autor do PL 1090/2024. O  texto altera o § 1º do art. 2º da Lei,, para tipificar como terrorismo os crimes de violência praticados contra sedes de partido políticos, gabinetes e escritórios parlamentares e comitês de campanha eleitoral.

A equipe do projeto de monitoramento avalia que estas ações são uma clara tentativa de enfraquecer e desmoralizar as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST), de lideranças indígenas e quilombolas e garantir propriedade a garimpeiros, grileiros e latifundiários.

Laryssa Owsiany é antropóloga, doutoranda em Ciências Sociais (PPGCS / UFRRJ) e pesquisadora no ISER.

Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Pesquisadora do ISER.

Elena Wesley é jornalista, com graduação em Comunicação Social (UFF) e pós-graduada em Comunicação Integrada, Digital e Gestão Estratégica de Conteúdo.