Nem conservadora, nem progressista, novo papa encontrará igreja reformista e tradicional
Papa Francisco em Aparecida do Norte. Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Tabata Pastore Tesser
- 22 abr 2025
- 4 min de leitura

O Papa Francisco foi progressista? Essa pergunta, recorrente, traz mais ruídos que respostas. Embora Francisco tenha ampliado o espaço pastoral por meio do seu tom teológico acolhedor, manteve posições tradicionais da Igreja Católica sobre aborto e sexualidade. Reduzir seu pontificado às categorias ‘seculares’ de “progressismo” ou “conservadorismo” parece insuficiente. A Igreja Católica não se define por uma identidade fixa mas por sua capacidade de sustentar, ao longo dos séculos, tensões entre permanência e mudança e um equilíbrio entre hierarquia, herança, tradição e reinvenção.
O papado de Francisco, iniciado em 2013 e encerrado com sua morte em 21 de abril de 2025, marca um capítulo sem precedentes na história da Igreja Católica. Primeiro papa latino-americano, jesuíta e escolhido “no fim do mundo”, como ele próprio declarou ao se apresentar ao mundo. Francisco, o papa do Sul Global, deslocou geograficamente e simbolicamente o Catolicismo para suas margens.
O sucesso ou derrota deste projeto de conversão para as margens ainda precisam ser verificados, uma vez que o declínio do Catolicismo é dado como certo. O que podemos afirmar é que o papado de Francisco encarnou um novo eixo desconsiderado pelos dois antecessores: buscou colocar o Vaticano no diálogo com as periferias do mundo, tentou puxar “pra baixo” os ritos de cima para encará-los nos contextos vividos.
Ao escolher o nome Francisco, inspirado em São Francisco de Assis, em diálogo com o cardeal brasileiro Cláudio Hummes, o papa sinalizou desde o início um projeto pastoral, ecológico e também acenou a uma escolha econômica. Recusou os símbolos de poder, aproximou-se dos pobres, simplificou o papado e afirmou: “como gostaria de uma Igreja pobre para os pobres” e fez uma denúncia centrada na economia do descarte.
Ao longo de 12 anos, seu papado foi marcado por reformas na Cúria Romana, nomeação de cardeais com sensibilidade pastoral e visão global, esforços por maior transparência, acolhimento a vozes dissidentes incluindo mulheres, homossexuais, migrantes, pessoas trans e uma ênfase na escuta, diálogo e na sinodalidade como método eclesial.
Francisco enfrentou a cultura do silêncio diante dos abusos sexuais e adotou posturas firmes contra a pena de morte, alterando oficialmente o Catecismo da Igreja em 2018 para declarar sua inadmissibilidade. Suas três encíclicas marcaram as grandes linhas de seu pensamento, duas marcaram: a Laudato Si’ (2015) de denúncia corajosa da destruição ambiental e crítica à lógica capitalista do descarte e a Fratelli Tutti (2020), um chamado à fraternidade e à amizade social em um mundo fragmentado.
Papas respondem a contextos históricos, pressões internas e externas, e operam com carismas pessoais e institucionais no contexto geopolítico. Seu legado será disputado por fissuras e setores do Catolicismo. Com a morte de Francisco, setores progressistas se veem órfãos de um papa que restaurou, em certa medida, a autoestima da Teologia da Libertação na América Latina.
Noutro campo, grupos como os “bentovaticanistas”, que negam a legitimidade de Francisco e cultuam a figura de Bento XVI forjados em grupos herdeiros da Tradição, Família e Propriedade (TFP) mantêm silêncio ou desdém sobre sua morte, preferindo um modelo de cristandade católico-extremista. Diante disso, talvez devêssemos nos perguntar menos sobre o “perfil ideológico” do próximo papa e mais sobre qual será o carisma do próximo pontífice.
Francisco deslocou o centro da Igreja e olhou para o Sul. A pergunta que resta é: para onde olhará seu sucessor? É improvável que o próximo papa rompa com as estruturas patriarcais e coloniais do Vaticano, assim como é improvável que ceda ao apelo de restauração litúrgica tridentina defendido por setores ultraconservadores. A tensão parece se dividir entre aqueles que empurram a Igreja para uma reforma voltada ao futuro e aqueles que desejam restaurá-la em nome de um passado idealizado.
Mais do que nos perguntarmos se o novo pontífice será conservador ou progressista, a questão central talvez seja: ele continuará escutando as periferias do mundo? Terá coragem de denunciar injustiças, como Francisco fez ao se posicionar sobre Gaza, o genocídio civil e o sofrimento dos refugiados? Será capaz de enfrentar o extremismo religioso, político, e o nacionalismo cristão dentro e fora da Igreja? Como escreveu Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em O Leopardo: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está.” Talvez assim o novo papa encontre a Igreja: em movimento, em disputa, em crise — e, ainda assim, a mesma.
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TESSER, Tabata Pastore. "Nem conservadora, nem progressista, novo papa encontrará igreja reformista e tradicional ". Disponível em: . Acesso em: .