Atualizado em: 20/12/2022 às 11h56
O Instituto de Estudos da Religião (ISER) coloca à disposição do público os resultados da pesquisa “Religião e Voto: uma fotografia das candidaturas com identidade religiosa nas Eleições 2020”. O conteúdo, com dados abertos para download, analisa as formas pelas quais candidatos ao poder Legislativo mobilizaram sua identidade religiosa nas campanhas para as Eleições 2020 em oito capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Goiânia.
Os dados produzidos foram obtidos por meio do monitoramento e da análise das mídias sociais de candidatos ao Legislativo dessas cidades e buscou identificar, entre mais de 10 mil candidaturas, aquelas que tinham algum vínculo ou identidade religiosa. Mais do que analisar isoladamente os casos acompanhados, observar todo o conjunto de dados permitiu que o ISER: 1) identificasse as especificidades dos processos eleitorais nas diferentes cidades – incluindo as alianças estabelecidas local, estadual e nacionalmente e; 2) explicitasse como o “religioso” apareceu, em suas múltiplas formas, como elemento mobilizador de plataforma eleitorais nas disputas por cargos eletivos.
As mais de 800 páginas que reúnem todos estes resultados estão disponíveis para acesso livre, nos dois volumes do e-book “Religião e Voto: uma fotografia das candidaturas com identidade religiosa nas Eleições 2020”, que podem ser baixados nos links a seguir.
Diagramação e capa: André Oliveira
Já os dados completos das candidaturas estão separados por capital e disponibilizados em formato Excel nos seguintes links: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belém, Goiânia, Porto Alegre e Recife.
Neles o leitor encontrará as listagens de todas as candidaturas monitoradas, divididas por cidade, com dados como partido, raça, escolaridade, pertencimento entre outros. O intuito é que, a partir desses dados, pesquisadores, jornalistas e interessados possam qualificar e ampliar seu conhecimento sobre a relação entre religião e política no Brasil
O que dizem os números?
Em pouco mais de um ano de pesquisa, realizada entre setembro de 2020 e dezembro de 2021, a equipe de pesquisadores pôde observar as estratégias, os discursos e as alianças políticas de candidaturas localizadas tanto no campo conservador quanto no campo progressista. No total, foram contabilizadas 1.043 candidaturas com identidade religiosa nas oito capitais monitoradas.
Assim, apesar de representarem, em média, 10,71% do total de candidaturas, ao final das eleições os candidatos com identidade religiosa passaram a ocupar, também em média, 51,35% das cadeiras de cada Câmara Municipal pesquisada. Os dados também demonstram que candidaturas que mobilizaram a religiosidade de forma direta durante a campanha foram mais votadas. Consequentemente, indica que a mobilização de aspectos religiosos e morais, de diferentes formas, é uma estratégia eficaz para a eleição de candidaturas.
A cidade de Salvador aparece como destaque, uma vez que teve 69,77% das vagas eletivas ocupadas por vereadores com identidade religiosa. Porto Alegre, por outro lado, teve a menor taxa: 36,11%. Curiosamente, estas também são as duas cidades com o maior número de candidatos afrorreligiosos. Em Porto Alegre, o número referente a este grupo religioso chegou a 27,5% das candidaturas com identidade religiosa, índice muito superior ao de qualquer outra capital. Dados sobre religiões afro-brasileiras no sul do país podem ser encontrados aqui.
De modo geral, o número de candidatos com identidade religiosa tende a ser proporcional ao número de cadeiras disputadas em cada cidade. Desta forma, São Paulo – que tem 55 cadeiras, a maior quantidade do país – apresentou o número mais expressivo de candidaturas com identidade religiosa.
Os evangélicos se destacam em todas as capitais, com cerca de 50% do total de candidaturas com identidade religiosa: Belém (49,5%), Goiânia (47,5%), Recife (60%), Rio de Janeiro (51,9%), Salvador (64,8%) e São Paulo (52,8%). Belo Horizonte (40,5%) e Porto Alegre (33%) apresentaram os menores índices de candidatos evangélicos. A Igreja Universal do Reino de Deus demonstrou que suas estratégias eleitorais continuam eficientes e suas candidaturas oficiais mostraram-se atentas a questões sociais importantes, como violência contra mulheres, empreendedorismo e debate racial. Tratam-se de temáticas atuais e relevantes que voltarão a ser abordadas nos próximos pleitos.
A identidade genérica “cristãos” formou o grupo com o segundo maior número de candidaturas em todas as capitais, concentrando-se em partidos de direita, como o PSL, e de centro-direita. As exceções foram Porto Alegre, onde este grupo empatou com os católicos (17,5%), e Salvador, onde ocorreu o mesmo, com 12,5% de católicos e 10,9% de cristãos.
A mobilização dessa identidade possibilita um diálogo mais amplo com evangélicos, católicos e também com aqueles que se definem como cristãos mas não frequentam uma igreja específica, afirmando-se como uma tendência que deve permanecer em pleitos eleitorais futuros. Em relação a esse aspecto, chama a atenção a grande incidência de candidatos ligados a igrejas comumente classificadas como evangélicas, como a Assembleia de Deus e a própria Igreja Universal do Reino de Deus, que se identificaram como cristãos em suas mídias sociais.
Outro ponto que chama atenção na pesquisa é o desempenho eleitoral dos católicos. Foi alto o número de candidatos católicos apesar da centralidade dada às candidaturas de evangélicos no debate público. Este é um dado que merece ser observado. Destaca-se, ainda, o fato de que a maioria dos candidatos católicos disputou as eleições pelo PT (48% das candidaturas católicas), o que indica a importância do trabalho das pastorais sociais. São Paulo foi a capital que mais concentrou candidaturas católicas, em números absolutos: foram 32 candidaturas ao todo. O Rio de Janeiro não ficou atrás, com 30 candidaturas. Recife e Salvador foram as capitais com menor número de candidaturas católicas, em número absolutos.
Em contrapartida, candidaturas católicas em partidos de direita e centro-direita foram mais eleitas. A maioria dos católicos foi eleita em São Paulo (60%) e em Salvador (35,71%) – percentual relacionado ao total de candidaturas com identidade religiosa eleita.
Evangélicos foram a maioria dos eleitos em todas as capitais, menos em São Paulo e Salvador. No Rio de Janeiro, este grupo empatou com os que se identificam como cristãos (37,5%). Em Porto Alegre e Salvador houve afrorreligiosos eleitos, respectivamente 25% e 14,29% do total de vitoriosos com identidade religiosa.
Em relação à divisão por gênero das candidaturas com identidade religiosa, a desigualdade é maior entre católicos, com 78,45% de homens e 21,55% de mulheres. Judeus são 75% homens e 25% de mulheres, sendo seis homens e duas mulheres. Evangélicos e cristãos estão próximos na desigualdade de gênero, com cerca de 72% de homens e 28% de mulheres. Afrorreligiosos e budistas são os mais equânimes, com 56,25% de mulheres e 43,75% de homens no primeiro, e 50% para ambos no segundo, respectivamente.
Apesar de pessoas negras representarem a maioria das candidaturas com identidade religiosa, com média superior a 50% em cada cidade, pessoas brancas foram mais eleitas. Pretos e pardos somam 32 candidaturas com identidade religiosa eleitas em todas as cidades pesquisadas, um total de apenas 5,16% das candidaturas desse grupo. Brancos, por sua vez, somam 61 eleitos com identidade religiosa nas oito capitais, e representam 14,98% de todas as candidaturas de pessoas brancas. Salvador foi a capital com mais candidaturas com identidade religiosa autodeclaradas negras, 85,16% do total, seguida por Belém (82,16%), Belo Horizonte (61,16%), Goiânia (60,98%), Recife (60%), Rio de Janeiro (54,32%), São Paulo (44,10%). Porto Alegre foi a capital com menos candidaturas negras, com 34,95% do total de candidatos com identidade religiosa.
Os partidos que apresentaram o maior número de candidaturas com identidade religiosa foram o PSC e o Republicanos, com 118 e 117, respectivamente. Evangélicos se concentraram mais no PSC (75 candidaturas) e estiveram em menor número nos partidos identificados com a esquerda, como UP, PC do B, PSOL e PT.
De maneira geral, os partidos com menor concentração de evangélicos foram o PCdoB (cinco candidaturas), PV (cinco candidaturas), REDE (três candidaturas) e UP (uma candidatura). Já candidatos católicos tiveram vinculação maior com a esquerda: o PT foi o segundo partido com maior número de católicos, com 19 candidaturas, próximo ao PSD que foi o primeiro, com 20. Os candidatos afrorreligiosos ocuparam mais espaço no PDT (oito candidaturas) e no PT (oito candidaturas). Candidatos que se identificaram genericamente como cristãos se concentraram no Republicanos e no PSL, com 40 e 34 candidaturas, respectivamente.
A pesquisa oferece, ainda, uma abordagem qualitativa que monitorou as mídias sociais de candidatos selecionados nas oito capitais. Se, em geral, havia nos debates de campanhas municipais a predominância de temas como infraestrutura, saúde, mobilidade e gestão, atualmente há também forte ênfase nas pautas morais. O material coletado, portanto, tornou possível a elaboração de 15 “contextos de mobilização” verificados nestas campanhas, que formam o conjunto dos seguintes temas observados nos discursos desses candidatos: Direitos sexuais e reprodutivos; Cristianismo como categoria de disputa; Família e Infância; Religiosidade e práticas religiosas; Ação Social/Missão e Justiça Social; Cultura; Liberalismo econômico e empreendedorismo; Debate de gênero; Debate racial; Segurança Pública; Saúde; Educação; Juventude; Relação com o governo Bolsonaro e Alianças entre religiosos.
Também importa destacar que este monitoramento mostrou que alguns casos que ganharam o noticiário nacional e internacional, ocorridos durante a campanha eleitoral, foram mobilizados politicamente por candidaturas com identidade religiosa em todas as capitais. Isso revelou o potencial mobilizador desses eventos e as estratégias eleitorais empregadas por candidaturas, em sua maioria conservadoras, em torno deles. As repercussões de fatos como o incêndio provocado em uma igreja no Chile e o caso do estupro sofrido pela modelo e influenciadora digital Mariana Ferrer são alguns dos exemplos. Casos como esses precisam ser melhor observados e considerados em virtude da centralidade da agenda moral nas eleições. Por ora, os relatórios indicam que eles foram bastante repercutidos entre políticos que mobilizaram a religião de maneira central em suas campanhas e debatidos de diferentes formas por eles em suas mídias sociais, ensejando debates sobre “cristofobia” e “violência contra mulheres”.
Há uma nova dinâmica eleitoral em curso e casos ocorridos durante a campanha têm potencial para repercutir rapidamente entre candidaturas com identidade religiosa. Consequentemente, também podem ser determinantes para mudar o curso dos debates entre eleitores religiosos – uma vez tematizados por lideranças com milhões de seguidores nas mídias sociais – e por isso devem ser melhor considerados em análises sobre pleitos eleitorais.