Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 13 set 2022

Instituto de Estudos da Religião analisa tanto a incidência religiosa na defesa de valores autoritários quanto sua contribuição para a cultura democrática no país. Embora o tema tenha ganhado ainda maior destaque no debate público mais recentemente, o interesse pelo estudo das religiões acompanhou a consolidação das ciência sociais enquanto campo científico no Brasil. Em um primeiro momento, grande parte da produção mais geral sobre religiões foi atravessada pelo debate sobre identidade e cultura nacional, tendo como foco as religiões de matriz africana e o catolicismo. Nos últimos anos, entretanto, as pesquisas acadêmicas e não acadêmicas vêm dando especial ênfase ao fenômeno evangélico, mais especificamente à presença pública desse segmento religioso e sua participação na política institucional.

Fundado em 1970, o ISER (Instituto de Estudos da Religião) tem uma extensa contribuição para esse campo de discussão. Como uma organização da sociedade civil que articula produção de conhecimento e intervenção social, o ISER sempre se pautou pela percepção da religião como um fator fundamental de mudança social e uma variável indispensável na busca por melhor compreender e atuar junto à sociedade brasileira, inclusive no que diz respeito à formulação de políticas públicas.

Hoje, o Instituto tem como uma de suas principais atividades a produção de conhecimento no eixo religiões e espaço público. Para isso, reúne uma equipe multidisciplinar composta por cientistas políticos, sociólogos, advogados, antropólogos, jornalistas e cientistas de dados oriundos de universidades e núcleos especializados neste tema, com especial ênfase em religião e política. Como premissa, consideramos religião e política como domínios distintos da vida social que se interpenetram. Trata-se, portanto, de pensar os efeitos políticos no campo religioso e os efeitos dos símbolos e interesses religiosos no campo político, os desdobramentos dessa relação no mundo e as relações de poder que os permeiam.

Nossos projetos têm como objetivos 1) produzir conhecimento qualificado sobre a atividade social e política de grupos religiosos; 2) qualificar o debate público sobre grupos religiosos, sua diversidade e atuação legítima na sociedade, além de divulgar o conteúdo produzido em linguagem acessível. Paralelamente, o ISER também promove diálogos com e entre diversos grupos religiosos para sensibilizá-los sobre a agenda pública de direitos humanos (segurança pública, meio ambiente, educação etc). É na interface entre pesquisa e ativismo, portanto, que o Iser atua.

Há 52 anos, a produção do ISER sobre a interface das religiões com o espaço público é referência e está reunida em livros, relatórios e séries próprias, como o Cadernos do Iser e o Comunicações Iser. O Instituto também edita há 44 anos a Revista Religião & Sociedade, periódico internacionalmente reconhecido que promove divulgação científica de estudos sobre a religião em suas diversas interfaces com a sociedade.

Já as complexas e diferenciadas relações entre evangélicos e política têm exigido um esforço específico de construção de um referencial teórico metodológico do ISER para a compreensão da sociedade brasileira nas últimas décadas. A pesquisa “Novo Nascimento: Os evangélicos em casa, na igreja e na política”, realizada na década de 1990, deu pistas importantes para o cenário que vemos hoje no Brasil e orientou inúmeros outros estudos. Além disso, o Instituto publicou trabalhos que são referência no campo da relação dos evangélicos com a política, em especial sobre a Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional – os livros “Religião e Política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil”, realizado no contexto das eleições de 2010 e “Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014”. Paralelamente, desde os anos 2010, monitoramos a atuação de atores religiosos nos três poderes e as candidaturas com identidade religiosa nos processos eleitorais. Parte do resultado deste trabalho contínuo é divulgada na plataforma Religião e Poder, uma ferramenta que oferece semanalmente dados abertos, reportagens, artigos e análises sobre a interface da religião com a política institucional.

Metodologicamente, nosso trabalho é orientado por duas premissas. Primeiro, a produção de dados primários e secundários que informam e desnaturalizam narrativas correntes sobre uma ou outra vertente religiosa. Para isso, priorizamos em nossas pesquisas a articulação entre métodos qualitativos e quantitativos, além do cruzamento de variáveis igualmente importantes como classe, raça e gênero. Segundo, considerar o acúmulo das ciências sociais da religião para pensar o campo religioso brasileiro de forma relacional e historicamente situada.

Se, por um lado, temos acompanhado a maior incidência de religiosos na defesa de valores e governos autoritários, por outro, é necessário considerar também a contribuição de religiosos para o avanço da cultura democrática no Brasil. Os estudos realizados ou projetos incubados pelo ISER, nas últimas cinco décadas, demonstram bem como as articulações têm ocorrido. Por isso mesmo, nosso trabalho é orientado para identificar novas questões nas mutantes e complexas relações entre religião e política em nosso país. É nesse cenário que nossas hipóteses e análises realizadas têm contribuído para ampliar o conhecimento disponível e para qualificar o debate público. Toda pesquisa, análise, informação e articulação desenvolvida pelo ISER faz parte de sua missão em prol do fortalecimento de uma democracia plural, ancorada na valorização da diversidade religiosa, racial, étnica, de gênero e de territórios, na defesa dos direitos humanos e na busca por uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável.

Ana Carolina Evangelista é cientista política, doutoranda na Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV) e Diretora Executiva do ISER.

Lívia Reis é antropóloga e cientista social, pesquisadora de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS/MN/UFRJ) e Coordenadora de Religião e Política no ISER.

Regina Novaes é antropóloga, professora do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGEDu/UNIRIO) e Coordenadora Acadêmica do ISER.