Opus Dei
Atualizado em 22/05/2025 às 11h12.

Por Asher Brum
- 22 abr 2025
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O Opus Dei é uma “Prelazia Pessoal” que povoa os imaginários popular e acadêmico como uma instituição poderosa e ultraconservadora que opera no interior da Igreja Católica. O Opus Dei foi fundado em 1928 pelo Monsenhor Josemaria Escrivá de Balaguer, em Madri, na Espanha, canonizado pelo papa João Paulo II, em 2002.
O objetivo da instituição, seu carisma, é a “santificação do mundo por meio do trabalho”, “a santificação do mundo a partir de dentro”, “imitar a Cristo no meio do mundo”. Dito de outra forma: para Escrivá, cada católico poderia ser santo no meio do mundo secular e santificar esse mesmo mundo por meio do seu trabalho cotidiano, sua atividade diária. Não era preciso que os católicos vivessem reclusos como os monges para tornarem-se santos. Era possível tornar-se santo por meio da sua atividade laboral de todos os dias e, ao mesmo tempo, santificar o mundo e os outros por meio desse mesmo trabalho. É a este carisma que se refere um documento recente do Papa Francisco que altera fundamentalmente a estrutura hierárquica do Opus Dei.
AD CARISMA TUENDUM
Em 2022, essa instituição voltou a ganhar destaque na imprensa quando Francisco publicou o documento intitulado Ad Carisma Tuendum, “Para tutelar o carisma”, que modificou fundamentalmente a estrutura hierárquica do Opus Dei. Até então, o prelado, seu dirigente, equiparava-se a um bispo diocesano, uma vez que o Opus Dei classifica-se como uma Diocese Pessoal. Isso conferia ao prelado, em Roma, o poder de ordenar os sacerdotes da instituição, de modo que seus membros, para tornarem-se padres, deveriam ir a Roma para serem ordenados.
Com o documento do Papa, o prelado perdeu o status de bispo, de modo que não pode mais ordenar padres, usar as vestes episcopais e precisa submeter-se aos bispos diocesanos locais. O prelado passou a ser chamado de “Protonotário Apostólico Supernumerário”, um título honorífico que ressalta o carisma da instituição. O papa Francisco justificou a modificação argumentando que o Opus Dei deve fundamentar-se mais no carisma e menos na hierarquia.
UMA PRELAZIA PESSOAL
Baseando-se em uma ideia própria de vocação e constituindo um carisma específico, o Opus Dei foi classificado como um “instituto secular” da Igreja Católica até a década de 1980. Em 1982, o papa João Paulo II concedeu ao Opus Dei o status de “Prelazia Pessoal”, categoria na qual o Opus Dei foi a primeira instituição católica a ser enquadrada e, até hoje, a única a ganhar essa classificação.
Uma prelazia é uma entidade eclesiástica destinada a realizar uma atividade apostólica particular, diferente da diocese, que se refere a uma circunscrição territorial. A Prelazia Pessoal é formada por um prelado, que equivale ao bispo diocesano, por sacerdotes e por leigos. É associada à ideia de “Diocese Pessoal”. Nas Dioceses Territoriais, os católicos filiam-se por meio das paróquias. Um indivíduo torna-se membro de sua paróquia e, com efeito, de uma diocese específica. A Prelazia Pessoal é diferente, pois uma pessoa associa-se a ela por seu carisma e não por sua pertença territorial. Desse modo, pessoas de qualquer parte do mundo podem associar-se ao Opus Dei, independentemente da circunscrição territorial em que estejam localizados.
Embora existam residências do Opus Dei espalhadas por diversas partes do mundo, seus membros não se filiam a elas, mas ao Opus Dei. Isso garante à prelazia a versatilidade apostólica exigida pela evangelização pois seus membros possuem alto grau de mobilidade, podendo ser deslocados de acordo com as necessidades do governo central da instituição.
Um membro do Opus Dei pode ser deslocado do Brasil para a Austrália, por exemplo, se o governo central do Opus Dei, em Roma, considerar esse deslocamento estratégico ou necessário. Ainda que em um mesmo país, raramente um membro numerário do Opus Dei permaneça por muito tempo em uma mesma residência.
NO BRASIL
O caráter de grande mobilidade dos membros numerários do Opus Dei pode ser verificado ao observarmos a história da prelazia no Brasil. Para iniciar o Opus Dei em nosso país, o fundador, Josemaria Escrivá, enviou quatro jovens membros numerários para a cidade de Marília, no interior do estado de São Paulo, em 1957.
Chegaram a pedido do bispo da cidade, Dom Hugo Bressane de Araújo, que queria pessoas das mais diversas instituições católicas para começar sua nova diocese. Desse modo, os padres dedicavam-se à formação católica dos frequentadores das residências do Opus Dei ao mesmo tempo em que rezavam a missa e ministravam os sacramentos nos lugares para os quais o bispo os direcionava. Com relação aos leigos, trabalhavam em suas atividades profissionais e faziam o apostolado por meio do seu trabalho. Em 1958, três membros foram para a capital para começar o trabalho apostólico do Opus Dei e um membro ficou em Marília.
Em 1961, com os primeiros numerários já instalados na cidade de São Paulo, Escrivá enviou mais alguns membros para iniciar o governo do Opus Dei no Brasil. Por esses anos, surgiu a primeira residência universitária gerida pelos membros da prelazia. O boom do Opus Dei no Brasil aconteceu em 1975. Nesse ano, Josemaria Escrivá visitou o país e, satisfeito com o trabalho que estava sendo realizado, enviou mais membros da Espanha, de modo que surgiram diversas outras residências do Opus Dei, não apenas na cidade de São Paulo, como também em outras capitais brasileiras. Surgiu também um centro de estudos no qual passariam a acontecer a formação dos novos membros numerários que ingressassem no Brasil.
AS RESIDÊNCIAS DO OPUS DEI
As residências do Opus Dei são lugares onde se realizam atividades de duas naturezas: religiosas e acadêmico-profissionais. Essas casas são geridas pelos membros numerários, aqueles que se dedicam inteiramente ao trabalho apostólico do Opus Dei, de modo que fazem votos de pobreza, castidade e obediência. Nas palavras de Escrivá, os numerários são o “Estado Maior de Cristo”. São aqueles membros que praticam a tão polêmica e misteriosa “mortificação corporal”, como será tratado adiante. Os numerários leigos organizam as atividades acadêmicas e profissionais e os numerários sacerdotes responsabilizam-se pelas atividades de formação espiritual e católica.
Os frequentadores dessas residências são estudantes universitários católicos (sem nenhum vínculo formal com o Opus Dei) e os supernumerários, membros da prelazia que são (ou podem ser) casados, de modo que não fazem os mesmos votos que os numerários e não possuem a mesma versatilidade para dedicarem-se às atividades apostólicas. O Opus Dei organiza-se por meio das residências universitárias.
O OPUS DEI É “CONSERVADOR”?
A grande maioria das controvérsias envolvendo o Opus Dei associa-se, direta ou tangencialmente, à ideia de que se trataria de um grupo “conservador”. Quando mobilizada, essa categoria flutua, ora para o lado teológico, ora para o político. Em se tratando da questão política, há um ponto a ser observado: o Opus Dei nunca se posicionou politicamente como instituição. Não há um posicionamento político oficial da Prelazia.
Dito isso, há de se destacar que seus membros são livres para opções políticas diferentes, uma vez que são “pessoas seculares”, ou seja, pessoas que habitam o mundo secular, trabalham, estudam etc. Desse modo, é natural que haja uma pluralidade de posicionamentos políticos, tal como aconteceu na Espanha após Francisco Franco tomar o poder, em 1939. De acordo com relatos dos primeiros numerários (ver BRUM, 2017), havia aqueles que apoiavam Franco, aqueles que apoiavam o Rei Juan Carlos, aqueles que não apoiavam ninguém, além de outros posicionamentos políticos diversos.
Atualmente, verificamos que a maioria dos membros do Opus Dei que atuam na política ou que se posicionam publicamente relacionam-se com a direita, tal como demonstrado por Marcelo Camurça, Emerson Silveira e Asher Brum (2021) e Brum (2017), o que poderia colocá-los em um lugar chamado de “conservador”.
Isso parece demonstrar que a relação dos membros do Opus Dei e seus simpatizantes com a política é um tema complexo que não pode ser resolvido por generalizações, uma vez que cada pessoa precisa ser analisada especificamente.
Se, por um lado, o Opus Dei não pode ser considerado politicamente “conservador” como instituição, o mesmo não se aplica ao seu aspecto teológico e dogmático. Nesse caso, o que poderíamos chamar de “conservador” seria uma interpretação e aplicação estrita das normas católicas. Embora isso parta de diretrizes institucionais veiculadas pelos diretores espirituais leigos e sacerdotes das casas do Opus Dei, a adesão a elas é pessoal e diz respeito à “vida espiritual” de cada membro.
Por exemplo, conforme demonstrado por Brum (2017) e Antonio Carlos Brollezi (2006), a sexualidade praticada fora do casamento é considerada pecado mortal, não apenas pelo Opus Dei, mas pela doutrina da Igreja. Com efeito, os membros vivenciam essa norma de forma estrita por meio da autovigilância, mas há flexibilização da norma no nível individual, tal como explicita o relato de Brolezzi (2006). Por isso, a confissão deve ser constante, semanal, prática que raramente vemos nas paróquias.
“Imitar o sofrimento de Cristo”, ou seja, a mortificação corporal, também é uma prática associada ao catolicismo conservador, uma vez que é típica das sociedades monásticas. Conforme demonstram Brum (2017) e Brollezi (2006), ela é orientada aos membros e frequentadores das casas do Opus Dei pelos diretores espirituais e sacerdotes, mas a forma de aplicação sobre si mesmo é particular.
Importa ressaltar que essas práticas não são sangrentas como consta no livro, transformado em filme, “O Código Da Vinci”, de Dan Brown. Diferentemente, elas são pequenas penitências diárias que visam compartilhar do sofrimento de Cristo, como abdicar de algum alimento, acordar no horário certo, tomar banho frio, entre outras, e fazer isso oferecendo a Deus em sacrifício. Levar uma prática monástica para o membro leigo, assim como os votos de castidade, obediência e pobreza, é muitas vezes associado à ideia de “conservadorismo”.
REFERÊNCIAS
BROLEZZI, Antonio Carlos. Memórias sexuais no Opus Dei. São Paulo: Panda Books, 2006.
BRUM, Asher. Templários da Avenida Paulista: a formação do self secular no Opus Dei. Tese de Doutorado. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, 2017.
CAMURÇA, Marcelo; BRUM, Asher; SILVEIRA, Emerson. “Todos os caminhos levam a Roma ou à Casa Branca: os fluxos da direita católica para o Brasil a partir dos EUA de Trump e do entorno tradicionalista do Vaticano”. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, v.23, e021025, 2021.
Como citar
BRUM, Asher. "Opus Dei". Disponível em: . Acesso em: .