Todos os projetos de lei monitorados podem ser encontrados aqui.

Desde que o Monitoramento de PLs foi implementado pelo ISER, em fevereiro de 2023, identificamos que temas alvo de intenso debate público acabam pautando a apresentação de projetos na Câmara dos Deputados. Em maio, a comoção nacional com a tragédia no Rio Grande do Sul, resultante do grande volume de chuvas e da ausência de políticas de enfrentamento destes eventos climáticos extremos, motivou uma enorme gama de projetos, dos quais a equipe do ISER destacou uma amostra com as diferentes ênfases.

No mês de maio, também se destacou uma quantidade significativa de proposições de parlamentares alinhados à direita e à extrema direita que se opunham tanto a deliberações de conselhos de políticas públicas sobre práticas de assistência religiosa quanto a diretrizes do governo federal para a segurança pública.

Temas referentes a direitos humanos, já observados em outros meses, como aborto e política de drogas, foram alvo de PLs em maio. Uma curiosa proposição restritiva a ser inserida no Código Eleitoral Brasileiro também chamou a atenção da equipe do monitoramento, uma vez que 2024 é um ano eleitoral.

Temas conjunturais sempre em destaque

Tragédia no Rio Grande do Sul

A deputada afrorreligiosa Dandara (PT/MG), é autora do PL 2000/2024, que dispõe sobre a destinação de recursos para ações de enfrentamento a inundações e alagamentos severos, fundadas no conceito de “cidades-esponja”. Outra deputada afrorreligiosa, Daiana Santos (PCdoB/RS), apresentou o PL 1547/2024, que busca estabelecer medidas mais rigorosas contra o aumento abusivo de preços durante declaração de emergência ou situações de calamidade pública, e dá outras providências.

O católico Alexandre Lindenmeyer (PT/RS) é autor de dois projetos que merecem destaque. Primeiro, o  PL 1945/2024, que define, entre as prioridades da administração pública, o fornecimento de serviços essenciais como gás, água e energia elétrica para instituições e entidades que abrigam crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e pessoas idosas nas situações de emergência e nos estados de calamidade pública. Depois, o PL 2133/2024, que institui o Programa Nacional de Apoio aos Atingidos pelas Mudanças Climáticas (Pronamc), destinado ao apoio de pessoas físicas afetadas por estado de calamidade pública.

A deputada de identidade cristã não-determinada Duda Salabert (PDT/MG) é autora do PL 1629/2024, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), para prever a obrigatoriedade de elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Ação Climática, assim como a respectiva vinculação de recursos para a execução dos Planos. Já o PL 87/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Lindbergh Farias (PT/RJ) dispõe sobre a garantia de orçamento para prevenção de desastres naturais e mitigação das mudanças climáticas. 

O deputado católico Pedro Aihara (PRD/MG) é autor do PL 1603/2024 que estabelece normas para as eleições, para permitir a realização, nos três meses que antecedem o pleito eleitoral, de obras de caráter emergencial relacionadas a desastres climáticos, ambientais ou tecnológicos que ensejem estado de calamidade pública, devidamente reconhecido pela União.

O deputado católico Marcos Polon (PL/MS) é autor do PL 1946/202,4 que estabelece a isenção pelo período de cinco anos de todos os impostos federais para produtos e serviços, com o intuito de promover a reconstrução, desenvolvimento econômico e reestruturação familiar no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências.

O deputado católico Marx Beltrão (PP/AL) é autor do PL 1942/2024 que dispõe sobre a inclusão da temática de educação climática no programa de ensino das escolas na rede pública do país.

As denúncias de abuso sexual cometido em abrigos no Rio Grande Sul, motivou a redação do PL 1898/2024, pelo deputado de identidade religiosa não identificada Célio Studart (PSD/CE). O texto  altera a Lei 2.848, de 1940 (Código Penal), para dobrar as penas de crimes sexuais cometidos dentro de abrigos em estado de calamidade pública decretado.

Reação ao show da cantora Madonna 

O show que encerrou a turnê internacional da cantora estadunidense Madonna, “The Celebration Tour”, realizado nas areias da Praia de Copacabana, no Rio, reuniu mais de 1,5 milhão de pessoas e motivou a proposição parlamentar. O Pastor Sargento Isidório (Avante/BA) é autor do PL 1699/2024, que proíbe “a prática, simulação ou encenação de atos sexuais explícitos (seja ele: heterossexual, homossexual ou qualquer modalidade), de nudez, sexo oral, sexo anal, masturbação ou qualquer outro ato libidinoso em quaisquer espaços públicos ou acessíveis ao público, com a presença ou não de crianças e adolescentes”. O texto também “estabelece medidas para prevenir a exposição indevida a conteúdo sexualmente explícito em ambientes não apropriados e dá outras providências”.

Rechaço a Resoluções de Conselhos de Direitos 

A Constituição Cidadã do Brasil, de 1988, assentada no princípio da participação social, estabelece que, o governo federal deve cumprir as resoluções dos Conselhos de Direitos ou Conselhos de Políticas Pública, estabelecidos pela Constituição de 1988, o que aprofundou o papel de alguns conselhos que já existiam de outros períodos. O objetivo é a participação de cidadãos e cidadãs na formulação, implementação e controle/fiscalização das políticas públicas dos governos em nível federal, estadual e municipal. 

Os conselhos têm as seguintes funções: fiscalizadora das ações dos órgãos gestores, mobilizadora para a participação popular nos temas, deliberativa sobre as estratégias nas políticas públicas de sua competência e consultiva para a emissão de opiniões e sugestões sobre assuntos correlatos. São dezenas de Conselhos, instituídos por lei, que publicam notas técnicas, resoluções, entre outros documentos, como resultado do seu trabalho.

As resoluções, que não têm caráter de lei, indicam ações que devem ser assumidas pelo órgão público ao qual estão relacionados. A composição e a definição legal dos conselhos de políticas públicas, impedem a interferência do governo federal nas decisões. 

Em abril passado, duas Resoluções, publicadas por dois conselhos distintos, que deliberam sobre temas relacionados a práticas religiosas na assistência a dependentes químicos e a pessoas privadas de liberdade, provocaram reações de lideranças evangélicas conservadoras que resultaram em proposições de decretos e leis na Câmara dos Deputados.

Sobre a assistência religiosa e espiritual em prisões

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil, estabelecido em 1980 e com atribuições contidas no art. 64 da Lei de Execução Penal (LEP, nº 7.210, 11 de julho de 1984). 

Em 24 de abril de 2024, o CNPCO publicou a  Resolução nº. 34, que estabelece as diretrizes e normas para a assistência socioespiritual nos estabelecimentos prisionais do país. Ela tem como base o direito à liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Nela são estabelecidas normas para a prática do evangelismo em prisões, sem configurar proibições.

A publicação da Resolução do CNPCP, no entanto, provocou reações públicas de lideranças religiosas e políticas e conteúdo em sites de notícias e mídias sociais de evangélicos. Eles alegam que o encaminhamento configuraria uma restrição à liberdade religiosa de evangélicos  e uma perseguição a este segmento cristão. Tal contexto motivou um significativo número de Projetos de Decretos Legislativos (PDLs) e Projetos de Lei (PLs) da parte de deputados federais evangélicos. Os PDLs não têm a forma de novas leis mas de Decretos Legislativos que regulam as matérias consideradas de competência exclusiva do Poder Legislativo (previstas no Art. 49 da CF), sem a sanção do Presidente da República. 

São vários os PDLs que  propõem a sustação da Resolução nº 34/2024, do CNPCP, entre os quais a equipe do monitoramento destaca: o PDL 237/2024, de autoria de Clarissa Tércio (PP/PE); o PDL 232/2024, de Maria Rosas (Republicanos/SP); do PDL 231/2024, do autoidentificado como cristão não determinado, integrante a Igreja Universal do Reino de Deus,  Julio Cesar Ribeiro (Republicanos/DF), que tem a mesma ementa do PDL 241/2024, de autoria Rogéria Santos (Republicanos/BA). 

Um dos PDLs levantados propõe a sustação parcial da Resolução: é o PDL 233/2024, do deputado evangélico Gilberto Abramo (Republicanos/MG). O parlamentar projeta que sejam sustados os pontos que “poderiam violar a liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade, em particular, os incisos II do art. 1º o inciso I do art. 4ºe o inciso I do art. 19º, que tratam do proselitismo religioso por parte do Estado e de seus agentes, bem como da participação de servidores públicos, empregados privados ou profissionais liberais como voluntários religiosos em espaços de privação de liberdade nos quais tenham atuação profissional direta”. 

O único PDL destacado na pesquisa, que propõe a sustação da Resolução, com autoria de um não-evangélico, é o  238/2024, de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Delegado Paulo Bilynskyj (PL/SP). 

Já o grupo de deputados evangélicos que apresentou PLs nesta temática colocou-se, também, em contraposição à Resolução. O Pastor Sargento Isidório (Avante/BA) é autor do PL 1825/2024, que garante assistência espiritual ou religiosa aos detentos, presos, e demais pessoas que estejam cumprindo pena privativa de liberdade em locais como presídios, casas de detenção, delegacias, quartéis, instituições de medidas socioeducativas e outros onde existam confinamento de pessoas, em todo o território nacional, e assegura o direito das diversas fé e crenças religiosas. 

O Pastor Gil (PL/MA) propôs o  PL 1588/2024, que dispõe sobre um programa de proselitismo religioso em presídios no Brasil. O texto defende a prática de proselitismo religioso nesses espaços, realizado por “representantes de entidades religiosas devidamente cadastradas e reconhecidas pelo Estado, que atuarão de forma voluntária e em conformidade com as normas internas de cada estabelecimento prisional”. O PL ainda prevê que os presídios provejam “espaços adequados para a realização de cultos, cerimônias e demais atividades religiosas, respeitando a diversidade de crenças e garantindo a segurança e a ordem no ambiente carcerário”.

Sobre comunidades terapêuticas 

Uma resolução publicada por um outro conselho de políticas públicas, no mesmo mês de abril, também gerou reações negativas de lideranças religiosas e políticas e conteúdo em sites de notícias e mídias sociais de evangélicos, que denunciaram restrição à liberdade religiosa de evangélicos e uma perseguição a este segmento cristão. Trata-se da Resolução nº 151, de 23 de abril de 2024, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

O CNAS foi instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993, para “promover o controle social da política pública de assistência social e contribuir para o seu permanente aprimoramento, a partir das necessidades da população brasileira”. Algumas de suas principais competências são aprovar a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), regular a prestação de serviços públicos e privados de assistência social, zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de assistência social e convocar ordinariamente a Conferência Nacional de Assistência Social. O CNAS está vinculado ao .Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

Na Resolução nº 151, publicada no Diário Oficial da União, o CNAS define o que são entidades e organizações de assistência social bem como os critérios obrigatórios para que estas sejam reconhecidas como integrantes da Rede Socioassistencial do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

A Resolução estabelece que “a certificação e a fiscalização do certificado de entidade beneficente de entidades e organizações de assistência social vinculadas ao SUAS são de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social, nos termos do Decreto nº 11.392, de 20 de janeiro de 2023”. 

De acordo com o texto do CNAS, deixa de haver reconhecimento automático das Comunidades Terapêuticas como entidades e organizações de assistência social, bem como sua vinculação ao Suas. Também consta na Resolução que as CTs que não cumprirem os requisitos para atuação no Suas, não poderão ser financiadas com recursos destinados à política de assistência social.

O monitoramento do ISER destaca dois PLs propostos como reação à Resolução do CNAS. O PL 297/2024, de autoria da deputada evangélica Clarissa Tércio (PP/PE), susta a Resolução nº 151. Já o  PL 1822/2024, protocolado pelo deputado Pastor Sargento Isidório (Avante/BA) garante aos pais ou responsáveis a imediata internação de jovens e adolescentes, viciados em substâncias psicoativas, em vulnerabilidade social, ou ameaçados de morte por traficantes e facções criminosas para tratamento da dependência química, em entidades que tratem desta doença, legitimadas pelos poderes públicos municipais, estaduais e federais e que comprovem ter em seus quadros profissionais do Sistema Único de Assistência Social como: psicólogos, assistentes sociais, e se possível de psiquiatria.

Rechaço às diretrizes do governo federal para o uso de câmeras corporais na segurança pública

O  Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) lançou, em 28 de maio,  a Portaria nº 648/2024, que estabelece as diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública do país. O órgão afirma que a adoção dos equipamentos representa um marco na modernização da atividade de segurança pública no Brasil, combinando transparência, responsabilidade e proteção dos profissionais de segurança e cidadãos. O principal objetivo da pasta é garantir, simultaneamente, eficácia profissional e respeito aos direitos e às garantias fundamentais, como os da privacidade e da integridade pessoal dos profissionais de segurança pública e da população em geral.

Esta Portaria nº 648, decorre de outra, a de nº 572, da Secretaria Nacional de Segurança Público (Senasp) do MJSP, da mesma data, 28 de maio de 2024, que oficializa a aprovação da Norma Técnica Senasp nº 014/2024. A NT é intitulada “Câmeras Corporais para emprego em segurança pública” e estabelece os requisitos mínimos de qualidade e desempenho aplicáveis ao fornecimento desse item para a atividade profissional de segurança pública, de forma a garantir a segurança, a eficiência e a confiabilidade desse produto.

Parlamentares alinhados à extrema-direita, integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública, popularmente conhecida como Bancada da Bala, responderam criticamente a esta pauta por meio de PLs. O deputado católico Alberto Fraga (PL/DF) é autor de dois projetos para sustação das duas Portarias:  o PL 294/2024 que susta a aplicação da Portaria Senasp/MJSP nº 572, de 28 de maio de 2024, que aprova a Norma Técnica nº 014/2024, e o PL 295/2024, que susta a aplicação da Portaria MJSP nº 648, de 28 de maio de 2024, que estabelece diretrizes sobre o uso de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública. O deputado evangélico Coronel Ulysses (União/AC), apresentou o PL 296/2024 que susta a Portaria 648/2024.

Outras temáticas no campo dos direitos humanos

Restrições duras contra o aborto 

O PL 1904/2024,  cuja autoria coletiva, de 33 parlamentares alinhados à extrema-direita, integrantes das Frentes Parlamentares Católica e Evangélica, e que pode ser consultada aqui, propõe uma alteração na lei penal sobre o aborto. A lei em vigor permite que qualquer mulher que engravide depois de um estupro, que corra risco de morte por conta da gravidez, tenha direito ao aborto. Em 2012, uma decisão do Supremo Tribunal Federal ampliou a permissão para casos de anencefalia fetal, sem limite de idade gestacional. 

O novo PL retrocede todas estas atualizações jurídicas, e propõe equiparar o aborto legal acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, além de por fim à não punibilidade do aborto legal nesses casos. Portanto, de acordo com o projeto, as mulheres que passarem pelo procedimento e os profissionais que fizerem o aborto podem ser punidos com prisão.

O Anuário Brasileiro de Segurança 2023, indica que o Brasil alcançou o recorde de denúncias de estupro, em 2022, com cerca de 75 mil vítimas, boa parte delas crianças e adolescentes. Os 33 parlamentares coautores, desprezam estes dados, ancorados na crença de que o feto é uma pessoa, o que permitiria que legisladores não permitam “que uma pessoa inocente seja morta, para resolver um problema de outra”. O grupo demanda que o projeto seja votado em regime de urgência, que dispensa a análise das comissões temáticas e libera a votação diretamente no plenário. 

Em reação a este projeto, que pode ser votado na Câmara porque aprovado seu regime de urgência, organizações da sociedade civil lançaram uma campanha contra o PL intitulada “Criança não é Mãe”. 

Inserção de restrição no Código Eleitoral

O deputado Helio Lopes (PL/RJ) é autor do PL 1891/2024, que  altera o Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), para proibir que sejam nomeados como presidentes e mesários os representantes de entidades sindicais, líderes religiosos e representantes e ocupantes de cargos de direção de Organizações Não Governamentais que recebam recursos públicos.

Saiba mais:

Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Pesquisadora do ISER.

Laryssa Owsiany é antropóloga, doutoranda em Ciências Sociais (PPGCS / UFRRJ) e pesquisadora no ISER.

Matheus Cavalcanti Pestana é cientista político, professor na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV-ECMI), doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ) e pesquisador no ISER.