Qual a relação e a importância da Laicidade e da Democracia no Brasil?

Por Christina Vital da Cunha
- 01 jul 2025
- 7 min de leitura

Segundo dados da pesquisa “No fio da navalha: religião, política e valores dos brasileiros”, realizada pelo LePar/UFF com o Instituto Datafolha, para 63% dos brasileiros o Estado laico significa que “não pode misturar política e religião”. No entanto, perguntados sobre a importância dele, 54% se dizem a favor. Embora seja uma parcela majoritária, há muitos brasileiros que não sabem se posicionar em relação à laicidade e nem medir os seus efeitos. Nesse contexto, emerge a importância de tratarmos a temática através do ponto de vista e da experiência de pesquisadores e ativistas que se dedicam a analisar e a manter viva a laicidade e a democracia no Brasil.
Com esse propósito, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Laboratório de Estudos Sócio Antropológicos em Política, Arte e Religião (LePar/UFF), o Instituto de Estudos da Religião (ISER) e a Koinonia Presença Ecumênica e Serviço se reuniram em torno da elaboração e produção do livro Laicidade e Democracia no Brasil: Trajetórias e Campos de Trabalho em Foco (Editora Periferias, 2025).
Embora a laicidade seja um tema recorrente desde a promulgação da primeira Constituição Republicana, em 1891, a atualização recente de seu lugar no debate público brasileiro ganhou força nos anos 2000, sobretudo, a partir das eleições de 2010. Nelas, as temáticas do aborto e do combate à homofobia tiveram relevância e a visibilidade e organização de setores conservadores do cristianismo, sobretudo evangélico, se fizeram presentes direcionando a pauta da mídia, os pronunciamentos de parlamentares e a mobilização social.
Diante desse quadro, a defesa da laicidade virou bandeira de luta de diferentes coletivos em 2013 e a formação do Movimento Estratégico pela Laicidade do Estado (MEEL) teve um significado de culminância política e social processual. O crescendo de sua importância diante das inquietações causadas pela força e visibilidade das frentes parlamentares evangélica e católica, ensejou a formação, inclusive, da Frente Parlamentar em Defesa do Estado Laico e da Liberdade Religiosa, uma iniciativa do mandato do deputado federal Pastor Henrique Vieira, em 11 de março de 2025.
Outro tema central no livro em articulação com o da laicidade é a democracia. No Brasil, ainda segundo a pesquisa Religião, Política e os Valores dos Brasileiros: entre Extremismos e Mediações (LePar/UFF e IDF), 79% dos brasileiros são favoráveis à democracia, embora 71% se diga insatisfeita em relação ao que ela vem entregando no dia a dia. Este sentimento de aprovação geral da democracia, mas uma insatisfação com os seus rumos ocorre em outros países de perfis socioeconômicos bem distintos, desafiando qualquer relação apressada e exclusiva de fatores.
Temos, por exemplo, segundo dados da coleta anual realizada pela divisão de pesquisa do Grupo Economist, a Economist Intelligence Unity, 2023 foi o ano em que se detectou o menor Índice de Democracia no mundo desde quando a coleta começou a ser feita, em 2006. Nessa pesquisa, são analisados 167 países em cinco critérios: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Foi a partir de 2016 que o EIU começou a identificar as baixas mais significativas nesses critérios. Segundo os dados lançados em fevereiro de 2024, o Brasil ocupa o 51º lugar no ranking (nota 6,68) e é considerado uma “democracia imperfeita”.
Nesse contexto global de decréscimo de indicadores de democracia e de crescimento das manifestações religiosas na esfera pública em alguns países como o Brasil, a identificação dessas expressões como um mal ganha força, sobretudo no meio urbano e entre pessoas ideologicamente afinadas com o progressismo político e/ou cultural. As recentes performances de extrema direita, que mobilizam a gramática do cristianismo, especialmente em sua estética pentecostal, como principal meio de comunicação política com as bases sociais, além da defesa de uma versão conservadora da fé como “a verdadeira” e legitimadora de ações contra direitos de minorias sociais no país, são centrais nessa percepção negativa.
O foco se dirige principalmente a essa vertente, vista como antagônica à democracia e às liberdades individuais. Sendo assim, enquanto entre certos segmentos sociais é flagrante o antagonismo à presença religiosa no espaço público, em setores conservadores e extremistas de direita consolida-se a valorização de um exclusivismo de matriz confessional.
No entanto, essa transformação da identidade religiosa em capital político, mobilizada no movimento social por católicos e evangélicos à esquerda no passado, é notável entre progressistas deste segundo grupo, de modo acentuado desde as eleições de 2020 no Brasil. Eles disputam sentidos da fé em suas igrejas de origem e na sociedade em geral, pregando um cristianismo que reforça a diversidade para a vitória contra a intolerância, a desigualdade social, o racismo, a homofobia, a violência de gênero.
No livro Laicidade e democracia no Brasil: trajetórias e campos de trabalho em foco são oferecidos dezesseis capítulos escritos por pesquisadores e/ou ativistas de várias regiões do Brasil e de diferentes áreas de formação, além de um posfácio, no qual os sentidos de laicidade e democracia acima mencionados são tematizados. As abordagens respeitam as ações e reflexões feitas ao longo das trajetórias de pesquisa e/ou ativismo político e social de cada autor ou autora.
A coletânea encontra-se dividida em cinco eixos temáticos: liberdade religiosa; intolerância religiosa; laicidade e educação; laicidade, religião e o judiciário; laicidade, religião e gênero. A organização da coletânea ficou a cargo de Christina Vital da Cunha, Mariana Ramos de Morais e Tatiane dos Santos Duarte, que são também autoras ao lado de Zózimo Trabuco, Raphael Neves, Romi Bencke, Ana Paula Miranda, Makota Celinha, Maxwell Azevedo Viana Moraes, Hippolyte Brice Sogbossi, Luiz Antônio Cunha, Elisa Rodrigues, Fernando Seffner, Thiago Hoshino, Tábata Tesser, Ana Carolina Marsicano, Fábio Leite, Maria José Rosado Nunes, Olívia Bandeira, André S. Musskopf, e Ronaldo Almeida.
O primeiro lançamento desta coletânea ocorreu na Semana de Combate à Intolerância Religiosa, organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), no Centro Cultural da Justiça Federal, em janeiro deste ano. O livro chegou para o público em um mês especial no qual se celebra o compromisso público com o combate à intolerância e ao racismo religioso. Ao se tratar o fenômeno, a questão da laicidade emerge de modo significativo seja como paradigma legal, político e/ou como um dever ser em prol da democracia.
Esta coletânea integra o primeiro volume da Série Controvérsias/ABA, que tem como objetivo “dar visibilidade ao caráter público da Antropologia, enquanto prática e discurso relevantes para o debate político e social contemporâneo”.
“Tendo como pressuposto que todo conhecimento carrega consigo uma postura política e que seu enunciado está sempre implicado em contextos de disputas e controvérsias, os livros a serem publicados nesta Série devem contribuir para adensar e qualificar o debate público, chamando a atenção para argumentos e pontos de vista que tendem a ser subsumidos, no debate, pelo senso comum ou pela opinião da maioria”.
O livro está disponível no site da ABA.
Como citar
CUNHA, Christina Vital da. "Qual a relação e a importância da Laicidade e da Democracia no Brasil?". Religião e Poder, 01 jul. 2025. Disponível em: . Acesso em: .
Conteúdos relacionados

Seria o pentecostalismo uma resposta à aflição popular?

Religião e política no extremo sul do Brasil:

O ativismo de mulheres católicas tradicionais nas mídias digitais

ISER lança livro com reflexões sobre os primeiros dados de religião do Censo 2022
Conteúdos relacionados

Seria o pentecostalismo uma resposta à aflição popular?

Religião e política no extremo sul do Brasil:

O ativismo de mulheres católicas tradicionais nas mídias digitais
