Um Leão para um tempo de crise, inclusive climática

Por Clemir Fernandes
- 30 maio 2025
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O novo papa e desafios do mundo hoje
Eleito papa no dia 8 de maio de 2025, Robert Prevost adotou o nome institucional de Leão 14 e foi “entronizado” oficialmente na direção mundial da Igreja Católica Romana no domingo 18 de maio, em cerimônia especial no Vaticano, com a presença não somente de cardeais e outras lideranças católicas, mas de vários governantes de diversos países. Além de líder de uma religião global, o papa é também chefe de estado, com implicações éticas e políticas pelo mundo.
Num tempo de agudas divisões ideológicas e políticas, graves conflitos bélicos, precarização das relações de trabalho, aprofundamento da desigualdade social e da pobreza, agravadas por razões climáticas, a mensagem de Leão 14 na “missa de posse” deu eloquentes sinais de atenção a esses desafios, com compromisso de atuação efetiva por meio de diálogos. O que se espera é que seja um pontificado menos episcopal-piramidal e mais sinodal-relacional.
Nascido nos Estados Unidos onde completou seus estudos, Prevost viveu e desenvolveu a maior parte de seu trabalho religioso, até anos recentes, em outra diferente região da América, o Peru, numa área mais empobrecida do país, dirigindo paróquias e dioceses, em contato direto e ativo com populações variadas, inclusive atingidas por problemas sociais diversos. Essa experiência certamente será um diferencial em sua atuação como líder da Igreja Católica. O que o mundo religioso e político já percebeu, na já citada “missa da posse”, onde ele defendeu o direito dos mais pobres, falou do diálogo e respeito a outras religiões e também enfatizou a necessidade de unidade em sua própria igreja, onde há tensões e divisões internas. O que não é de se surpreender, afinal, é um grupo social, embora com autoidentidade espiritual.
Designado pelo Papa Francisco para cuidar da nomeação de bispos, Prevost pode ter sido a estratégia, consciente e velada, do pontífice argentino para tentar fazer seu sucessor, o que evidenciaria Francisco como um grande jogador da política do Vaticano. O papado é uma instituição religiosa milenar, possuindo raízes profundas na cultura política do antigo Império Romano, logo tem fortes implicações políticas, com alcance diferenciado no contexto global. Por isso, nunca é trivial a sucessão de gestão na Igreja Católica, pois sua influência é ampla e multifacetada.
Lembrando o pontificado de Leão XIII, a quem Leão XIV homenageou ao escolher seu nome, aquele papa deu importante contribuição ao mundo de seu contexto com a encíclica Rerum Novarum (1891), que enfoca a condição dos trabalhadores e seus direitos num tempo marcado por violência do capital sob o espectro do socialismo que rondava o mundo. Hoje, a pergunta que se faz é: Com Leão XIV teremos uma encíclica que evidencie a situação dos trabalhadores informais e com direitos precarizados, por exemplo, que cresce e aumenta injustiça social no atual mundo da tecnologia digital?!
Como Leão XIV lerá os “sinais dos tempos”? A resposta não é simples e demanda atenção e acompanhamento. Como atestam diversas de nossas pesquisas e publicações, o ISER, desde os anos de 1970, tem buscado contribuir para a compreensão do lugar da religião como entrave e/ou como incentivo para construção de uma sociedade democrática. Com esse objetivo, recentemente concluímos um levantamento – ainda não publicado – sobre conservadorismo católico no poder Judiciário.
Comprometido com a laicidade e a diversidade religiosa e contra todas as intolerâncias, o ISER seguirá acompanhando o trabalho do novo papa e da Igreja Católica, também em interlocução com outras religiões, sempre desejando que este novo governo pontifício avance em relação às contribuições do Papa Francisco para um outro e melhor mundo. Com justiça, inclusive socioambiental e climática, paz – como fruto de equidade – direitos, em especial a grupos mais vulneráveis, diversidade, que valoriza as diferenças, laicidade e muito mais. Sem intolerâncias e outras violências, antes pelo espírito fraterno do bem-viver coletivo.
Realçamos, diante da crise climática e seus agravamentos, nossa expectativa quanto à agenda ambiental, que esperamos ser um compromisso ativo de Leão XIV, seguindo os passos de Francisco e sua encíclica Laudato Sí. Tal documento, que completa agora 10 anos de sua publicação, faz aniversário junto com a iniciativa Fé no Clima, lançada pelo ISER em 2015, no mesmo ano do Acordo de Paris, da COP 21.
Diante de tantos desafios de um tempo como este é necessário um Leão (XIV) e muito mais gente, com fé ou sem crença, todos, no entanto, convergentes na construção de caminhos plurais por democracia e direitos.
Como citar
FERNANDES, Clemir. "Um Leão para um tempo de crise, inclusive climática". Disponível em: . Acesso em: .