Câmara Federal fecha 2024 com PLs que enfatizam meio ambiente, segurança pública, educação, direitos da mulher e regulação das mídias

Foto: 7ª Caminhada pela Liberdade Religiosa da Zona Oeste RJ | Créditos: Frederico de Assis

Magali CunhaLaryssa OwsianyMatheus Cavalcanti Pestana

Por Magali Cunha, Laryssa Owsiany e Matheus Cavalcanti Pestana

  • 01 fev 2025
  • 14 min de leitura
Câmara Federal fecha 2024 com PLs que enfatizam meio ambiente, segurança pública, educação, direitos da mulher e regulação das mídias
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Desde 2023, a área de Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião (ISER), realiza um monitoramento de Projetos de Lei (PLs) da Câmara Federal em busca de proposições consideradas de particular interesse para a organização. A metodologia orienta uma seleção de projetos que atuem para desencadear conflitos, disputas e construir narrativas sobre questões que tangenciam valores, comunidades ou entidades religiosas. 

A cada mês, desde então, a equipe do ISER oferece um boletim com uma abordagem descritivo-analítica dos PLs levantados, agrupados em categorias que tornam possível a classificação e o exame dos textos.  O detalhamento da metodologia e a lista dos boletins publicados podem ser encontrados aqui No último mês do ano legislativo de 2024, detectou 150 proposições parlamentares 

Em dezembro de 2024, último mês deste ano legislativo, foram 150 PLs detectados pelo monitoramento. Entre os temas que se destacaram na lista levantada, meio ambiente e questões climáticas tem o maior número de proposições (26), seguido de crimes e segurança pública (17), Educação (16), Direitos da Mulher (13), Regulação das Mídias (11). Em meio aos temas menos tratados nas proposições dos parlamentares no período, a equipe do ISER destaca Religião (06) e Imigração (03), por conta do teor de pautas defendidas nestas categorias metodológicas, como poderá ser observado a seguir. 

Meio Ambiente e questões climáticas: pauta da conjuntura

Desde 2023, o monitoramento do ISER identifica uma intensa apresentação de proposições relacionadas a pautas que emergem conjunturalmente, de grande repercussão no noticiário nacional e/ou por debates em mídias sociais. O caso da destruição ambiental pelas queimadas está neste grupo, por conta da repercussão pública do alto número de incêndios em áreas verdes no país em novembro de 2024. 

Segundo o projeto MapBiomas, os números de novembro refletem uma diminuição da estação das queimadas no Brasil, porém em patamares mais altos que em 2023. Embora tenha havido uma queda em relação aos 5,2 milhões de hectares queimados em outubro, a área afetada pelo fogo em novembro foi 70% maior em relação à média para esse mês nos últimos seis anos. Os 2,2 milhões de hectares queimados em novembro representam uma área equivalente ao estado de Sergipe e correspondem a 7,4% de toda a área queimada no Brasil de janeiro a novembro de 2024. 

Quase dois terços (64%) da área queimada em novembro de 2024 foi de vegetação nativa – a maioria em florestas (40% da área queimada no mês). Novamente as pastagens se destacam entre as áreas de uso agropecuário, com 32,7% da área queimada em novembro de 2024.

A Amazônia representa 81% do total queimado no mês e os três municípios que mais queimaram no Brasil em novembro de 2024 ficam no Pará.

Foram apresentados 26 PLs tanto de parlamentares identificados com a direita quanto com a esquerda. São variadas proposições, com destaque para isenção fiscal e outros benefícios a municípios com projetos de reflorestamento (caso do PL 233/2024, do deputado cristão não determinado Max Lemos (PDT/RJ), e a preocupação com “turismo e meio ambiente”. Neste último quesito, destacam-se os PLs 4946/2024, de autoria do deputado católico Clodoaldo Magalhães (PV/PE) que institui a Política de Ecoturismo Sustentável, e 4706/2024, do deputado Cabo Gilberto Silva (PL/PB), de confessionalidade não identificada, que cria a Política Nacional de Fomento ao Turismo Local, com incentivos financeiros, fiscais e técnicos para o desenvolvimento sustentável de destinos turísticos em pequenas cidades e comunidades.

Crimes e segurança pública: mais punições ao crime de estupro seguem em pauta 

A maioria dos 17 projetos apresentados neste tema é de autoria de parlamentares alinhados à direita e à extrema direita, boa parte  deles integrante da “Bancada da Segurança Pública”, com identidades militar e policial expostas nos nomes de urna com os quais foram eleitos (entre eles cabo, sargento, coronel, capitão, delegado). 

O deputado Cabo Gilberto Silva (PL/PB), de confessionalidade não identificada, foi o autor da maior parte dos projetos nesta categoria em dezembro de 2024, com seis PLs apresentados. Entre estes, a equipe do monitoramento destaca o de número  4754/2024, que altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), para que haja a perda automática de cargo, função pública ou mandato eletivo em caso de condenação por estupro de vulnerável. 

Desde junho de 2024, o monitoramento identificou um alto número de PLs relacionados a punições para a prática de estupro, de autoria de parlamentares da direita e da extrema direita. Aquele mês foi marcado por manifestações populares, de rua e de grande ocupação nas mídias sociais, contra PL 1904/2024, protocolado no mês anterior, maio, pelo bloco parlamentar da extrema direita, defensora da retirada do direito ao aborto legal, inclusive nos casos de estupro, o que é previsto em lei desde 1940. Proposições decorrentes dos debates se configuraram como uma resposta pró e contra o PL 1904. Parlamentares da extrema direita articularam projetos para minimizar a imagem de que são “defensores de estupradores”. Durante o segundo semestre de 2024, o monitoramento do ISER levantou novos projetos com este teor, como é o caso deste do Cabo Gilberto Silva.

Educação: o uso político-ideológico da extrema direita

Educação tem sido observada neste monitoramento de PLs produzido pelo ISER como um dos temas com maior número de proposições, desde 2023. Os textos são voltados para as mais diversas pautas: inserção de temas como administração financeira e direito nos currículos da educação básica, bem como educação midiática e digital; garantia de direitos a professores e estudantes do ensino público em geral e a estudantes com deficiência e outras necessidades especiais; Programa Nacional do Livro e do Material Didático; enfrentamento da violência nas escolas; estágio, educação ambiental, esportes, instalação de ar condicionado e outros equipamentos, entre outros.

Nos dois anos da atual legislatura é observado que uma extensa lista de projetos nesta categoria respondem a pautas defendidas insistentemente por lideranças da extrema direita, expostas em campanhas eleitorais e em publicações em mídias digitais. Entre estes, alguns estão relacionados a uma prática também observada neste projeto de monitoramento, que é apresentação de Projetos de Decreto Legislativo com a finalidade de sustar resoluções de conselhos nacionais de direitos.  

É neste sentido que entre os PLs apresentados em dezembro de 2024, destaca-se o de número 4771/2024, do deputado Cabo Gilberto Silva (PL/PB), de confessionalidade não identificada, que propõe a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), para incluir, nos currículos do ensino fundamental e médio, o ensino sobre os males do socialismo e comunismo.

A análise da pesquisadora Andréa Silveira de Souza em torno do processo eleitoral municipal de 2024, oferece importantes elementos para consideração sobre este uso das pautas da educação no País no fazer político ultraconservador e extremista de direita.

Direitos da Mulher: autodefesa contra a violência 

Foram 13 os PLs apresentados em dezembro de 2024 que abordam os direitos da mulher, uma temática frequentemente relacionada a violências de gênero, tais como violência doméstica e abuso sexual.  Seguindo uma tendência já observada nas análises deste projeto de monitoramento, os PLs foram majoritariamente propostos por deputados vinculados a partidos de centro e de direita. 

Nesse período da pesquisa destaca-se um conjunto de projetos, de diferentes autores, que propõem comercialização, aquisição, posse e porte de sprays de pimenta (gás oleorresina capsicum) e armas de incapacitação neuromuscular (eletrochoque) para defesa pessoal de mulheres maiores de 18 anos. Foram cinco proposições nesta pauta, cerca de 40% dos projetos apresentados nesta categoria: o PL 4797/2024, do deputado católico Rafael Prudente (MDB/DF); o PL 4712/2024, do deputado evangélico Marcelo Álvaro Antônio (PL/MG), também autor do PL 4711/2024, na mesma direção; o PL 4708/2024, da deputada cristã Silvye Alves (UNIÃO/GO); e o PL 4814/2024, da deputada evangélica Nely Aquino (PODE/MG). 

Pode-se considerar que a ampla repercussão em mídias de notícias de projeto aprovado na Câmara Legislativa do Distrito Federal, no início de dezembro de 2024, tenha estimulado deputados federais a proposições com o mesmo teor. Trata-se do PL do DF nº 945/2024, de autoria do deputado distrital João Hermeto de Oliveira (MDB), com um programa de defesa pessoal para mulheres, que autoriza o uso de dispositivos de defesa não letais como armas de eletrochoque e spray de pimenta para mulheres maiores de 18 anos. Mulheres acima de 16 anos também poderão portar o spray, mediante autorização dos responsáveis legais. 

Regulação das mídias: a falácia da defesa da liberdade de expressão

A regulação das mídias tradicionais e digitais tem sido um tópico importante de debate nesta legislatura, intensificado com o encaminhamento do PL 2630/2020, aprovado no Senado em 2022, enviado à Câmara Federal em 2023, que busca estabelecer a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.  Houve um  lobby eficaz das big techs, que rechaçam qualquer tipo de regulação, ao lado das ações do bloco parlamentar vinculado à extrema direita que usa o discurso de “liberdade de expressão” e “enfrentamento da censura”, para garantir livre espaço nas plataformas digitais para discursos extremistas desinformativos e de ódio como estratégia política. O PL 2630/2020 foi arquivado e estabelecida uma comissão para reiniciar as discussões sobre o tema na Câmara Federal.

Nesta direção, mantendo viva a pauta de “defesa da liberdade de expressão”, foi apresentado o PL 4691/2024 de autoria dupla, do deputado evangélico Silas Câmara (Republicanos/AM) e da deputada de identidade cristã não determinada Dani Cunha (União/RJ), para criar a Lei de Proteção às Liberdades Constitucionais e Direitos Fundamentais, nas plataformas, serviços e mercados digitais na Internet, “estabelecendo diretrizes para o efetivo exercício desse direito”. Entre os princípios dessa lei estão a liberdade de expressão, vedado o anonimato, a liberdade de imprensa e a vedação à censura no ambiente online; o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, assegurado o direito à exposição e defesa plena dos seus dogmas e livros sagrados. Há também previsão do livre exercício da atividade econômica na internet, a organização e o funcionamento das plataformas, serviços e mercados digitais na internet.

Outro elemento de destaque nesta categoria, no ano de 2024, que aparece com ênfase nas proposições de dezembro, está relacionado ao crescimento vertiginoso dos jogos de apostas, principalmente online, tais como as Bets (apostas esportivas), o Jogo do Tigrinho, dentre outros, que têm receitas bilionárias no mundo todo e têm gerado um crescente endividamento da população, como tratado em boletim anterior deste monitoramento. 

Somando-se aos vários PLs já apresentados em meses anteriores estão o 4910/2024 do deputado de identidade cristã não determinada Eduardo Bolsonaro (PL/SP), que busca regular a promoção de apostas online e cassinos por influenciadores digitais, equiparando-os a agentes autônomos de investimento, estabelecendo a necessidade de certificação específica, penalidades e tipificação de crimes.  Também o PL 4801/2024 do deputado Rafael Brito (MDB/AL), de confessionalidade não identificada, do partido MDB/AL, altera a Lei das Apostas de Quota Fixa (Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023), vedando a publicidade e a propaganda de loterias de apostas de quota fixa direcionada para crianças e adolescentes nos meios de comunicação social e em artigos infantis. 

Em outra direção, tendo em mira os espaços digitais de coleta de fundos, popularmente conhecidos como “vaquinhas digitais”, está o PL 4769/2024 do deputado de identidade cristã não determinada Juninho do Pneu (UNIÃO/RJ). O texto visa à responsabilização do crime de manipulação e desvios de recursos arrecadados através de coleta coletiva “vaquinhas digitais”.

Intolerância religiosa sob dois vieses distintos

Entre os seis projetos apresentados em dezembro de 2024 que enfatizam temáticas relacionadas a religião, especificamente, chamam a atenção um projeto que sugere intolerância religiosa e outro que busca enfrentá-la com punições mais severas.

O primeiro é o PL 467/2024, de autoria do deputado evangélico Gilberto Abramo (Republicanos/MG) que propõe a sustação do inciso I, do art. 13 da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana (Decreto n° 12.278, de 2024). Em postura que sugere intolerância religiosa, por conta da não contestação prévia a várias propostas parlamentares que beneficiam igrejas e grupos de identidade cristã com recursos públicos (como no caso das Comunidades Terapêuticas, entre outros), Gilberto Abramo se opõe ao custeio obrigatório das ações da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana pela União, o que consta no texto do decreto governamental. 

O autor alega que não estão especificados “limites claros nem critérios para priorização desses recursos dentro do orçamento público”, o que “pode gerar interpretações que conflitam com o planejamento orçamentário e financeiro do país”. O deputado defende que a suspensão do inciso “não inviabiliza a execução da política, mas visa assegurar maior conformidade com os marcos constitucionais e orçamentários vigentes”.  A justificativa é que inserir gastos com a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana no orçamento da União, “atenta contra os princípios fixados na nossa Constituição” pois extrapola as competências do Poder Executivo no encaminhamento de itens orçamentários.

Também se destaca entre os PLs apresentados referentes à categoria “Religião”, o de núimero 4647/2024 do deputado cristão Gilvan Maximo (Republicanos/DF) que altera dispositivos do Código Penal para tornar mais severa a punição a quem comete crimes de roubo e/ou ataques a templos religiosos. O texto enfatiza que nestes casos ocorrem ao mesmo tempo crimes contra o patrimônio e contra o sentimento religioso, o que justifica a instituição de “penas mais graves, e alargar a abrangência das normas punitivas, tipificando uma distinção privilegiada, taxativa, entre a ofensa ao patrimônio das organizações religiosas”.

Imigração: um tema que se intensifica

Pautas relacionadas a imigração têm sido cada vez mais objeto de Projetos de Lei na Câmara Federal. É possível inferir que a partir das políticas estabelecidas pelo atual governo dos Estados Unidos para deportação de imigrantes considerados ilegais, e a consequente repatriação de dezenas de brasileiros nos primeiros dias de 2025,  com a controvérsia da violação de direitos humanos desses cidadãos neste processo, novas proposições emergirão no novo ano legislativo. 

Em dezembro, o monitoramento do ISER destaca três projetos.: o PL 237/2024 de autoria do deputado evangélico Marcelo Crivella (Republicanos/RJ), que busca alterar o Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) para dispor sobre o cômputo de coeficiente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para incluir na população considerada, aquela referente a migração temporária e recorrente.  A finalidade é que a população flutuante seja considerada parte da população local na repercussão na partilha do FPM.

Já o PL 4978/2024, de autoria do deputado evangélico David Soares (União/SP), de cunho restritivo, propõe a inclusão de um novo parágrafo e alíneas ao art. 30 da Lei de  Migração (Lei nº 13.445 de 2017), para incluir obrigação de que imigrantes comprovem matrícula ativa e frequência regular por, no mínimo, cinco anos consecutivos em instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação do Brasil e proficiência em língua portuguesa, atestada por certificação emitida por órgão brasileiro competente.Em outra direção, o PL 4831/2024, de autoria do deputado cristão Max Lemos (PDT/RJ), com preocupação inclusiva, institui a Política Nacional de Apoio a Refugiados e Imigrantes Vulneráveis, com o estabelecimento de medidas para a integração social, econômica e cultural no Brasil.

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