Tensão pré-Censo de Religião do IBGE

Foto: Divulgação Censo 2022

Clemir Fernandes

Por Clemir Fernandes

  • 28 maio 2025
  • 6 min de leitura
Tensão pré-Censo de Religião do IBGE
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Sobre a atmosfera da espera dos números sobre identidade religiosa e sem religião no Brasil

Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) os dados sobre religião do Censo de 2022 devem ser divulgados no próximo 6 de junho e isto causa expectativas em muita gente, entre pesquisadores, jornalistas, estudiosos, gestores públicos, mas também lideranças religiosas diversas e pessoas em geral. Tal atmosfera se dá porque religião no Brasil – que nunca foi detalhe – tem se tornado cada vez mais assunto de interesse amplo, com conceitos e preconceitos, razão suficiente para se falar com mais acuidade e cuidado sobre esse tema. 

Nesse caso do Censo, redobrar o olhar para a interpretação dos números, que nunca são exatos nem dizem tudo o que aparentam, é uma responsabilidade fundamental. Como já discutido anteriormente, no texto Quantos estabelecimentos religiosos existem no Brasil? O tamanho institucional da religião no Censo do IBGE, os dados quantitativos revelam, mas também escondem nuances que exigem leituras mais qualitativas e complexificadas para compreensão, sempre dinâmica, da realidade.

O fator, certamente central, dessa tensão e expectativa diz respeito aos índices a serem apresentados pelo IBGE. Num tempo, mais do que nunca, dominado pela métrica das redes sociais de seguidores, compartilhamentos, curtidas e afins, números são aferidores poderosos pois geram mais engajamento, dinheiro, influência, poder político, inclusive eleitoral, e muito mais! Por isso é grande a espera dos números do Censo brasileiro sobre religião.

O interesse é tão grande que até se busca “furos” jornalísticos por se tentar antecipar publicamente dados ainda preservados ou não consolidados. Foi o que aconteceu há cerca de um mês quando o jornalista da GloboNews Gerson Camarotti informou supostos números do Censo, que foram desmentidos pelo IBGE. Segundo ele, os católicos teriam caído de 64 para 60% da população e os evangélicos teriam crescido de 22 para 24%. Se o referido jornalista, que tem um capital respeitado, logo um nome a zelar, conseguiu uma informação confidencial e a divulgou, ainda não se sabe exatamente, mas os dados oficiais a serem conhecidos no dia 6 de junho vão confirmar se ele ou o IBGE, ou até mesmo os dois, fizeram afirmações verossímeis ou não. O futuro, que está logo ali, resolverá em poucos dias essa pendenga.

Um dos possíveis problemas metodológicos desta edição do Censo diz respeito à coleta de dados ter sido feita, em sua maior parte, durante um governo reconhecidamente descomprometido com a ciência e a produção veraz de informações. Isto preocupa e certamente poderá se fixar como uma marca desta edição do Censo, que é impossível de ser corrigida. Apenas na próxima edição, daqui a cerca de cinco anos, se poderá ter dados mais confiáveis, assim se espera. A coleta deste Censo teria sido em 2020, mas ninguém imaginaria uma pandemia, como a da covid-19, que assolou o Brasil e o mundo, o que alterou o calendário do IBGE, que fez o levantamento de forma mais ampla no ano de 2022.

Sobre o fator maior da expectativa, certamente tem a ver com os índices a serem revelados sobre número de católicos, de evangélicos, além dos sem religião, além do panorama das religiões de matriz africana, que também pode trazer surpresas, pois o campo está em franco movimento. Como na edição anterior, o Censo de 2010, lideranças midiáticas evangélicas, principalmente, sempre apostam – ou pregam – um índice maior do que a realidade dos números quando são divulgados. 

Haverá crescimento exponencial do segmento evangélico ou, como já apontado há muitos anos por pesquisadores respeitados como Paul Freston, chegará um tempo de uma espécie de exaustão, por atingir um topo em que outras resistências se dão?! A Igreja Católica seguirá a taxa de declínio? A redução será na média de dez pontos percentuais, como nas últimas edições do Censo? Ou ela pode mostrar reação nessa redução de seu rebanho, principalmente com tantas iniciativas ocorridas na última década, sobretudo de ampliação de comunicação social e virtual, a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco no Rio de Janeiro, em 2013, para ficar simbolicamente nestes exemplos macro?! O catolicismo carismático e assemelhados seguirá sendo o grande bastião de impedir, ainda mais, o suposto declínio do rebanho católico no país?

Os jovens seguirão a tendência de censos anteriores de serem o grupo etário mais destacado entre os sem religião? Ou os jovens estão se tornando mais religiosos, inclusive de dupla ou mais pertenças de fé?

Como será o mosaico das muitas manifestações de religiões afro-indígena-brasileira, inclusive de disputa entre elas, sobretudo a relação entre candomblé e umbanda? Sobre crescimento, trânsito intra-religioso ou possível declínio?

Num tempo de muita “ressurgência religiosa” e de dessecularização do mundo”, para usar expressões de Peter Berger, já criticadas por Cecília Mariz e outros, como ficarão não apenas esses grupos religiosos mais citados no contexto brasileiro, mas, também, espíritas, muçulmanos, judaicos, budistas e outros?

O ISER segue ativo e atento, por meio de seus pesquisadores, mas também de parceiros diversos para analisar, discutir e repercutir os dados do IBGE a serem apresentados. Até por seu compromisso institucional histórico ao manter interlocução qualificada e mesmo consultoria voluntária e informal ao IBGE, por meio de diferentes gerações de pesquisadores. Essa relação começou no Censo de 1991, com Marcelo Camurça; seguindo pelo de 2000, com Clara Mafra; depois 2010, com Christina Vital, Clemir Fernandes, Paola Oliveira e Janayna Lui; e agora nesta edição de 2022, com diferentes níveis de participação temos: Regina Novaes, Clemir Fernandes, Ana Carolina [Carô] Evangelista, Livia Reis, Laryssa Owsiany, Agnes Alencar, Carolina Rocha, Christina Vital, Magali Cunha e Matheus Pestana.

Enfim, na espera dos dados do Censo tem havido diversas reflexões sobre a dança dos índices, que, quando divulgados em edições passadas, tem gerado muitas críticas de grupos religiosos que duvidam ou criam suspeição da metodologia do IBGE. No entanto, todos disputam a interpretação dos dados, o que se atesta como reconhecimento legítimo do trabalho do IBGE, cuja pesquisa sobre índices de religião é a mais respeitada, portanto esperada, do país.

Saiba Mais:

MAFRA, Clara. Censo de religião: um instrumento descartável ou reciclável? Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. [152-160], 2004.

TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). Religiões em movimento: o censo de 2010. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. v. 1, p. 11-352.

VITAL, Christina; MENEZES, Renata (orgs.). Religiões em conexão: números, direitos, pessoas. Rio de Janeiro: ISER, 2014. (Comunicações do ISER, n. 69).

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