Comunidades Eclesiais de Base: fé e vida caminham juntas
Foto: Reprodução Portal das CEBs.
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Por Celso Pinto Carias
- 30 nov 2024
- 11 min de leitura
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As CEBs já inspiraram muitas dissertações e teses, e não somente de teologia. A produção literária em torno deste fenômeno religioso cristão, majoritariamente católico, é bastante vasta. Apesar de nos últimos anos tal experiência ter conhecido certo refluxo, a relevância e importância deste fenômeno eclesial continuam presentes na história do cristianismo na América Latina.
O refluxo atual não permite esvaziar por completo a possibilidade de continuidade da experiência. Relembraremos o caminho percorrido através de cinco momentos: o primeiro de preparação, o segundo de consolidação, o terceiro e quarto de avaliação, e o quinto de retomada. E optamos pelos intereclesiais, encontros de caráter nacional no Brasil, como eixo referencial da narrativa, pois como a realidade das CEBs possui um arco de concretizações com certa diferenciação e complexidade, os encontros nacionais servem como marco simbólico desta realidade.
1. A preparação
Há quem coloque os rudimentos iniciais das CEBs no Brasil já pelos idos dos anos 1950. Estaria localizado na experiência da catequese popular de Barra do Piraí (RJ, 1956), nas escolas radiofônicas da Arquidiocese de Natal no início dos anos 60, em grupos que se formaram na Ação Católica, e nos primeiros planos de pastoral de conjunto da própria CNBB (1962-1970).
No entanto, a precisão desta informação não se faz relevante para o nosso objetivo. Fato é que depois do Concílio Vaticano II, na Igreja Católica, somado à respectiva conjuntura social, política, econômica e cultural na América Latina, foi crescendo uma consciência de “cidadania eclesial” que se desdobrou em um maior sentimento de pertença comunitária, com uma respectiva prática de compromisso eclesial envolvendo a missão de evangelizar no contexto de uma sociedade cheia de situações sociais produtoras de enormes injustiças.
O ideal de uma sociedade justa e fraterna foi se cristalizando no interior de boa parte da vida das comunidades eclesiais. Incialmente católicas, porém, com uma forte dimensão ecumênica, podemos afirmar que as CEBs se tornaram um fenômeno que ultrapassou as diversas denominações cristãs, mesmo nas comunidades que não se denominaram CEBs.
Pode-se afirmar, com certo consenso, é que um conjunto de fatos eclesiais e sociais motivou a busca de uma nova organização da prática pastoral. Bispos, clérigos, pastores, teólogos(as), e leigos(as), vislumbraram possibilidades de renovação. Debaixo do entusiasmo propiciado pelo Vaticano II para os católicos, e sob o estimulo de uma reflexão teológica mais latino-americana, a Teologia da Libertação dava os primeiros passos, para os cristãos de modo geral, no final dos anos 60 já se conhecia as primeiras experiências de CEBs. Então, em 1975, 70 pessoas de 11 dioceses, em Vitória (ES), sob o lema “Uma Igreja que nasce do povo pelo Espírito de Deus”, confirmaram, no encontro considerado como o 1º Intereclesial, a chamada “caminhada das CEBs”. No ano seguinte, 1976, cerca de 100 pessoas de 24 dioceses, com a presença de outras igrejas e convidados de outros países, realiza-se o 2º Intereclesial com o lema “Igreja povo que caminha”, estabelecendo-se, de uma vez, a nova experiência eclesial.
2. A consolidação
Em João Pessoa, em 1978, sob o lema “Igreja povo que se liberta’, cerca de 150 pessoas deram continuidade à busca de uma pastoral calcada em comunidades de base. Era o 3º Intereclesial de CEBs. Nesse encontro há um dado marcante: a forte presença de leigos e leigas. Os participantes elaboraram, ao final, três documentos: uma carta aos bispos católicos reunidos em Puebla, no México, para a Terceira Conferência do Episcopado Latino-Americano; uma carta ao Papa Paulo VI; e um documento contendo as principais conclusões do encontro que passará a ser conhecido como “carta final” nos próximos encontros.
O 4º Encontro Intereclesial de CEBs, realizado em Itaici (SP), em 1981, sob o lema “Igreja, povo oprimido que se organiza para a libertação”, já contou com a participação de 300 pessoas, representando, entre outras instituições e países, 71 dioceses do Brasil. Aqui a discussão sobre a eclesialidade foi bastante notória.
O 5º Encontro se deu com a presença de 500 pessoas, de 134 dioceses brasileiras, ressaltando o fato de sua realização ter acontecido no Nordeste brasileiro, em Canindé (CE), lá no santuário de São Francisco das Chagas; o lema foi “CEBs, povo unido, semente de uma nova sociedade”, talvez uma das frases mais repetidas ao longo do processo, e era o ano de 1983.
Em 1986 aconteceu uma mudança significativa. O 6º Encontro Intereclesial de CEBs, realizado em Goiânia (GO), ganha proporções de grande encontro. Sob o lema “CEBs, Povo de Deus em busca da terra prometida”, foi multiplicado por três o número de participantes em relação a Canindé, chegando a 1.647 pessoas. Foi, de fato, uma grande assembleia de mulheres e homens, reunidos para estudar, compartilhar e celebrar.
O falecido bispo católico, Dom Luciano Mendes de Almeida, na época auxiliar na arquidiocese de São Paulo, expressou-se assim: “Quem passava por Trindade, nesses dias, tinha a impressão de uma enorme festa popular, onde os momentos de oração e liturgia uniam-se a cantos e jograis e à alegria simples da consciência fraterna” (Folha de São Paulo, 26/07/1986). O encontro passa a exigir uma preparação e infra-estrutura bem elaborada. Destaca-se nesse encontro, além da participação de 19 evangélicos, a assessoria de um evangélico que muito contribuiu: Jether Ramalho. Depois deste encontro, 1988, foi formada uma Comissão Ecumênica para ajudar na articulação dos evangélicos na preparação do 7º encontro.
3. A estabilização
No 7º Encontro Intereclesial, 1989, no qual 2.528 pessoas, incluindo os serviços, estiveram reunidas em Duque de Caxias (Baixada Fluminense, RJ), há outro dado significativo: as CEBs, com característica predominantemente rural, entram em contado com os graves problemas da urbanização moderna, que no caso da Baixada, é marcada por grandes contradições sociais. Entre os delegados estiveram presentes 100 pessoas de 12 Igrejas Evangélicas, incluindo quatro bispos e um pastor regional. O bispo da época de Caxias, D. Mauro Morelli (falecido 2023), deu ao encontro um forte caráter ecumênico.
No 7º Encontro se dá o ápice da caminhada das CEBs. Os anos oitenta foram repletos de críticas a eclesialidade das CEBs. A Sagrada Congregação Doutrina da Fé da Igreja Católica, em dois documentos (1984 e 1986), fez várias ressalvas à Teologia da Libertação. O teólogo Frei Leonardo Boff, um assessor histórico das CEBs, recebia uma punição atrás da outra.
O momento história estava marcado para uma mudança: a conjuntura social e política estava saindo de um período de ditadura. Respirava-se mais democracia na América Latina. O fenômeno religioso pentecostal tomava proporções avantajadas. As CEBs já conheciam a experiência de ter membros seus envolvidos mais diretamente na política e olhavam com certa perplexidade a desvinculação de alguns deles da caminhada. A temática da relação entre “militância política” e espiritualidade se fazia notar em vários escritos. E assim, um cenário de avaliação começava a ser construído. Uns querendo ir mais à fundo na experiência de engajamento transformador frente à realidade social e de renovação das estruturas eclesiais, outros, sem perder de vista o compromisso e a renovação, desejavam encontrar uma saída para ir ao encontro das massas marginalizadas e esquecidas, que não encontravam espaço nem mesmo nas CEBs.
3. O início do refluxo
Debaixo de certo clima avaliativo, foi realizado o 8º Intereclesial, em Santa Maria (RS), 1992, composto por 2.328 delegados. O lema do 8º foi “Culturas oprimidas e a evangelização na América Latina”. Aqui se percebe a entrada do tema cultura. As CEBs eram criticadas por supervalorizar a questão social em detrimento das questões culturais. O tema começa a ser forçado para dentro da sua reflexão, no entanto ainda com muita dificuldade. O texto-base de preparação para este encontro reserva um capítulo à cultura moderna, mas tratado-a ainda como algo paralelo ao cotidiano das CEBs.
Em São Luís (MA), em julho de 1997, deu-se o 9º Intereclesial. O lema era: “CEBs, vida e esperança nas massas”. Cerca de 2.360 pessoas, continuaram a linha avaliativa. Havia certo sentimento de que as comunidades de base não atingiam o povo tanto quanto os pentecostais, inclusive a Renovação Carismática Católica. Afinal, o caminho eclesial das CEBs conseguiria atingir as massas? Pertenceria à sua metodologia chegar às multidões?
Chegamos ao 10º Encontro Intereclesial de CEBs, que contou com 2.800 participantes. No ano da comemoração do Jubileu, 2.000 anos de cristianismo, em Ilhéus (BA), sob o lema “CEBs: memória e caminhada, sonho e compromisso”, verifica-se que ainda se está em busca de uma melhor encarnação na nova realidade. A redução da presença dos bispos católicos parece indicar certo desprestígio eclesial das CEBs. Não se percebe, com nitidez, para onde o caminho pastoral está sendo conduzindo. Há experiências, no interior das CEBs, de profundo valor evangélico, no entanto, não há a demarcação de uma trajetória planejada para realizar a missão no novo contexto.
4. Continuação do refluxo
O 11º Encontro, em julho de 2005, realizado na cidade de Ypatinga (MG), apontou para a necessidade de um mergulho espiritual no Caminho de Jesus Cristo. O lema era: “CEBs, espiritualidade libertadora: seguir Jesus no compromisso com os excluídos”. Sem dúvida, como diria o teólogo Jon Sobrino, a libertação só se faz com muito Espírito. Estes 30 anos não foram, de maneira alguma, tempo perdido, mas sim de amadurecimento. Foi necessária coragem de olhar para trás, verificar o caminho feito, e lançar um olhar esperançoso para frente, mas com iniciativas e atitudes concretas e possíveis.
Contudo, apesar da crise, da perseguição vinda das estruturas clericais, a caminhada das CEBs a estava consolidada e a partir de três dimensões irrenunciáveis da eclesialidade das igrejas cristãs: uma Igreja de comunidades e ministérios; uma Igreja organizada com a ampla participação de todos os fiéis; e uma Igreja, por razões evangélicas, que toma o testemunho solidário com os excluídos com fator permanente da vida cristã.
5. Tentativas de resposta
Os Intereclesiais de Porto Velho (RO), 2009, com o tema “CEBs, Ecologia e Missão”; de Grato/Juazeiro do Norte (CE), 2014, com o tema “Justiça e profecia a serviço da Vida”; e de Londrina (PR), 2018, com o tema “CEBs e os desafios do mundo urbano”, do 12º ao 14º respectivamente, foram encontros que se caracterizaram por uma presença massiva, com mais de três mil pessoas, que se realizaram dentro de certo paradoxo: mostram que as CEBs estão vivas, mas que por outro lado se percebe a ausência, cada vez mais significativa, de representações da base.
Contudo, o acumulo de reflexão destes encontros levaram as lideranças a mudar a perspectivas. Neste contexto, foi escolhida a diocese de Rondonópolis-Guiratinga (MT), para a realização do 15º Intereclesial das CEBs. Foi realizado em julho de 2023, e contou com uma redução significativa de representantes: 901. Mas a mudança não foi somente na infraestrutura, mas na própria metodologia. O encontro se configurou, predominantemente, com uma presença de lideranças que articulam as bases que não mais estão ligadas a elas diretamente. Assim, vislumbra-se a necessidade de retomar a caminhada com as comunidades em seus territórios, procurando fortalecer caminhos alternativos para a sociedade e para caminhada cristã.
Referência Bibliográficas
TEIXEIRA, Faustino Luiz Couto. A gênese das CEBs no Brasil: elementos explicativos. São Paulo, Paulinas, 1988.
LESBAUPIN, Ivo et ali. As CEBs hoje. Rio de Janeiro / São Leopoldo: Iser Assessoria / CEBI, 2004.
CARIAS, Celso & RODRIGUES, Solange (orgs). CEBs, fundamentos e desafios. Belo Horizonte, Editora Senso / Iser Assessoria, 2020.
Como citar
CARIAS, Celso Pinto. "Comunidades Eclesiais de Base: fé e vida caminham juntas". Disponível em: . Acesso em: .