Legislações de enfrentamento ao racismo já existentes têm sofrido ataques por parte de parlamentares, sobretudo de partidos de direita, em 2023. É o que aponta o monitoramento realizado pelo ISER das propostas elaboradas por deputados federais na Câmara.
De janeiro a novembro, os legisladores protocolaram 1835 propostas. Deste total, 54 fazem referência ao conceito de raça, entre projetos e decretos progressistas e de retrocesso.
O deputado cristão Abilio Brunini (PL-MT) defende a revogação do aumento de pena para quem cometer racismo “com intuito de descontração, diversão ou recreação”. O agravamento da pena foi sancionado pelo presidente Lula, em janeiro de 2023, por meio da Lei 14.532/23. A nova legislação ampliou a reclusão para dois a cinco anos; antes a sanção variava entre um a três anos.
O parlamentar evangélico Gilberto Abramo (Republicanos-MG) protocolou um decreto legislativo para revogar o Programa de Enfrentamento ao Racismo Religioso, que está sendo elaborado pelo Ministério da Igualdade Racial. O deputado argumenta que o programa fere a liberdade de expressão.
Quem também tem usado a justificativa da liberdade de expressão é o deputado evangélico Hélio Lopes (PL-RJ). Ele pede a revogação da Lei de Racismo por achar que ela impede o direito de liberdade de expressão em atividades econômicas, esportivas, artísticas, literárias e culturais.
O parlamentar também é autor de mais seis propostas que buscam remover ou questionar a importância do fator racial nas políticas públicas. Destaque para o Projeto de Lei 4322/2023, que questiona a possibilidade dos crimes cometidos por policiais serem categorizados como crimes raciais. Este projeto é uma reação à votação sobre perfilamento racial que aconteceu recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF). Em março deste ano, os ministros debateram como as abordagens policiais têm um viés discriminatório, já que a polícia aborda mais pessoas negras do que brancas, ainda que não haja evidências técnicas para suspeitar mais das negras.
Ainda entre estes seis projetos, o deputado de extrema-direita utilizou três para questionar os direitos de acesso ao trabalho, à educação e à saúde, previstos no Estatuto da Igualdade Racial. Para o parlamentar, a existência de políticas com recorte racial são excludentes para outros grupos étnicos.
Projetos antirracistas buscam melhorar sistema eleitoral e criar protocolos de enfrentamento ao racismo
Alguns projetos apresentados este ano buscam regulamentar ou fiscalizar a ação afirmativa estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2020 – a partir de consulta realizada pela deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ) – que passou a distribuir recursos para financiamento de campanha e de propaganda eleitoral gratuita de forma proporcional ao total de candidaturas negras dos partidos.
Benedita, que é evangélica da Assembleia de Deus, propôs uma série de regras para garantir o direito de candidaturas de mulheres e pessoas negras, entre elas mecanismos de fiscalização e de transparência por parte da Justiça Eleitoral. Uma equipe mista de parlamentares protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece a aplicação de sanções aos partidos que não preencherem a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos para mulheres e pessoas negras.
O deputado cristão Samuel Viana (PL-MG), sugere que o eleitor possa determinar que, nas eleições proporcionais, o voto na legenda seja computado para candidatura de mulher ou de pessoa negra.
Os parlamentares defendem também iniciativas de atendimento às vítimas e de conscientização dos agressores. A deputada Carol Dartora, (PT-PR) que não tem religião identificada pela metodologia da pesquisa do ISER, propõe um Protocolo de Acolhimento e Atendimento às vítimas de discriminação racial nos estabelecimentos de ensino.
A deputada afrorreligiosa Daiana Santos (PCdoB-RS), defende o Protocolo Nacional Antirracista, com medidas de prevenção, conscientização e acolhimento de vítimas para todos os estabelecimentos de grande circulação de pessoas do país.
A deputada católica Denise Pessôa (PT-RS), quer acrescentar à Lei de Racismo medidas protetivas de urgência à pessoa vítima de crimes de racismo e que agressores frequentem programas de reeducação étnico-racial.
Caso Vini Jr: Parlamentares produziram PLs impulsionados por episódios de racismo sofridos pelo atleta
Os episódios de racismo sofridos pelo jogador de futebol Vinicius Junior reverberaram no nosso Legislativo com quase dez projetos de enfrentamento a este crime. O deputado católico Beto Pereira (PSDB-MS) sugere uma alteração na Lei Geral do Esporte para que federações, ligas e organizações esportivas sejam multadas em casos de racismo em eventos esportivos.
Uma equipe mista, liderada pelo deputado católico Chico Alencar (PSOL-RJ) , assina o Programa Vini Jr de Combate ao Racismo, que propõe, entre outras ações, a interrupção de partidas em casos de racismo, a capacitação de funcionários e o atendimento às vítimas.
Fora do ambiente esportivo, os espaços de trabalho ganharam a atenção dos parlamentares. O deputado cristão Jonas Donizette (PSB-SP) sugere medidas de proteção para o trabalhador de carteira assinada que sofrer racismo pelo empregador.
E o deputado evangélico Marcos Tavares (PDT-RJ) traz duas propostas interessantes: punição para servidores que praticarem racismo e formação sobre racismo institucional em estabelecimentos comerciais junto a funcionários e equipes de segurança privada.
O monitoramento do Legislativo é feito a partir de uma plataforma que, de forma automatizada, coleta dados sobre as propostas apresentadas pelos deputados federais que consideram temas de interesse à atuação do Iser, como religião, família, segurança pública, entre outros. Todo mês a equipe de Religião e Poder analisa os projetos e publica um balanço sobre o período.
Saiba mais sobre a metodologia no artigo Cem dias da Câmara: Um monitoramento de Projetos de Lei com temas relevantes para a pesquisa no ISER.
Acesse a base de dados com todos os projetos de janeiro a novembro aqui.
Foto: Luz Dornelles – Reprodução Instagram @instadabene
Elena Wesley é jornalista, com graduação em Comunicação Social (UFF) e pós-graduada em Comunicação Integrada, Digital e Gestão Estratégica de Conteúdo.