Sou Penina Bat Arieh, nasci na cidade do Rio de Janeiro, no dia 28 do mês de Nissan do ano de 5721. Escrevo este artigo no mês de kislev do ano de 5783. Sou uma filha de Jacó – Bnei Yaakov. Jacó, após lutar com o anjo de Deus e vencê-lo passa a se chamar Israel, portanto, como integrante dos Bnei Yaakov – Filhos de Jacó, sou uma filha de Israel, integrante do Povo de Israel – Bnei Israel. Um povo de muitas etnias que, no Brasil, constitui, no ano comum de 2022, uma minoria de 120 mil almas.

Ao longo da história fomos nomeados de diversas formas, os antigos egípcios nos chamavam de habiru, os arruaceiros do outro lado do rio, a Antiguidade de hebreus, os romanos de judeus, oriundos da província de Judá ou Judeia. Durante a Idade Média os reinos espanhóis e portugueses após conversão forçada nos nomearam marranos, ou porcos. A Igreja Católica em sua iconografia representa a imagem da mãe judia como uma porca alimentando seus filhos.  Após a fundação do Estado de Israel, a nomeação israelita passa a ser usada para nos diferenciar dos cidadãos daquele país, os israelenses.

A problemática em relação a como denominar os judeus se torna complexa no mundo a partir da criação dos Estados Nacionais e as questões da cidadania. Muitos intelectuais escreveram sobre o que chamam de “A Questão Judaica”. O filósofo iluminista Moisés Mendelssohn, tentando resolver esta questão de pertença, sugere uma divisão conceitual. Ele falava aos judeus alemães. Então os judeus alemães seriam alemães de fé mosaica. Seriam alemães na rua e judeus em casa. Mendelssohn passa, assim, a colocar o judaísmo como algo da esfera privada. Sua produção gerou a conhecida frase entre pensadores judeus, “de Moisés a Moisés não há como Moisés”, referindo-se ao Moisés bíblico da Torah, a Moisés Maimônides da Halachá – Lei e dos 13 princípios judaicos e Moisés Mendelsohn precursor da Haskalá – o iluminismo judaico no período Moderno. 

Nós, na liturgia e orações somos os Bnei Yaakov ou Bnei Israel. Somos um povo e, como povo, sofremos racismo e praticamos a fé mosaica e, como religiosos, sofremos intolerância religiosa. Somos compostos por várias etnias e vários são os idiomas falados com vasta produção literária. Os principais idiomas são o aramaico talmúdico, o Dzhidi dos judeus persas, o hebraico da Torah e a língua oficial do Estado de Israel, o Iídiche dos judeus ashkenazitas, o ladino falado pelos judeus sefaraditas, o ge’ez dos judeus etíopes e a Raqtia – língua dos judeus oriundos do Marrocos.

Educação como prática de resistência 

No final do período histórico judaico denominado Segundo Templo de 516 a.e.c  e 70 d.e.c, após a destruição causada pelo Império Romano e a diáspora judaica, foram estabelecidas inúmeras takanot – decretos pelos sábios. Foi criada uma takaná específica para educação de filhos e crianças. 

A takaná educativa determina colocar professores para crianças pequenas em cada cidade em que haja judeus, ou seja, em toda e qualquer cidade da diáspora judaica.  Isto significa que é uma obrigação de toda Comunidade Judaica providenciar professores para as crianças pequenas. 

As questões de educação foram divididas em três grupos distintos. Crianças até o bar/bat mitzvá, do bar mitzvá até 16 a 18 anos e jovens acima de 16/18 anos. São três categorias diferentes com takanot/decretos diferentes e responsabilidades da comunidade distintas. Esses decretos devem ser cumpridos por todos os judeus. 

No entanto, os decretos recaem primordialmente sobre o pai. A partir do momento que a criança começa a falar, o pai deve lhe ensinar um passuk – um determinado versículo da Torah – de acordo com a maturidade dela – de 3 a 6 anos. A partir de 6 anos, a criança é colocada numa estrutura educativa específica de estudos para lá educar-se com o Melamed – mestre ensinante – que tem sobre si uma série de obrigações e proibições, tais como não poder trabalhar à noite para não dar aulas com sono. O estudo da criança não pode ser anulado nem mesmo para a construção do Terceiro Templo – isto significa que o estudo não é cancelado em hipótese alguma. 

A divisão dos estudos não segue a divisão da escola secular moderna, fruto da revolução industrial. O judaísmo considera que as crianças aprendem de formas distintas e crianças maiores podem estudar com crianças menores. Originalmente, no Talmud, existe a figura do Melamed que ensinava as crianças. O ensino era com o método mnemônico e com o surgimento da imprensa, evoluiu também para a escrita.

Educar as crianças: fundamento de um povo

Na Idade Média, com reclamações que não havia espaço para educar as crianças, foi feita uma takaná em que a cidade que recebia o rabino lhe fornecia a casa e mais um anexo em sua casa e o rabino mantinha uma yeshivá – um Centro de Estudos – no qual fazia a função de Melamed – educador/professor. Essa takaná de fazer uma yeshivá na ou ao lado da casa do rabino perdurou toda a Idade Média até surgirem as grandes yeshivot (centros de estudos) independentes, em meados do ano de 1800. Na Espanha e nos países árabes esta era a realidade. 

No Leste Europeu, onde se encontravam os judeus chassídicos, na Polônia, Hungria,  a Yeshivá não existia, o que existia eram o Beit Hamédresh ou Beit Midrash  – Casas de Estudo diferenciadas e também bibliotecas em que os  judeus iam lá para estudar – já não ligados à casa do rabino. 

Não havia um estudo formalizado, como hoje em dia. Era um estudo individual que as pessoas iam evoluindo em seus estudos da Torah. Aqueles que conseguiam avançar neles, apesar da difícil vida que levavam, e conforme mostravam que tinham capacidade para mantê-los, a comunidade tratava de subsidiá-los até mesmo depois de casados, para se tornarem futuros líderes educacionais. Este processo durou mais de mil anos, tanto nos países árabes quanto na Europa, mantidas as diferenças entre as comunidades. 

Surge também a figura do chacham sábio, além da figura do rabino. A função de educação sempre foi vista como uma função da comunidade judaica. Outro conceito e prática importante é a prevalência dos estudos sobre o trabalho. Impedia-se que as crianças fossem enviadas cedo demais para o mercado de trabalho. Era de entendimento comum que a comunidade devia educar as crianças e mantê-las em estudo o máximo possível. Talvez daí venha a explicação do baixo nível de analfabetismo entre judeus. Inúmeros governantes, inimigos do Povo Judeu, em seus primeiros éditos ou decretos proibiam os judeus de estudar. 

As takanot de educação permanecem até os dias atuais. É obrigação da comunidade judaica manter a educação das crianças. Este sistema de yeshivot e beit midrash evoluiu para um sistema de Cheder – salas de estudo – mais próximo do que entendemos hoje como escola. Hoje, no Estado do Rio de Janeiro, a comunidade judaica mantém mais de cinco escolas e uma Yeshivá com linhas judaicas distintas.

Em artigo anterior no ISER, publicado aqui, é possível observar que a comunidade judaica no Brasil tende a apresentar níveis educacionais mais elevados do que a média, como exibimos a seguir:

Patricia Tolmasquim, educadora em Direitos Humanos, membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

Imagem de capa gerada por inteligência artificial.