Quem são os deputados e deputadas afrorreligiosos no Congresso Nacional hoje? Quais as principais pautas de seus mandatos? Quais são as similaridades e particularidades em suas trajetórias políticas? Eles formam uma Frente Parlamentar Afrorreligiosa?

Em 2022 tivemos 63 candidaturas de afroreligiosos à Câmara Federal, segundo dados da pesquisa “Candidaturas de religiosos nas eleições de 2022: entre conservadorismos e progressismos no Brasil contemporâneo” (ISER, BOLL e LePar/PPGS-UFF). O número de candidaturas de ativistas do movimento negro e afrorreligioso vem crescendo e ganhando visibilidade como resultado de alguns processos: campanhas de valorização da identidade afro religiosa; percepção da importância de ocupação de cargos eletivos – estratégia de atuação em redes legislativas locais e nacionais; mudanças no sistema eleitoral impulsionando partidos a atraírem, por exemplo, candidaturas de mulheres e pessoas negras; a valorização das identidades como capital político, dentre elas a religiosa (evangélica, católica, afro e outras); a visibilidade de lideranças negras e afro religiosas em agendas variadas em mídias sociais (a dificuldade anterior de acesso dessa população aos meios de comunicação tradicionais contribuía para a invisibilidade da diversidade de suas ações políticas, sociais e intelectuais). 

No tocante a campanhas de valorização, exemplo notório foi a denominada “Quem é de Axé diz que é”, lançada, em 2010, com vistas a uma mobilização do segmento afrorreligioso. O objetivo era se autodeclararem, de modo a aumentarem o percentual de religiosos desta tradição no Censo (em 2000 eram 0,3% da população). A campanha foi uma iniciativa do Coletivo de Entidades Negras, e contou com o apoio da Secretaria da Igualdade Racial (SEPPIR) e da Secretaria de Estado do Rio de Janeiro de Assistência Social e Direitos Humanos, através da Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos. 

Nesta 57ª Legislatura (2023 – 2027), foram eleitos três deputados federais com identidade afrorreligiosa. No entanto, dada a intensa dinâmica de suplentes assumindo os cargos eletivos mediante mudanças de patamar dos deputados eleitos (alguns se afastam do cargo eletivo para assumirem secretarias estaduais, municipais e federais, ministérios e demais cargos públicos), temos, nada data de redação deste artigo, quatro representações afrorreligiosas na Câmara Federal.

Como perfil, estes quatro parlamentares são um homem e três mulheres; um deputado da Bahia, uma de Minas Gerais e outras duas do Rio Grande do Sul, estado com o maior número de habitantes autodeclarados afrorreligiosos, ali chamado Batuque, seguido da Bahia e do Rio de Janeiro, conforme dados do IBGE. 

Chama atenção a escolaridade: todos têm ensino superior completo, reforçando dados do IBGE que atribuem aos protestantes, kardecistas e afrorreligiosos aqueles com maior escolaridade entre religiosos no Brasil. Esta é uma informação relevante dado o estigma, associado a esses cultos e aos seus praticantes, de primitivos, iletrados, incapacitados moral e intelectualmente. 

Interessante observar as diferenças na mobilização pública das suas identidades afrorreligiosas, ligadas à construção de suas carreiras políticas, devendo ser compreendidas em relação a um tempo histórico. Sendo assim, as mulheres mais jovens e muito ativas nas mídias sociais, mobilizam centralmente suas identidades de gênero, racial e religiosa na disputa política. Os deputados sexagenários apresentam suas identidades laborais e de origem como fundantes em suas trajetórias e modos de ação política, embora a deputada do Rio Grande do Sul, mobilize sua identidade de gênero, racial e religiosa mais recentemente como capital. 

Quem são os parlamentares afrorreligiosos na Câmara Federal?

O candidato afrorreligioso mais votado nesta legislatura foi Joseildo Ramos (PT-BA), 66 anos, com mais de 104 mil votos. Ramos é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é servidor público de carreira do Banco do Nordeste. Dentre os eleitos, é aquele com a maior experiência política partidária, tendo uma longa história na administração pública baiana. Foi prefeito de Alagoinha, sua cidade natal, foi duas vezes deputado estadual pela Bahia, está no segundo mandato como deputado federal e já atuou na gestão de governadores petistas. Sua militância pública em mídias sociais não está ligada prioritariamente à questão racial (declara-se pardo) e nem religiosa, e, sim, à defesa do trabalho, da saúde e das tradições populares, assim como temas nacionais ligados à agenda econômica. 

Daiana Santos (PCdoB-RS), 41 anos, é a segunda afrorreligiosa mais bem votada para deputada federal. Sua campanha estava centrada na defesa das tradições afro-brasileiras como o Batuque e dos direitos da população LGBTQIA+. Daiana é formada sanitarista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi eleita como vereadora em 2020, destacando-se como a primeira mulher assumidamente lésbica na Câmara de Porto Alegre. Nesta legislatura, ela se apresenta como a “Primeira Deputada Federal Negra e Sapatão do Rio Grande do Sul”. O combate à discriminação racial, de gênero e homofóbica é central em seu mandato correspondendo ao maior número de postagens nos seis primeiros meses de atuação. 

A terceira mais votada foi Dandara (PT-MG), 29 anos. É pedagoga de formação e foi vereadora em Uberlândia entre 2021 e 2023, sendo a mais votada naquelas eleições. Sua trajetória política começa na vida escolar e se estende durante o período que cursou como cotista o curso de Pedagogia na Universidade Federal de Uberlândia. Seu mandato tem sido dedicado, inicialmente, aos temas da Educação, da atenção primária à saúde, do combate ao racismo e à homofobia. Em suas mídias sociais a deputada aparece quase sempre de turbante, espaço em que pessoas negras são a maioria, bem como postagens com homenagens a mulheres negras com destaque em várias áreas da vida social brasileira. 

Dandara faz periódicos balanços de seu mandato, com a divulgação de conquistas e participações de destaque em comissões e frentes parlamentares. Nesse sentido, preside a Frente Parlamentar Mista Antirracista (FPMA) na Câmara (a mesma frente no Senado é coordenada por Paulo Paim, do PT-RS). Em fragmento do pronunciamento da deputada no plenário da Câmara no dia 21 de março de 2023, Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, ela diz que a FPMA significa 

uma verdadeira estratégia de aquilombamento para que avancemos numa agenda legislativa antirracista, extremamente urgente para o povo preto. A partir dela seremos instrumento de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão, do extermínio da juventude negra e do feminicídio que acomete principalmente as mulheres negras. Atuaremos incondicionalmente em defesa da continuidade, da ampliação e do aperfeiçoamento à Lei de Cotas, lutaremos incansavelmente para elaborar contribuições sob a perspectiva do povo preto acerca dos grandes debates nacionais.

Já temos no calendário nacional o Dia do Evangélico, o Dia da Umbanda, o Dia de Combate à Intolerância religiosa, todas datas comemorativas sancionadas por lei em governos petistas. O dia 21 de março passará a ser agora, por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A lei foi proposta pelo deputado federal Vicentinho (PT-SP), declarado católico, mas que, além de propositor desta lei, compôs em outras legislaturas a Frente Parlamentar de Terreiros. 

A quarta parlamentar afrorreligiosa na Câmara Federal, inicialmente suplente, segundo os resultados eleitorais em 2022, é Reginete Bispo (PT-RS), 60 anos, formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela integra o Movimento Negro Unificado desde 1990 e foi Consulesa Honorária do Senegal. Tem uma longa estrada na política em seu estado e se apresenta nas mídias sociais como “socióloga, mulher, negra, nascida na zona rural de Marau (RS)”.  É fundadora do Akanni – Instituto de Pesquisa e Assessoria em Direitos Humanos, Gênero, Raça e Etnias. Segundo consta em seu website, a organização é formada “por mulheres negras que desde 2005 atuam na solução de problemas que afligem as minorias, principalmente as mulheres e os afrodescendente” A partir de 2008, passou a trabalhar com a população de imigrantes e refugiados, principalmente africanos e caribenhos. 

Nesta legislatura, ainda não foi lançada a Frente Parlamentar de Terreiros (FPT), embora seja intenção de parlamentares, conforme apuramos com a assessoria de alguns de seus antigos integrantes. No entanto, as agendas prioritárias da FPT (combate à intolerância religiosa, educação antirracista e defesa dos territórios da população tradicional de matrizes afro brasileiras) não estão totalmente em descoberto em face da criação da Frente Parlamentar Mista Antirracista. 

Também está relacionada a estas agendas, a própria atenção dada ao tema racial e religioso com a sanção da lei que homenageia as tradições de matrizes africanas no 21 de Março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial, estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966. Vale lembrar que esta data se refere ao Massacre de Sharpeville, ocorrido em 21 de março de 1960, em Joanesburgo, África do Sul. Nesse dia, em torno de 20 mil pessoas faziam um protesto contra a chamada Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão com informações sobre os locais de sua circulação. Mesmo se tratando de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid atirou na multidão desarmada, tendo causado 69 mortes e ferido quase 190 pessoas. Seis anos depois a ONU se manifestou de modo a estabelecer, por resolução, o dia 21 de março como Dia Internacional contra a Discriminação Racial. 

Christina Vital da Cunha é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Universidade Federal Fluminense e colaboradora do ISER desde 2002.

Imagem: Defensores de religiões de matriz africana e da diversidade religiosa marcham a favor da Liberdade Religiosa em São Paulo, 8/8/2018| Foto: Sérgio Silva / Ponte Jornalismo

Saiba mais:

VITAL DA CUNHA, C.. (2021). ATIVISMO NEGRO E RELIGIOSO: O caso da Frente Parlamentar de Terreiros no Congresso Nacional Brasileiro. Novos Estudos CEBRAP, 40(2), 243–259.