Religião, Política e Gênero: pesquisa do ISER levanta a identidade religiosa das vereadoras eleitas nas 26 capitais do Brasil
Foto: Cartilha Mais Mulheres na Política – Reprodução: Governo Federal



Por Laryssa Owsiany, Magali Cunha e Matheus Cavalcanti Pestana
- 29 abr 2025
- 8 min de leitura

Os dados utilizados neste artigo podem ser encontrados aqui e em um dashboard interativo disponível aqui.
Matéria da Agência Pública sobre esta pesquisa pode ser encontrada aqui
Política é lugar de homem: este parece ser o recado dado pelas urnas no pleito eleitoral municipal de 2024 no Brasil. Dos 840 vereadores que passaram a compor as Câmaras Municipais das 26 capitais do Brasil, depois das eleições de 2024, apenas 179 são mulheres, o equivalente a ínfimos 21,3% do número de eleitos para essas cidades.
Foi este o ponto de partida para a mais recente pesquisa concluída pelo ISER na temática “Religião e Eleições”. Neste estudo, a prioridade foi o estabelecimento de um perfil das mulheres eleitas para as capitais dos estados brasileiros, sob o viés da identidade religiosa. A pesquisa segue a mesma metodologia construída para a identificação das candidaturas em 2020 e em 2024, quando dados quantitativos e qualitativos foram levantados para analisar a mobilização da religião tanto nas eleições municipais quanto nas nacionais e estaduais.
Mais do que identificar uma vinculação com determinada confissão ou expressão religiosa, as pesquisas do ISER têm buscado compreender como “religião” é um elemento acionado em disputas discursivas nas campanhas eleitorais. Isto significa verificar “candidaturas com identidade religiosa”, ou seja, levantar os acionamentos e mobilizações da categoria “religião” nas mais diferentes nuances nos pleitos eleitorais levando em conta intersecções com outras categorias como raça, gênero, ideologia e os contextos nacional e locais.
Foi ancorada nestas noções que a equipe de Religião e Política do ISER se debruçou sobre dados que oferecem um retrato da identidade religiosa das 179 vereadoras eleitas em 2024 nas 26 capitais do Brasil.
Um perfil das Câmaras Municipais
As Câmaras Municipais são o Poder Legislativo das cidades brasileiras e têm como principal função elaborar as leis relativas à vida nas cidades, como transporte público, educação municipal, serviços de saúde, entre outras demandas. Além disso, parlamentares eleitos vereadores e vereadoras devem auxiliar o Poder Executivo local, discutindo políticas públicas a serem implantadas e fiscalizar projetos/ações da Prefeitura – isto significa assegurar o cumprimento das leis municipais e a boa gestão do dinheiro público.
De acordo com o DataSenado, há 5.568 Câmaras Municipais no Brasil, com 58.114 vereadores em atuação. O estado de Minas Gerais, com o maior número de municípios do país, tem 853 Câmaras Municipais e 8.480 vereadores. O estado que tem menos Câmaras Municipais e vereadores é Roraima, com total de apenas 15 unidades e 157 parlamentares.
Levando-se em conta as Câmaras Municipais das 26 capitais dos estados foi eleito um total de 840 vereadores, entre eles 179 mulheres, objeto da pesquisa do ISER. A capital que se destaca com o maior número de parlamentares em todo o país é São Paulo, com 55 componentes. São Paulo é também a capital que tem o maior número de mulheres eleitas vereadoras, 20, que representa a maior ocupação proporcional feminina em uma Câmara, 36%. Porém, a distribuição de vereadores eleitos em 2024 pelas capitais do Brasil, levando-se em conta a proporção de homens e mulheres, é desigual, como mostra os quadros a seguir elaborados pela equipe da pesquisa do ISER:
Capital | UF | Total de vereadores | Nº de mulheres eleitas | Proporção de Mulheres |
São Paulo | SP | 55 | 20 | 36% |
Curitiba | PR | 38 | 12 | 32% |
Porto Alegre | RS | 35 | 11 | 31% |
Boa Vista | RR | 23 | 7 | 30% |
Cuiabá | MT | 27 | 8 | 30% |
Belo Horizonte | MG | 41 | 12 | 29% |
Belém | PA | 35 | 10 | 29% |
Macapá | AP | 23 | 6 | 26% |
Palmas | TO | 23 | 6 | 26% |
Rio de Janeiro | RJ | 51 | 12 | 24% |
Recife | PE | 37 | 8 | 22% |
Fortaleza | CE | 43 | 9 | 21% |
Salvador | BA | 43 | 9 | 21% |
Natal | RN | 29 | 6 | 21% |
São Luís | MA | 31 | 6 | 19% |
Maceió | AL | 27 | 5 | 19% |
Florianópolis | SC | 23 | 4 | 17% |
Teresina | PI | 29 | 5 | 17% |
Aracaju | SE | 26 | 4 | 15% |
Vitória | ES | 21 | 3 | 14% |
Goiânia | GO | 37 | 5 | 14% |
Rio Branco | AC | 21 | 2 | 10% |
Porto Velho | RO | 23 | 2 | 9% |
Manaus | AM | 41 | 3 | 7% |
Campo Grande | MS | 29 | 2 | 7% |
João Pessoa | PB | 29 | 2 | 7% |
As descobertas da pesquisa do ISER
Para verificar a identificação religiosa das vereadoras eleitas nas capitais brasileiras, a equipe do ISER recorreu a registros de autodeclaração (30,72%) e de manifestações públicas referentes a religião (heteroidentificação, 53%), com base nos perfis destas mulheres em mídias sociais e outros documentos digitais. Não foi possível levantar a identidade religiosa de 16,28% das eleitas.
Com estes dados pode-se afirmar que a grande maioria é cristã: 125 (69%,72), sendo 55 católicas, 47 evangélicas, 23 de identidade cristã não determinada. Outras religiões são representadas por 16 afrorreligiosas, três espíritas, uma judia, uma de espiritualidades indígenas. Entre as vereadoras eleitas para capitais, duas foram identificadas com duplo pertencimento e categorizadas no levantamento como “afrocatólicas”; uma não tem pertencimento religioso e não foi possível levantar a identidade religiosa de 28 mulheres eleitas e de duas candidaturas coletivas.
Entre as evangélicas, 29 são de igrejas pentecostais (61,7%), com predomínio das Assembleias de Deus (10) e da Igreja Universal do Reino de Deus (07); duas são da Igreja do Evangelho Quadrangular (que tem histórica ocupação de postos no legislativo), uma da Igreja Brasil para Cristo e uma da Igreja Cristo – estas três classificadas como pentecostais históricas. As outras de tendência pentecostal, são relacionadas a igrejas e comunidades de formação contemporânea, com destaque para a marca “church” em uma delas, a Palavra Viva Church, de Florianópolis (SC). Esta é uma nova identidade confessional na política em relação a outros levantamentos de parlamentares eleitos com identidade religiosa.
Ainda na relação das evangélicas eleitas para Câmaras Municipais de capitais brasileiras, quatro são de denominações batistas, uma luterana e 14 de igrejas evangélicas não identificadas.
No cruzamento com a categoria raça, observa-se um desequilíbrio. As vereadoras eleitas para as capitais são majoritariamente brancas (100 – 55,86%), frente a 77 negras (43%), uma indígena e uma amarela. As católicas são mais brancas (33), e as evangélicas se distribuem entre brancas (27) e negras (22). Entre as 16 afrorreligiosas, dez são negras, bem como o são as duas afrocatólicas. Todas as espíritas são brancas.
Quanto à vinculação partidária, os partidos que têm mais mulheres eleitas nas capitais do Brasil são o PT (23), o PSOL (22), o PL (19), o PP (16), o União Brasil (15), o PSD e o Republicanos (11, cada) e o PSB (10). As demais vereadoras estão distribuídas em oito partidos de centro e cinco partidos de direita. Há um predomínio da direita política nestas vinculações partidárias, com 45,13% das eleitas frente a 37,43% da esquerda e 15,64% do centro. Estes números acompanham as tendências observadas em candidaturas com identidade religiosa nos pleitos de 2020 e 2023.
No cruzamento da vinculação partidária com o pertencimento religioso, as evangélicas estão mais vinculadas a partidos de direita, as católicas se dividem entre direita e esquerda, e as afrorreligiosas são predominantemente de esquerda, com menor participação ao centro e nenhuma na direita. Chama a atenção que as que se identificam como cristãs sem denominação se vinculam muito mais a partidos à direita e ao centro.
As bases para a pesquisa sobre as vereadoras eleitas
É importante demarcar que gênero tem sido uma categoria importante em várias frentes do trabalho desenvolvido pelo ISER. Na pesquisa em torno da interface religião e eleições, o primeiro estudo mais amplo, com a definição da noção de identidade religiosa e de compreensão das formas de mobilização da religião em campanhas eleitorais, ocorreu nas eleições municipais de 2020. O levantamento priorizou o número de candidatos e de eleitos em oito capitais: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Goiânia. As cidades foram escolhidas em virtude do tamanho de seus colégios eleitorais (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte – os maiores do País), mas também devido à importância da religiosidade em seu aspecto cultural (Belém, Goiânia, Recife e Porto Alegre).
Naquele pleito de 2020 foi verificado como o discurso sobre gênero apareceu na busca por votos. A pesquisa observou o desequilíbrio de candidaturas entre homens e mulheres com um predomínio masculino muito intenso, e com números ainda mais desiguais quando considerados os eleitos.
Para as eleições nacional e estadual de 2022, as mesmas noções e categorias foram aplicadas em nova pesquisa, dessa vez nos oito estados daquelas capitais priorizados dois anos antes. Foram descobertas bastante similares quanto à categoria gênero.
Porém, a partir da compreensão construída por pesquisas de opinião de que as mulheres evangélicas teriam papel crucial nas eleições nacionais de 2022, o ISER desenvolveu naquele ano a pesquisa qualitativa “Mulheres evangélicas, política e cotidiano”. Os relevantes resultados têm levado o ISER a novas pesquisas e análises sobre a relação mulheres e voto.
O novo levantamento da identidade religiosa das vereadoras eleitas para as 26 capitais em 2024 se soma a este conjunto de dados para o aprofundamento de análises em torno da interface religião, política e gênero. O ISER coloca, portanto, este conteúdo à disposição de pesquisadores, pesquisadoras, jornalistas e pessoas interessadas nesta instigante dinâmica da cena pública para levá-lo adiante.
Como citar
OWSIANY, Laryssa; CUNHA, Magali; PESTANA, Matheus Cavalcanti. "Religião, Política e Gênero: pesquisa do ISER levanta a identidade religiosa das vereadoras eleitas nas 26 capitais do Brasil". Disponível em: . Acesso em: .
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