Para além da indiferença e do negacionismo: pentecostais na COP30 e a questão ambiental no Brasil

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Priscilla Cagnoni Garcia

Por Priscilla Cagnoni Garcia

  • 04 dez 2025
  • 12 min de leitura
Para além da indiferença e do negacionismo: pentecostais na COP30 e a questão ambiental no Brasil
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O Brasil acaba de sediar a COP30. Por duas semanas, Belém, símbolo histórico do pentecostalismo brasileiro,  tornou-se o palco principal das discussões sobre a iminente catástrofe climática. Enquanto delegações discursavam e ritualizavam o sentimento global de alarme diante da crise ambiental, em um país onde cerca de um quarto da população se identifica como evangélica, as igrejas pentecostais se mantiveram visivelmente distantes desses debates. Suas vozes não ecoaram pelos corredores da COP30. Estavam em outro lugar.

É tentador, e um tanto reducionista, interpretar essa ausência como indiferença. Seria ainda mais fácil atribuir tal comportamento ao negacionismo climático, por analogia com a chamada “direita cristã norte-americana” e sua atual posição sobre a crise ambiental. Mas o Brasil raramente nos oferece a satisfação de analogias simples. Os pentecostais brasileiros, embora compartilhem certas posições teológicas e sensibilidades políticas com a “direita cristã norte-americana”, não rejeitam o fato de que estamos diante de uma crise climática. Pelo contrário: muitas vezes falam sobre o colapso ambiental com uma clareza moral que impressionaria muitos ativistas. Eles não negam o colapso climático: o interpretam moralmente

Nesse modelo, a humanidade é responsável pelo estado atual das coisas por meio da negligência, da ganância, do pecado e da incapacidade de cuidar do mundo confiado a ela por Deus. Essa crença não é marginal nem nova. Foi um discurso recorrente que ouvi durante meu trabalho de campo entre os pentecostais da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), uma das igrejas pentecostais mais vibrantes e politicamente ativas do país. Essa mesma percepção aparece nos trabalhos recentes do sociólogo Renan William dos Santos, que estuda o posicionamento de grupos cristãos sobre a questão climática no Brasil. 

Durante meus 18 meses de trabalho de campo, testemunhei os esforços da ADVEC para se tornar mais engajada em discussões e ações relacionadas ao meio ambiente. Em uma dessas iniciativas, a igreja renomeou seu “Departamento de Assistência Social” para “Departamento Socioambiental”, na esperança de educar membros da igreja e moradores da região da Penha, no Rio de Janeiro, sobre a importância de “preservar o meio ambiente e cuidar das pessoas”. A igreja passou a oferecer oficinas dedicadas à heróica tarefa de transformar lixo e materiais descartáveis em objetos decorativos. Eram caixotes, painéis de madeira, pneus transformados. Alguns desses objetos eram utilizados em eventos especiais da própria igreja. Esses gestos são modestos, quase frágeis. Ainda assim, constituem uma declaração concreta, vivida no corpo e na prática, de que pentecostais também se importam com o meio ambiente e, dentro das paredes do templo, se engajam, mesmo que de forma tímida.

Mobilização como distinção

Na nossa tendência ao pensamento linear de causa e efeito, muitas vezes somos levados a justapor convicção e ação. Confundimos responsabilidade com remédio. Causa com mobilização. E nos surpreende, portanto, que uma sensibilidade moral tão elaborada acerca da crise ambiental não se traduza em alguma forma de ativismo ou, ao menos, em algum engajamento público ou político, de forma mais ampla e mais vocal. Pentecostais não associam seu nome a coalizões ambientais. Não tratam o clima como um assunto de mobilização política. Ao contrário de outras questões, seu cuidado não ultrapassa a fronteira do ativismo. Por quê? 

A resposta mais intuitiva, de que os pentecostais são politicamente conservadores, é insuficiente aqui. O conservadorismo não explica plenamente por que uma comunidade que concebe a destruição ambiental como um fracasso humano se recusa a agir coletivamente para enfrentá-la. Tampouco apenas a desconfiança em relação a movimentos progressistas explica completamente tal retração, embora isso seja uma parte importante do processo. O ponto é, ao mesmo tempo, mais simples e mais intrigante: pentecostais não se mobilizam em torno de questões que não os distinguem coletivamente.

A crise ambiental pertence a todos. No Brasil, a consciência da devastação climática não divide a população; ela a une sob a ideia de que a humanidade é culpada pelo colapso ambiental. Conforme mostra uma pesquisa recente realizada por pesquisadores da FGV, embora a noção de que a humanidade é responsável pela degradação ambiental seja praticamente um consenso nacional, a percepção da magnitude e do impacto da crise climática apresenta polarização. 

Os pesquisadores observaram que pessoas que tendem a adotar uma visão mais negacionista quanto à gravidade da crise abraçam, em sua maioria, uma perspectiva mais individualista da vida e das soluções para o colapso ambiental, independentemente do espectro político-ideológico em que se enquadram. Os pentecostais, então, não ocupam posição especial aqui. Seu diagnóstico e seu sentimento são amplamente compartilhados em âmbito nacional no que tange às causas das mudanças climáticas e às posições sobre como a crise deve ser enfrentada. 

Um ativismo peculiar

Como observei no campo, tais posições apresentam diferenças de cunho geracional e de localização dentro da hierarquia da igreja: membros mais influentes na estrutura eclesiástica e acima dos 40 anos geralmente discordam que o ativismo ambiental seja uma pauta cristã importante e tendem a minimizar o impacto da crise, enquanto os mais jovens (entre 20 e 30 anos) se colocam de maneira oposta. 

Como a população brasileira, os pentecostais também estão fragmentados em sua visão sobre a gravidade do problema e sobre como solucioná-lo. E, porque tal visão não os diferencia na esfera social de larga escala, ela não alimenta aquilo que é essencial para a ação pública pentecostal: sua identidade coletiva, seu senso de “grupo distinto”, de “povo de Deus”. Não há nada particularmente cristão ou pentecostal em defender o meio ambiente no Brasil ou em atribuir a crise climática à nociva atividade humana. 

Ao contrário, tal posicionamento emerge de um modo de pensar que combina uma concordância coletiva sobre as causas com perspectivas profundamente individualizadas e discordantes sobre as soluções; um padrão essencialmente brasileiro. Ao refletir esse padrão, o ativismo ambiental para os pentecostais é automaticamente deslocado para fora da lista dos “deveres públicos do povo de Deus”, convertendo-se, assim, em um “anseio nacional” unificado, ainda que difuso, e, portanto, de ordem privada.

O ativismo pentecostal, ao contrário, emerge primordialmente por meio de um ethos da distinção. Este se manifesta quando os fiéis percebem que sua identidade e seus “valores”, enquanto “povo de Deus”, exigem uma defesa pública (contra outros grupos ou contra o Estado). Isso explica por que a força política pentecostal se concentra em temas onde sua imaginação moral diverge mais fortemente do mainstream: sexualidade, educação, família, liberdade religiosa e aborto. São esses os domínios em que o pentecostalismo se torna visível, confiante, assertivo. 

O ativismo é, nesse sentido, uma afirmação pública da diferença; ele se expressa pela singularidade de sua identidade cristã. A causa ambiental não oferece tal diferença. Oferece continuidade e inclusão; e continuidade não anima a ação coletiva entre pentecostais.

Subjetividade pentecostal e ação

Há também outro aspecto, ligado à estrutura da própria subjetividade pentecostal. Entre os fiéis, o pentecostalismo privilegia a vida interior e a vida da igreja. As transformações mais significativas que ele exige são, primordialmente, pessoais, e não políticas, pelo menos não a priori

A mobilização pública e as escolhas políticas entre pentecostais ocorrem menos por iniciativas individuais, apesar de haver “negociação” entre lideranças e seus congregantes. Porém, quando falamos de ativismo organizado, sob a forma de protestos e outras iniciativas, este quase sempre é mediado pela autoridade pastoral e pelas hierarquias denominacionais.

Pentecostais, quando movidos por sua identidade religiosa, raramente participam de protestos como indivíduos; entram na esfera pública sobretudo quando autorizados, convocados e representados como uma “unidade denominacional” ou teológica. A preocupação ambiental, por ser vivida como privada e universal, permanece, em grande medida, devocional. Ela não adquire o mandato e o incentivo institucional necessários para se tornar política. Em vez disso, é vivida como uma entre tantas outras convicções individuais que não são mediadas pela igreja ou pela autoridade pastoral. 

Como a cientista política Amy Erica Smith recentemente observou, há, nas igrejas evangélicas, diferentes atitudes entre congregantes, pastores e seus aliados políticos, principalmente no que tange às questões ambientais. Smith constatou que políticos que representam os evangélicos tendem a ser mais conservadores e mais antiambientalistas do que os fiéis.

Convicções privadas, alianças públicas

Por fim, é preciso abordar a suspeita que cerca os movimentos ambientalistas. Líderes pentecostais frequentemente percebem organizações ambientalistas não como “guardiãs da criação”, mas como portadoras de uma agenda política; uma agenda associada a causas progressistas que eles consideram moralmente problemáticas. O resultado é um paradoxo: os pentecostais concordam com os ambientalistas no diagnóstico, mas desconfiam da companhia. Eles não questionam a crise; questionam quem a interpreta. 

O que emerge é uma forma de liderança que falha em estimular a mobilização e um rebanho que moraliza a crise climática, mantendo-a no âmbito privado e na vida da igreja. Os pentecostais se importam, mas não se veem refletidos nos modos pelos quais esse cuidado é publicamente expresso pelos atores mais vocais da crise ambiental. E as alianças políticas entre líderes pentecostais e agentes antiambientalistas são parte essencial desse desencontro. 

É aqui que o conservadorismo pentecostal ganha verniz antiambiental: não porque os pentecostais são antiambientalistas, mas pelas articulações entre igrejas e poder público, nas quais o ethos da distinção aparece como força política coletiva, como força motivadora da ação política e que precisa articular-se com grupos que se alinham também pela distinção; no caso de políticas ambientais no escopo mais amplo, antiambientalismo é uma questão de associação e não necessariamente de crenças ou convicções.

O cuidado entre travas e limiares

A lição, contudo, vai além dos pentecostais. A postura pentecostal sustenta um espelho diante do mundo que se reuniu em Belém. A suposição de que consciência ou convicção deve naturalmente levar ao ativismo não é apenas otimista; é historicamente ingênua. Saber não é agir. Sentir não é mobilizar. Mesmo aqueles que marcharam na COP30 vivem na familiar contradição entre preocupação e inércia. O planeta está queimando e continuamos a voar, a consumir em larga escala e a adiar responsabilidades. Os custos ambientais das próprias COPs são alarmantes

Os pentecostais apenas encenam essa contradição de outra forma: traduzem preocupação em oração e em pequenos atos de cuidado, enraizados principalmente na igreja e na vida privada. Talvez, então, a ausência pentecostal na COP30 não deva ser lida como falha ou desengajamento, mas como lembrete. Um lembrete de que o cuidado, em nosso tempo, tornou-se difuso, pulverizado; mediado por suspeita e por identidade. Um lembrete de que o ativismo exige não apenas convicção, mas também pertencimento; de que necessita de uma sensação de que a ação participa de uma história coletiva. Para os pentecostais, o ativismo ambiental não oferece tal história: sua narrativa coletiva é outra.

Ainda assim, quando o mundo deixou Belém e a COP30 se tornou mais uma cúpula marcada por tensões nos anais da urgência climática, a postura pentecostal nos convida a uma reflexão mais silenciosa. Talvez a divisão real hoje não seja entre os que se importam e os que não se importam, mas entre os que insistem que o cuidado deve assumir uma forma política e pública específica e os que acreditam que cuidar é, antes de tudo, uma disposição moral e espiritual, vivida, talvez, por meio de um novo tipo de apoliticismo cristão. 

Compreender por que o cuidado às vezes trava diante do ativismo, e como comunidades pentecostais dão forma a esse limiar, pode nos ajudar a imaginar políticas climáticas mais profundas e menos dependentes da suposição de que convicção inevitavelmente se torna ação. E isso talvez nos ajude a pensar em modos de trazê-los ao engajamento mais amplo.

Em Belém, os pentecostais, longe dos pavilhões da COP30, organizaram uma série de eventos e oraram em suas igrejas por uma cúpula climática bem-sucedida. Foram sinceros em sua empreitada. E talvez o maior desafio diante de nós seja aprender a interpretar essa articulação não como indiferença ou negacionismo, mas como um outro modo de habitar a catástrofe global que agora compartilhamos.

Referências

Lacerda, Fábio. Assessing the Strength of Pentecostal Churches’ Electoral Support: Evidence from Brazil. Journal of Politics in Latin America, 10(2), 3-40, 2018. https://doi.org/10.1177/1866802X1801000201

Pogue, Neal. W. The struggle between conservative Evangelicals and the environmental movement. Ithaca/Londres: Cornell University Press, 2022.

Santos, Renan W. Evangélicos brasileiros e o ativismo ambiental: incompatibilidades estruturais ou rivalidades eletivas? Religião e Sociedade, 44(2), 1-25, 2024. https://doi.org/10.1590/1984-04382024e440210

Smith, Amy. Religion and Brazilian democracy: Mobilizing the people of God. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.,

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