O que é e como funciona um conclave?

Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 30 abr 2025.

Imagem: Nathan Howard – 26.abr.25/Reuters.
Reprodução: Internet.

Brenda CarranzaTabata Pastore Tesser

Por Brenda Carranza e Tabata Pastore Tesser

  • 30 abr 2025
  • 7 min de leitura
O que é e como funciona um conclave?
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Com a morte do Papa Francisco em 21 de abril de 2025, a Igreja Católica passará pelo rito do conclave, marcado para iniciar no dia 7 de maio. O período em que a igreja fica sem papa, devido a renúncia ou morte, é denominado Sede Vacante (“sede vazia”), segundo o Direito Canônico. Este período é conduzido pelo camerlengo, o cardeal que verifica formalmente a morte do papa ao bater três vezes com um martelo de prata em sua testa, enquanto o chama pelo seu nome de batismo. Também é função do camerlengo zelar e cuidar dos ritos administrativos após o falecimento do pontífice. 

A história da escolha dos papas acompanha as transformações institucionais da Igreja Católica e seus esforços para garantir a legitimidade espiritual de sua liderança. Com o tempo, o processo de eleição tornou-se mais complexo, realizando-se em segredo e a portas fechadas com chave: daí o termo “conclave”, do latim cum clave. Entre 1268 e 1271, o conclave realizado em Viterbo (Itália) para a eleição de Gregório X prolongou-se por 33 meses, até que a cidade manifestou descontentamento pela duração, o que evidenciou a necessidade da sua regulamentação. Após a eleição, o próprio Gregório X estabeleceu normas canônicas para a condução dos futuros conclaves.

Assim, o conclave atual consolidou-se, há 750 anos, como um instrumento essencial de autonomia e coesão institucional, marcando um avanço decisivo na história da Igreja. Surgido como resposta estratégica à necessidade de proteger a eleição papal de interferências externas, restringiu o direito de voto exclusivamente aos cardeais, os mais altos representantes do clero, mesmo que não exista nenhum impedimento para que qualquer batizado, homem, solteiro, possa ser escolhido, ainda que não seja membro da hierarquia (padre ou bispo). Ao mesmo tempo, o conclave é um espaço altamente ritualizado, onde se desenrolam intensas disputas ideológicas, teológicas e pastorais, verdadeiros jogos de xadrez travados nos bastidores. Tais articulações impregnadas de ritos e símbolos que acompanham a complexa construção de consensos eclesiásticos.

Uma dinâmica ritualizada

Os conclaves modernos configuram-se como uma síntese exemplar entre dinâmica procedimental, litúrgica e hermenêutica da simbologia religiosa. Mais do que um ato eleitoral, tratam-se de cerimônias carregadas de sentido espiritual e histórico, em que cada gesto, cada elemento material e cada etapa seguem uma lógica interdependente, reafirmando a continuidade da sucessão apostólica: “Pedro, sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus, 16:18).

A dinâmica do conclave se inicia formalmente entre quinze e vinte dias, após uma  Sede Vacante, respeitando a necessidade tanto prática quanto espiritual de reunir todos os cardeais eleitores. O processo se realiza na Capela Sistina, epicentro da arte sacra do Museu do Vaticano, que, uma vez isolada do mundo exterior, torna-se o espaço sagrado onde se realizam até quatro votações, chamadas de escrutínios. Essas votações acontecem duas pela manhã e duas à tarde até que se alcance a maioria qualificada de dois terços dos votos. O rigor do sigilo é absoluto: os cardeais são instruídos a não usar sua caligrafia habitual, e qualquer quebra de confidencialidade é punida com excomunhão. A estrutura procedimental é meticulosa e visa, sobretudo, blindar o processo de pressões externas, garantindo que a escolha seja fruto do discernimento interno da Igreja. Atualmente, esse sigilo é garantido com uma varredura tecnológica, sofisticada, da Capela à procura de dispositivos eletrônicos de escuta e registros de imagens.

Em torno dessa dinâmica precisa, instauram-se rituais que dão ao conclave seu caráter sagrado. As sessões são antecedidas por celebrações litúrgicas, e a oração ocupa papel central no processo, reforçando a consciência de que se busca não apenas um líder, mas a manifestação da vontade divina. Caso as votações não resultem em consenso após três dias, o regulamento prevê uma pausa de oração e reflexão, de 24 horas, enfatizando a dimensão espiritual do evento.

Materialização simbólica

Os símbolos, por sua vez, permeiam toda a cena e conferem inteligibilidade e gravidade ao conclave para aqueles que acompanham do exterior. A fumaça que emerge da chaminé da Capela Sistina, preta enquanto não há decisão, branca quando um novo papa é eleito, conecta visualmente o mistério interno com a expectativa dos fiéis e da imprensa. A cor vermelho-púrpura das vestes dos cardeais remete tanto ao poder espiritual quanto à disposição ao martírio. O conjunto de acessórios que manifesta a transformação que se opera de um papado para outro é visível no Anel do Pescador, símbolo do poder pessoal e exclusivo de cada papa, que será destruído após sua morte. A mitra papal, chapéu ricamente adornado de fios de ouro e pedras preciosas, representa a autoridade espiritual e dignidade papal. Dentre as principais vestes, ou paramentos, a batina branca simboliza a dignidade papais; o fanon, pequena capa de seda branca, representa o escudo da fé da Igreja; e o pálio, uma faixa de lã branca com cruzes vermelhas, evoca a missão apostólica. No seu conjunto, a materialidade simbólica visibiliza a unidade católica que um pontífice concentra.

A culminação do conclave é marcada por uma sequência ritualística de alta carga simbólica: a aceitação formal do eleito, ao qual é perguntado três vezes se aceita o cargo, é uma referência ao versículo bíblico do diálogo de Jesus com Pedro perguntado três vezes se o amava (João, 21: 15-17); a escolha de seu novo nome, o trajar das vestes papais na Sala das Lágrimas, localizada ao lado da Capela Sistina, na qual o eleito reza; e, finalmente, sua apresentação pública na sacada central da Basílica de São Pedro. Cada gesto reafirma a ideia de que o novo pontífice é não apenas um chefe de Estado ou líder religioso, mas o sucessor legítimo do apóstolo Pedro, portador de uma autoridade que transcende a história e a política, legitimada pela tradição e pela teologia.

Portanto, no conclave, dinâmica, ritual e símbolo não se articulam de maneira dissociada, antes constituem dimensões complementares de uma mesma realidade. A mecânica da escolha, a solenidade ritualística e o poder evocativo dos símbolos atuam conjuntamente para assegurar que a eleição papal não se restrinja a um ato político, muitas vezes interpretado como eleitoral e democrático, porém o regime de governo do Vaticano é de cunho monárquico eclesiástico absoluto e vitalício, ainda que caiba renúncia. Sem dúvida que, além dos consensos e equacionamento de forças internas, a eleição de um papa é também um evento espiritual de significado universal.

Referências Bibliográficas

VATICANO. Apostolica Sedes Vacans. Disponível em: https://www.vatican.va/content/vatican/pt/special/sede-vacante/sede-vacante-2025.html. Acesso em: 28 abr. 2025.

VATICANO. Camerlengo da Santa Igreja Romana. Disponível em: https://www.vatican.va/content/romancuria/pt/uffici/camera-apostolica.html. Acesso em: 28 abr. 2025.

VATICANO. Cúria Romana. Disponível em: https://www.vatican.va/content/romancuria/pt.html. Acesso em: 28 abr. 2025.

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