O termo secularismo é uma derivação de uma noção de alcance mais abrangente na estruturação da modernidade ocidental, a de secularização. Esta foi usada “originalmente, na esteira das Guerras de Religião [na Europa do século XVII] para indicar a perda de controle de territórios ou propriedades por parte das autoridades eclesiásticas” (Berger, 1985: 117-118). Porém, em termos teórico-analíticos, ela correspondeu a formulação de Max Weber (1982) a respeito da conquista de autonomia jurídica-política- econômica pela sociedade em relação ao domínio religioso. Isto se deu através de um processo de racionalização do pensamento em meio a um contexto de modernização técnica e dos costumes no Ocidente.

Outras atualizações do conceito foram feitas no desenrolar dos tempos. A de Peter Berger nos anos 1960 argumentava que secularização é “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos” (1985: 119). E a de José Casanova dos anos 1990, para quem secularização pode ser entendida em três dimensões: 1) como diferenciação entre as esferas religiosas e seculares 2) como declínio da influência religiosa na sociedade 3) como confinamento da religião na esfera do privado. Casanova, particularmente optou pela primeira definição. No entanto, a despeito da diferenciação, ele também não exclui a dinâmica de contatos e interferências entre estas duas esferas. Por isso a religião tem incidência na esfera pública, não mais como ator privilegiado, mas como um de seus personagens, dentre outros. Processo que Casanova chamou de “religião pública” (2006). Até por isso, o meio religioso não é incompatível, mas ao contrário, possui conexões com a modernidade (Davie,2007).

MULTIPLICIDADE DE TERMINOLOGIAS E PERSPECTIVAS DE SECULARISMO E LAICIDADE

Fenella Cannel no seu “The anthropology of secularism” ressalta o caráter polissêmico do termo e de seus correspondentes, com distintos empregos de acordo com a orientação teórica e o contexto histórico-social. A noção de secularismo tem seu uso corrente para o inglês e línguas anglo-saxônicas. Em inglês: “secularism”, “Secular State” expressam o fenômeno de separação jurídica do Estado e do ensino público da influência religiosa (Mariano, 2011:245). Ao passo que para a França, Portugal, Turquia, México e Uruguai entre outros, este fenômeno é conhecido como laicidade. No Brasil, secularismo é um termo estranho na nossa literatura embora a teoria da secularização fosse empregada e palco de intensos debates. Laicidade parece ser um termo atualmente cada vez mais utilizado tanto no seu sentido êmico pelos ativistas, quanto acadêmico pelos pesquisadores.

Do ponto de vista conceitual, secularismo e laicidade, dizem respeito a separação jurídico-institucional entre Estado e igreja, assegurando a autonomia do Estado e de suas instâncias de gestão da ciência, educação, saúde, sistema jurisdicional em relação à influência religiosa. O secularismo/laicidade implica na neutralidade do Estado em matéria religiosa; assim como de tratamento igualitário por este a todas religiões (majoritárias e minoritárias) e no exercício da garantia da liberdade religiosa e de consciência (incluindo a liberdade de não se possuir religião). Na comparação com o conceito mais englobante e gerador, o de secularização, este significa mais a tendência histórica societária e cultural (contestada se tomada como universalmente necessária, ver abaixo) onde a religião perde paulatinamente a influência nas sociedades modernas e plurais.

Na verdade, os dois termos – secularismo e laicidade – se superpõem e se convalidam reciprocamente. Pelo fato de sua utilização cobrir uma série de situações históricas, geográficas, sociais e culturais particulares, é mais adequado utilizar a expressão na sua forma plural.

SECULARISMO(S)

Para Emerson Giumbelli, o uso no plural dos termos: secularismo e seu homônimo, laicidade, se explica por um lado, pela evitação deliberada dos estudiosos de empregar modelos fixos de referência e por outro, pela busca de comparação entre todos os casos como perspectiva geral de análise (2013:44).

Da mesma forma, o processo de fundo donde se deriva as duas noções, o de secularização também não pode ser visto como unilateral, pois como dizia Berger: “embora a secularização possa ser vista como um fenômeno global (…) sua distribuição não é uniforme” (1985:120).

Nesse sentido a “teoria da secularização” em voga nos anos 1960, foi posteriormente criticada pelo seu víeis teleológico e monocausal que tomava a Europa e o ocidente como única via e modelo de um processo inevitável que se espalharia pelo mundo modernizando-o e secularizando-o. Passou-se a compreender que há múltiplas formas de secularização, secularismo e modernidade (Eisenstadt, 2000) em várias regiões como: o caso emblemático da Índia e o dos países asiáticos e Américas, respeitando seus desenvolvimentos históricos, étnicos e culturais, em composições, negociações e influências mútuas entre meio secular e religioso. David Martin no seu conhecido livro, analisa duas experiências de arranjo de secularização: o da França onde seu Estado laico foi erigido contra a religião (católica) monopolista do Ancien Régime, submetendo-a para que um novo poder civil se consolidasse. E o dos Estados Unidos em que o Estado Secular foi construído em nome da liberdade religiosa, contra a possibilidade de monopólio de uma religião sobre outras, cabendo a este Estado assegurar a existência de todas de modo equânime (1979).

Retornando a reflexão de Giumbelli, pode-se depreender dentro da multiplicidade que atravessa os dois termos, um padrão de recorrência que orienta as análises: quando são examinados “casos clássicos e modelares” e quando os termos “laicidade e secularismo se tornaram recentemente pautas socialmente controversas” (2013:45).

E este segundo parece ser o caso das pesquisas atuais no Brasil!

Marcelo Camurça é Professor Titular no Departamento de Ciência da Religião na UFJF, pesquisador bolsista de produtividade do CNPQ e membro do Conselho Assembleia dos Associados do ISER

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.

CANNEL, Fenella. The anthropology of Secularism. Annual Review of Anthropology, v.39, 2010, p.85-100.

CASANOVA, José. Rethinking Secularization: a global comparative perspective. The Hedgehog Review, 2006, vol. 8, n. 1/2, p. 07-22.

DAVIE, Gracie. The sociology of religion. London: Sage Publications, 2007.

EISENSTADT, Schmuel. Multiples modernities. Deadalus, v. 129, 2000.

GIUMBELLI, Emerson. Para estudar a laicidade, procure o religioso. In: Verónica Giménez Béliveau, Emerson Giumbelli (Orgs.). Religión, cultura y política en las sociedades del siglo XXI. Buenos Aires: Biblos, 2013.

MARIANO, Ricardo. Laicidade à brasileira: católicos, pentecostais e laicios em disputa na esfera pública. Civitas, 2011, p.238-259.

MARTIN, David. A general theory of secularization. Oxford: Basil Blackwell, 1979.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.