Feriados prolongados e o lugar da religião no calendário brasileiro

Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 24 jun 2025.

Izabella Bosisio

Por Izabella Bosisio

  • 04 jul 2025
  • 7 min de leitura
Feriados prolongados e o lugar da religião no calendário brasileiro
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O feriado prolongado de abril deste ano, em razão da Sexta-Feira Santa (ou Sexta-Feira da Paixão) e do Dia de Tiradentes, ganhou destaque especialmente pela situação vivenciada no estado do Rio de Janeiro: em vez dos quatro dias de descanso ocasionados pela emenda com o final de semana (da sexta-feira, dia 18 de abril, à segunda-feira, dia 21 de abril), foram seis dias de feriadão, estendendo-se até a quarta-feira (23 de abril), em que se comemora o Dia de São Jorge, feriado estadual, e emendando a terça (dia 22), decretada como ponto facultativo. 

Além da quantidade de dias consecutivos de descanso, chamou atenção outro elemento: a presença de datas religiosas marcando o início e o final do feriado estendido. Mas que lugar é esse que a religião (e, particularmente, o catolicismo) tem nos calendários do Brasil?

O calendário que experienciamos no cotidiano é uma sobreposição de datas comemorativas e feriados estabelecidos no calendário municipal do lugar em que se vive, no calendário estadual e no calendário nacional. Neste texto, não me deterei nas datas comemorativas, pois são diversas e seguem como dias úteis, de trabalho, não causando o mesmo impacto dos feriados, embora sejam importantes para o reconhecimento e a representação de diferentes atores sociais, inclusive religiosos.

Na segunda metade da década de 1980, chegou a existir legislação que procurava regulamentar a comemoração de feriados no país, antecipando para as segundas-feiras aqueles que caíssem nos demais dias da semana, tendo como principal objetivo evitar justamente os feriados prolongados muito extensos, com uma preocupação de ordem econômica. Mas havia exceções, que deveriam ser comemoradas na própria data, como o Dia do Trabalho, em 1º de maio (mais um feriado prolongado em 2025), e dias religiosos como o Corpus Christi e a Sexta-Feira da Paixão, datas móveis do calendário cristão. 

A quantidade de feriados religiosos nos nossos calendários pode ser explicada, primeiramente, de um ponto de vista histórico, social e cultural em que a religião é entendida como parte da formação da nação brasileira e elemento fundamental em nossa cultura. Nesse sentido, quem marca a presença majoritariamente nos calendários do país (nacional, estaduais e municipais) é o catolicismo, que ainda se mantém como a religião da maioria dos brasileiros, apesar da crescente perda de adeptos e do aumento do número de pessoas que se declaram evangélicas e sem religião. 

Um segundo ponto é que o lugar da religião na marcação do tempo pode ser encontrado também na própria construção dos nossos calendários oficiais, que ocorre por meio de legislações específicas. Na linha do tempo que publicamos no Nexo Políticas Públicas em outro momento, é possível acompanhar o processo de construção do calendário nacional ao longo dos anos, desde o início do período republicano.

Além de feriados nacionais de caráter religioso, como o Dia de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), padroeira do Brasil, e o Natal (25 de dezembro), destacam-se diversos outros feriados religiosos espalhados pelo país, especialmente em âmbito municipal. Isso decorre da principal norma que regulamenta a instituição de feriados no Brasil atualmente, a lei federal nº 9.093, de 1995, que distingue os feriados civis e os religiosos. De acordo com essa lei, os feriados civis são aqueles “declarados em lei federal”, “a data magna do estado fixada em lei estadual” e “os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do município, fixados em lei municipal”. Por sua vez, os feriados religiosos são “os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão”. Com isso, cabe aos municípios a instituição de feriados religiosos, ainda que seja comum encontrar outros tipos de feriados municipais, como aqueles que marcam as datas em que os municípios são fundados (e não só na ocasião dos seus centenários).

A disposição sobre os feriados religiosos acaba por reforçar a hegemonia católica no calendário nacional, com destaque para festividades e dias de santos padroeiros. A obrigatoriedade da Sexta-Feira da Paixão na composição dos quatro feriados religiosos municipais possíveis é mais um elemento que revela a legitimidade do catolicismo na marcação do calendário, articulando argumentos do que é tradição e cultura e do que se entende como religião. Apesar de ser muito difundida como um feriado nacional, a Sexta-Feira Santa, porém, não foi instituída como feriado em nenhuma legislação federal. A data foi se transformando em feriado nacional por meio de portarias do governo brasileiro que divulgam anualmente o calendário de feriados e pontos facultativos nacionais para a administração pública federal, com poucas ocasiões em que foi registrada como ponto facultativo.

Retomando o feriado prolongado de seis dias ocorrido no Rio de Janeiro, como a Sexta-Feira Santa é uma data móvel do calendário cristão, neste ano acabou ficando próxima a outros dois feriados de abril, um nacional e outro estadual. O caso do feriado de São Jorge já foi muito debatido, inclusive em pesquisas antropológicas. Inicialmente, a data foi instituída como feriado municipal em 2001 na cidade do Rio de Janeiro, que conta com festas bastante populares dedicadas ao santo católico e que também se articulam com religiões afro-brasileiras, relação que é destacada no próprio projeto de lei que propôs a institucionalização da data como feriado. No Rio, São Jorge é associado ao orixá Ogum. Posteriormente, em 2008, também se tornou feriado estadual, sobrepondo-se ao calendário municipal da capital. Isso gerou controvérsias especialmente no que diz respeito à sua constitucionalidade, considerando, como vimos, o estabelecido pela legislação federal sobre instituição de feriados. Uma ação direta de inconstitucionalidade foi apresentada ainda em 2008, mas em 2023 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou a lei fluminense como constitucional, o que revela como a lei federal nº 9.093/1995 pode ser interpretada de diferentes maneiras. Além do feriado de São Jorge, o estado do Rio tem, em seu calendário, mais dois feriados: terça-feira de Carnaval (data móvel), igualmente instituído em 2008, e Dia da Consciência Negra e aniversário da morte de Zumbi dos Palmares (20 de novembro), instituído em 2002.

Também feriado no município do Rio de Janeiro e em diversos outros pelo Brasil, o Dia da Consciência Negra foi, finalmente, instituído como feriado nacional no final de 2023. Embora não tenha um caráter religioso à primeira vista, as comemorações pelo 20 de novembro acabam explorando diferentes aspectos relacionados à população negra, históricos, culturais e, também, religiosos, sendo marcadas pela presença e por iniciativas de religiões afro-brasileiras. 

O calendário, portanto, entre outras dimensões, é um lugar de disputas, passando por transformações no decorrer do tempo, incorporando novas datas ou mesmo excluindo outras. E, para diferentes religiões, ele é, ainda, mais um espaço de busca por reconhecimento, visibilidade e legitimidade da sua presença na esfera pública.

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