Os dados utilizados neste artigo podem ser encontrados aqui (Datafolha 2020) e aqui (Censo 2010).
Qual o pertencimento religioso dos brasileiros? Buscando responder a essa pergunta, a plataforma Religião e Poder traz a análise de duas importantes fontes de dados sobre religião no país: o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a pesquisa Datafolha realizada em dezembro de 2019. A comparação entre as duas pesquisas nos permite entender como o cenário religioso no Brasil foi transformado na última década. A justificativa para a utilização de duas fontes distintas se dá pelo adiamento do Censo 2020 para 2021 e, posteriormente, para 2022. Com essa mudança, o país fica incapaz de conhecer sua própria realidade e composição social, afetando, assim, o desenho e a implementação de políticas públicas. Numa tentativa de diminuir a lacuna deixada pela ausência do Censo Demográfico, Religião e Poder apresenta nas próximas linhas uma análise comparativa desses dados, sempre acompanhada de gráficos interativos, que tem como objetivo fazer com que jornalistas, pesquisadores, organizações da sociedade civil e pessoas interessadas saibam efetivamente quais as religiões do Brasil.
Ainda que não tenhamos dados censitários atualizados, é possível fazer inferências sobre a população a partir de pesquisas de opinião pública, como essa realizada pelo Instituto de Pesquisas Datafolha, divulgada em parte nesta matéria do jornal “Folha de São Paulo”. Embora seja uma pesquisa amostral, na qual apenas uma pequena parte da população é entrevistada, a forma como essa amostra é escolhida permite que os dados tenham um bom nível de precisão. Dessa forma, podemos explorá-los, ainda que considerando sua margem de erro, para entender como se comporta religiosamente o brasileiro.
No Censo de 2010, realizado pelo IBGE, a população brasileira era composta por 190.755.799 pessoas, distribuídas em 5.565 municípios e em mais de 67,5 milhões de domicílios. Como pode ser visto no gráfico abaixo, 64,99% da população se declarou católica, enquanto 22,89% afirmou ser evangélica. Importante ressaltar que a categoria “Evangélica” está dividida em três subcategorias: Missionária, Pentecostal e Não-determinada. As evangélicas de missão podem ser exemplificadas aqui pelas igrejas Batista, Metodista, Congregacional, Adventista, entre outras; já as pentecostais pela Assembleia de Deus, Maranata, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus e outras. Por fim, aqueles que se definem como evangélicos mas que por múltiplas razões não indicam seu pertencimento denominacional, os não-determinados. Em 2010, 8,04% da população, o equivalente a cerca de 15 milhões de pessoas, disseram não ter religião alguma. Os espíritas eram o quarto maior grupo religioso, com 2% da população professando essa fé. Candomblé, Umbanda e outras religiosidades de matriz africana representavam 0,31% da população, correspondendo a pouco mais de meio milhão de pessoas. O Islã correspondia à 0,02% da população, enquanto o Judaísmo era professado por 0,06%. Outras religiões podem ser analisadas abaixo:
A fonte mais qualificada e recente para avaliarmos o quadro atual das religiões no Brasil é a do Instituto Datafolha, realizada entre 5 e 6 de dezembro de 2019 e publicada em 2020, tendo entrevistado 2948 pessoas acima de 16 anos em 176 municípios do país. Buscando traçar uma linha do tempo para entender as movimentações ocorridas na segunda década dos anos 2000, apresentamos abaixo os resultados da pesquisa. É possível perceber consideráveis diferenças. Ainda que tenhamos uma margem de erro de 2% em todos os índices, é possível notar uma mudança significativa na proporção de católicos: em 2010, representavam 64% da população, em 2020, um total de 50%, podendo esse número variar entre 48% e 52%. É possível perceber também um aumento considerável de evangélicos: de 22% para 31% (29% – 33%) da população. Entre os sem religião, apesar do aumento de 8% para 10%, a variação se encontra dentro da margem de erro, não podendo ser afirmado que houve um verdadeiro crescimento desse grupo. O mesmo pode ser dito para as religiões de matriz africana: apesar de um grande aumento, de 0,31% para 2%, ainda estamos dentro da margem de erro. Ateus representam 1% da população e judeus 0,3%.
As religiões por região e estados
Ao olharmos para os dados sobre religião do Censo 2010 em cada uma das regiões do país, podemos perceber algumas variações importantes entre elas. Em todas as regiões, os católicos eram maioria e totalizavam pelo menos 60% da população. As regiões com menor número de católicos eram o Centro-Oeste, com 60,73% e o Sudeste, com 60,76%. O Nordeste era, em 2010, a região com maior concentração deste grupo religioso no Brasil: 73,21% dos habitantes.
Quanto aos evangélicos, em nenhuma das regiões o grupo alcançou 30% da população, chegando a 29,28% no norte do país. A menor proporção deles é encontrada no Nordeste, com apenas 17,20% da população declarando-se pertencente a esse grupo.
Os espíritas eram mais expressivos no Sudeste, bem como as pessoas sem religião. No Sul, os candomblecistas e umbandistas representavam 0,65% da população, sendo a maior concentração desse grupo em todas as regiões. O Norte é a região com o menor número de seguidores de religiões afro-brasileiras, representando 0,06% da população.
A pesquisa Datafolha 2020 sobre religiões mostra mudanças significativas em cada região. Se a região Sul antes tinha 71,09% da sua população católica, recentemente esse valor caiu para 53%, situando-se entre 51% e 55%. Os evangélicos aumentaram sua presença em 10%, passando de 20% para 30%. As outras religiões, somadas, configuram 17% em toda a região Sul. No Nordeste, o mesmo se verificou: uma diminuição considerável do número de católicos, de 73% para 59%, e um aumento de 10% do número de evangélicos.
De todo modo, é possível afirmar que os católicos não são mais a maioria absoluta da população em todas as regiões, com o Sudeste e o Centro-Oeste apresentando as menores porcentagens nessa categoria. O Sudeste também apresenta a maior concentração de pessoas de outras religiões, sem considerar evangélicos e católicos. A região tem também o maior número de pessoas sem religião: 12%. O Sul e o Sudeste lideram na proporção da população que segue religiões afro-brasileiras, com 3% cada, representando uma flutuação entre 1% e 5%.
No Censo de 2010, os três estados mais católicos do Brasil eram, em ordem, o Piauí, com 85,38% de sua população se declarando católica; o Ceará, com 79,18%, e a Paraíba, com 77,23%, todos estados do Nordeste Rondônia, Roraima e o Rio de Janeiro eram os estados com menor número de católicos: 50,50%, 47,84% e 46,26%, respectivamente.
Em relação aos evangélicos, Rondônia, Espírito Santo e Acre lideravam a lista do Censo 2010, com 34,22%, 33,82% e 33,14%, enquanto os estados com a menor população evangélica eram Ceará, Sergipe e Piauí. É interessante perceber que os estados com menor número de evangélicos são justamente os estados com maior número de católicos, exceto por Sergipe, que figurava em 4º lugar na lista. O Rio Grande do Sul tinha 1,48% da sua população pertencente às religiosidades afro-brasileiras, seguido do Rio de Janeiro, com 0,89% e São Paulo, empatado com Bahia, ambos com 0,34%. Rio de Janeiro (4,05%), Distrito Federal (3,50%) e São Paulo (3,29%) eram em 2010 os três estados com maior proporção de espíritas. O Islã tinha maior concentração no Paraná, enquanto os judeus congregavam majoritariamente no Rio de Janeiro, onde as pessoas sem religião representavam 15,60% da população. O mapa abaixo pode ser explorado a partir do filtro localizado à direita e as tabelas podem ser encontradas em seguida.
As religiões por gênero
No que tange ao gênero, em 2010 a maioria das religiões eram bem balanceadas na proporção entre homens e mulheres. Catolicismo, judaísmo, tradições indígenas e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias apresentaram números mais equilibrados, próximo de 50% para cada gênero. Chama a atenção o desequilíbrio existente no Islã, no qual 59,84% eram do gênero masculino e 40,16% eram do gênero feminino, proporção próxima à encontrada nas pessoas que não declararam sua religião e nos que não a possuíam. Os espíritas tinham, entre si, mais mulheres do que homens, chegando a 58,92% / 41,08%. Entre os evangélicos, as mulheres também eram maioria, com 55,66% de todo o grupo.
Não houve grande diferença para católicos e evangélicos, segundo o Datafolha 2020: dentre os católicos, as mulheres representavam 51% do total de fiéis. Entre evangélicos, esse número somava 58%. Dada a margem de erro de 2%, não se pode falar sobre aumento de mulheres nos dois grupos. Entre os umbandistas, candomblecistas e seguidores de outras religiosidades afro-brasileiras, 61% são mulheres, enquanto 39% são homens. O inverso se verifica entre os ateus, com 38% de mulheres e 62% de homens.
As religiões por cor e raça
Em 2010, segundo o Censo, os brancos eram maioria em todas as religiões, menos entre os evangélicos, com os declarados pardos representando 45,59% desse grupo, contra 44,72% de brancos. O mesmo ocorre dentre os que não sabiam ou não declararam a sua religião. Dentre os católicos, 48,78% se declararam brancos, enquanto 6,78% se declararam preto. No espiritismo, os brancos respondiam por 68,72%, enquanto pretos eram 6,61%, e pardos, 23,43%. As religiões com maior proporção de autodeclarados pretos eram o Candomblé, a Umbanda e outras religiosidades afro-brasileiras, com 21,17%. Já o segmento religioso com maior concentração de brancos era o Judaísmo, com 88,10% dos assim autodeclarados. Os pardos são mais concentrados entre as pessoas sem religião, chegando a quase metade do grupo, um total de 47,07%.
Já em 2020, de acordo com a pesquisa Datafolha, os pardos representam 41% da população católica e 43% da população evangélica. Os brancos respondem por 36% dos católicos e 30% dos evangélicos, enquanto os pretos são 14% dos católicos e 16% dos evangélicos, mostrando um equilíbrio na última década. O que podemos perceber é que os pardos são mais concentrados dentre os evangélicos do que entre os católicos, que possuem maior população branca.
As religiões por renda
Em relação à renda, no Censo 2010, os grupos que mais concentravam pessoas com faixa de renda até dois salários mínimos eram os que não declararam ou não sabiam sua religião (76,76%), os católicos (69,24%) e os evangélicos (69,18%). O Judaísmo e o Islã eram as religiões com menor proporção nessa faixa de baixa renda, com respectivamente 37,96% e 44,67%.
Os mais ricos, ou seja, aqueles que ganham mais de 10 salários mínimos, se concentravam no Judaísmo, representando 23,24% de todo o grupo, seguidos pelos ortodoxos cristãos, com 13,82%. Dentre os católicos, 2% ganhavam nessa mesma faixa de renda, enquanto apenas 1,02% dos evangélicos se encontravam nessa categoria. Nas tradições indígenas, um terço preferiu não responder, enquanto 60,43% ganhava até 2 salários mínimos.
Na pesquisa Datafolha 2020, é possível perceber que evangélicos e católicos são bem equilibrados em todas as faixas de renda entre dois e cinco salários mínimos, apresentando diferenças na faixa de até dois salários. Evangélicos possuem 48% da população nessa faixa e os católicos 46%. Já na faixa de cinco a dez salários mínimos, há 9% dos católicos em comparação com 7% dos evangélicos. Os números, apesar de distintos, são próximos se considerarmos a margem de erro.Ateus e espíritas são os grupos com menor proporção entre a faixa mais pobre, que ganha até dois salários mínimos, empatando tecnicamente com as religiões afro-brasileiras e os sem religião.
As religiões por escolaridade
As religiões com a maior proporção de pessoas sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto, no Censo de 2010, eram as tradições indígenas (75,54%), os que não sabiam ou não declararam (67,83%), os sem religião (59,26%) e os católicos (58,86%). As pessoas com Ensino Fundamental completo ou Médio incompleto são, entre os candomblecistas, 17,87%, e entre evangélicos, 15,81%. Os espíritas apresentam a maior proporção de integrantes com Ensino Médio completo ou Ensino Superior incompleto, alcançando 31,44% da sua população, em 2010, seguidos pelos pertencentes às Tradições Esotéricas, com 30,42%. Os judeus apresentam a maior proporção da população com mais anos de educação, com 45,90% com Ensino Superior completo, seguidos pelos ortodoxos cristãos (31,67%) e espíritas (27,08%).
Em 2020, de acordo com o Datafolha, 42% dos católicos tinham Ensino Médio completo contra 49% dos evangélicos. Cerca de 35% dos evangélicos tinham até o Ensino Fundamental, enquanto os católicos possuíam 38% de sua população com essa escolaridade. Os católicos superaram os evangélicos também no Ensino Superior, com 20% de sua população tendo completado a graduação, comparado com 15% dos evangélicos na mesma faixa. Embora os dados pareçam próximos, é importante ressaltar que as categorias do IBGE compreendem o término de uma etapa educacional e a incompletude da seguinte, inflando os dados, enquanto o Datafolha foca apenas em cada uma das etapas, sem agrupá-las. Importante destacar também que os grupos das religiões afro-brasileiras, os espíritas e os ateus são os que têm a menor proporção com baixa escolaridade, ou seja, apenas Ensino Fundamental. Espíritas são os que mais têm integrantes com Ensino Superior.
As religiões por faixa etária
Segundo o Censo de 2010, o segmento religioso com a maior proporção de pessoas mais novas, com faixa etária entre 0 e 14 anos, são as tradições indígenas, com 40,79% da população com menos de 15 anos. Em segundo lugar, os evangélicos, que em 2010 possuíam 27,35% de crianças e adolescentes. Tradições esotéricas figuraram em último lugar, com a menor proporção de pessoas nessa faixa etária (12,98%). Os brasileiros que não sabiam ou não declararam sua religião, os sem religião e os que pertencem às religiões afro-brasileiras são a maioria na faixa de 20 a 29 anos. Os ortodoxos cristãos e os judeus apresentam a maior concentração dentre os maiores de 70 anos, com 19,29% e 13,46%, respectivamente. Dentre os católicos, o maior grupo, 23,19% dos que professavam a religião, possuía entre 0 e 14 anos, e 17,64% possuía entre 20 e 29 anos. A maioria dos espíritas (17,98%) possuía entre 30 e 39 anos.
Em 2020, segundo o Datafolha, o cenário se mostrou um pouco diferente. Os evangélicos, quando comparados com os católicos, eram a maioria na faixa entre 16 e 24 anos, com 19% no segmento, enquanto os católicos chegavam a 13%. Os evangélicos superam os católicos em todas as faixas etárias até os 44 anos, mas a população católica é mais envelhecida, já que 26% tinha entre 45 e 59 anos, contra 23% dos evangélicos. A população com mais de 60 anos chegava a 25% do total de católicos, enquanto os evangélicos possuíam 16% nessa mesma faixa etária. Apenas 2% dos umbandistas e candomblecistas possuem 60 anos ou mais, enquanto os ateus são mais concentrados nos mais jovens, na faixa entre 16 e 24 anos.
Considerações Finais
Apesar da ausência de dados censitários sobre a população brasileira em 2020, podemos perceber que houve movimentos importantes na última década, principalmente entre evangélicos e católicos. Chama a atenção o aumento do número de evangélicos em todo o país e em cada uma das regiões, com diminuição no número de católicos.
Interessante também notar o envelhecimento da população católica e uma grande concentração dos evangélicos dentre as camadas mais jovens, indicando o investimento do segmento evangélico na juventude. Entretanto, observando os dados de escolaridade, percebemos que, apesar dos católicos atualmente terem mais pessoas com maior escolaridade, os evangélicos vêm avançando na última década no que tange aos anos de estudo.
Por fim, destaca-se que apesar da maioria da população brasileira ser católica ou evangélica, as outras religiões têm um grande espaço e significância na sociedade, seja pela renda, pela escolaridade ou pela divisão geográfica.
Com o próximo Censo, que, esperamos, será realizado em 2022 e liberado ao longo de 2023-2024, poderemos acompanhar melhor o cenário religioso no Brasil e entender os importantes movimentos ocorridos nos últimos anos, compreendendo de forma mais precisa a relação entre o brasileiro e as diferentes expressões religiosas.
Matheus Pestana é cientista político, doutorando em Ciência Política (UERJ) e pesquisador no ISER.