O Instituto de Estudos da Religião (ISER) oferece a pesquisadores e interessados nas reflexões e estudos em torno da relação entre religião e política, os resultados da pesquisa “Religião e eleições: as candidaturas com identidade religiosa em 2022”. A equipe do ISER produziu dados primários (abertos, disponíveis para download aqui) sobre candidaturas à Câmara Federal em oito estados: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, entes federativos com grandes colégios eleitorais e/ou que destacam a importância da religiosidade em seus aspectos culturais. 

A pesquisa segue a mesma metodologia construída para a identificação das candidaturas com identidade religiosa em 2020, quando dados quantitativos e qualitativos foram levantados para analisar a mobilização da religião nas eleições municipais daquele ano.

Nos oito estados pesquisados, 5.670 candidatas e candidatos concorreram às eleições ao todo. Deste total, 52,66% (2.986) tiveram seu pertencimento religioso identificado: a maioria das candidaturas era de homens (69,52%), brancos (52,24%), cristãos (38,89%), ligadas a partidos de direita (55,19%) e mobilizou a religião e/ou moralidades religiosas de alguma forma durante a campanha (78,29%).

Ao longo de seis meses de pesquisa, a equipe pôde observar as estratégias, os discursos e as alianças políticas de candidaturas localizadas tanto no campo conservador quanto no campo progressista. Os  dados mostram  que,  aproximadamente,  70%  (cerca  de  dois  mil  candidatos com  identidade  religiosa)  mobilizaram  religião  diretamente  durante  a campanha. Os demais mobilizaram de forma indireta ou não mobilizaram religião no período, apesar de uma parte deles ter pertencimento religioso.

O estado do Pará aparece como destaque, uma vez que teve 100% das vagas eletivas ocupadas por deputados com identidade religiosa. O Rio Grande do Sul, por outro lado, teve a menor taxa: 64,61%.

Do total de candidaturas com identidade religiosa, 38,89% (1.161) dos candidatos se declararam cristãos (de forma genérica); 26,36% (787), católicos; 20,76% (620), evangélicos; 3,34% (100), afrorreligiosos; 0,56% (17), espíritas; 0,36% (11), judeus; 0,3% (09), seguidores de tradições esotéricas; 0,03% (01), agnóstico; 0,03% (01), adepto de espiritualidades indígenas; e 0,03% (01) era budista. Outros 9,07% (271) não tiveram pertencimento identificado, apesar de terem mobilizado religião durante a campanha.

Em  todos  os  estados,  à  exceção  do  Pará,  há  predominância  de candidatos  e  candidatas  que  se  identificam  como  “cristãos”  de  forma não determinada. Optamos por utilizar, na pesquisa, a mesma categoria que o IBGE lançou mão no Censo de 2010 – “não determinados” – para classificar os autoidentificados como “evangélicos” que não declararam vinculação  específica  com  uma  determinada  igreja.  Nesta  direção, nesta  pesquisa  “cristãos  não  determinados”  são  aqueles  candidatos e  candidatas  que  se  autoidentificaram  como  “cristãos”,  ou  assim foram  identificados  por  conta  de  sua  exposição  pública,  mas  não manifestaram vinculação específica com uma determinada igreja.

Este grupo soma 38,89% do total de candidaturas com identidade religiosa, seguidos de católicos e evangélicos.  A ocorrência da identificação “cristã” em candidaturas, estratégia de campanha de católicos e evangélicos vem sendo observada em número crescente desde 2016. Nas eleições municipais de 2020, a identidade genérica “cristãos” formou o grupo com o segundo maior número de candidaturas às eleições municipais, concentrando-se, à época, em partidos de direita, como o PSL, e de centro-direita. É uma tendência que deve permanecer em pleitos eleitorais futuros.

O Pará teve maioria de católicos (30,1%), que aparecem na pesquisa como o segundo grupo religioso em número de candidaturas em todos os estados, com 36,6%. Um ponto que chama atenção na pesquisa é o desempenho eleitoral dos católicos. Foi alto o número de candidatos católicos, apesar da centralidade dada às candidaturas de evangélicos no debate público, dado que merece ser observado. Destaca-se, ainda, o fato de que a maioria dos candidatos católicos disputou as eleições pelo Partido Progressista (8,40% das candidaturas católicas).

Não por acaso, candidaturas católicas em partidos de direita e de centro foram mais eleitas, com 31,42% e 41,42%, respectivamente. Quando considerado o total de candidaturas com identidade religiosa que alcançaram a eleição, a maioria dos católicos foi vitoriosa no Pará (70,60%) e na Bahia (64,70%). 

Em todos os oito estados, evangélicos mantiveram uma média de 20,77% do total de candidaturas com identidade religiosa, com Rio de Janeiro (27,7%) e Bahia (23,77%) apresentando os maiores índices, seguidos de Goiás (22,04%), Pernambuco (21,9%), São Paulo 18,90% e Rio Grande do Sul (18,83%). A Igreja Universal do Reino de Deus demonstrou que suas estratégias eleitorais continuam eficientes e suas candidaturas oficiais mostraram-se atentas a questões sociais, como violência contra mulheres, empreendedorismo e debate racial.

Entre os grupos não-cristãos, minoria com um total de 4,5% das candidaturas, os afrorreligiosos são os mais expressivos, com 3,3% do total de candidaturas com identidade religiosa.

No que diz respeito às tendências ideológicas e partidárias, 55,19% (1.648) das candidaturas com identidade religiosa eram vinculadas a partidos de direita, com maior ocorrência no Partido Liberal (PL), no Republicanos e no Partido Progressista (PP). Outros 27,73% (828) eram vinculadas a partidos de centro, com predominância do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e do Partido Social Democrático (PSD), e apenas 17,07% (510) eram vinculadas a partidos de esquerda, com predominância, em ordem a partir da maior ocorrência, do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT).

O destaque ao PL nas candidaturas corresponde à identidade governista do partido, enquanto a maior ocorrência de candidaturas com identidade religiosa de esquerda no PT se justifica por ser este o maior partido desta tendência.

Candidatos que se identificaram genericamente como cristãos se concentraram no PL e no Republicanos, com 113 e 90 candidaturas, respectivamente. Candidatos católicos tiveram vinculação maior no PP, 66 candidaturas, e o PT, com 60. Os evangélicos se concentraram mais no Republicanos (62 candidaturas) e estiveram em menor número nos PSOL, Cidadania, REDE e NOVO.  Os candidatos afrorreligiosos ocuparam mais espaço no PSOL (25 candidaturas) e no PT (13 candidaturas). 

Há outros dados referentes a gênero, raça, às formas de mobilização da identidade religiosa, tipo de vinculação religiosa de candidatos, desempenho eleitoral por pertencimento religioso, categorias que seguem a metodologia estabelecida pelo ISER em 2020, refinada a cada processo de investigação. Este conjunto de dados reafirma a necessidade, destacada nas pesquisas do ISER, de se considerar que as diferentes religiosidades são parte fundamental da sociabilidade dos brasileiros e, consequentemente, de agentes políticos de orientações ideológicas e espectros políticos variados.

 

Isso significa considerar que moralidades religiosas são mobilizadas publicamente de formas distintas, por atores políticos diferentes, em maior ou menor proporção. Quer dizer, também, afirmar que é preciso levar em conta essas nuances se se pretende compreender efetivamente a importância da religião como capital político, cultural e social na orientação do voto, além, é claro, de entender as dinâmicas internas de cada religião ou religiosidade no espaço público.

Acesse aqui o relatório completo.

Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Pesquisadora do ISER.

Laryssa Owsiany é antropóloga, doutoranda em Ciências Sociais (PPGCS / UFRRJ) e pesquisadora no ISER.

Lívia Reis é antropóloga, pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ e coordenadora de Religião e Política no ISER.

Matheus Cavalcanti Pestana é cientista político, professor na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV ECMI), doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ) e pesquisador no ISER.