Todos os projetos de lei monitorados podem ser encontrados aqui.

Em agosto de 2024, o Monitoramento de Projetos de Lei na Câmara Federal, realizado mensalmente pelo ISER, indica que as pautas que emergem da conjuntura e da cobertura midiática seguem orientando a apresentação de projetos por parlamentares. Nesse mês, o destaque foi o combate a incêndios e queimadas, que se espalharam  por todo Brasil. Clima seco, centenas de focos de incêndio, cidades sufocadas pela fumaça, pessoas intoxicadas, morte de animais, falta de água e prejuízos bilionários no campo: eis o cenário de calamidade pública instaurado no Brasil em agosto de 2024. 

Segundo dados do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), embora a seca tenha se intensificado entre maio e agosto de 2024, desde o segundo semestre de 2023 este cenário vinha se desenhando, especialmente na faixa que vai do Acre e Amazonas até São Paulo e o Triângulo Mineiro. Atualmente, existem municípios que estão em situação de seca há pelo menos 12 meses ininterruptos, acompanhada pela baixa significativa do nível dos rios e pela alastrada propagação de fogo. Para saber mais.

Vivemos a seca mais intensa e uma das mais longas das últimas décadas, conforme detalhado em nota técnica do Cemaden/MCTI. Dentre os motivos apresentados para o fenômeno estão o déficit de chuvas da estação passada, em decorrência do El Niño, mantendo os níveis dos rios abaixo do esperado e a antecipação da estação seca neste ano, o que se relaciona a fatores de longa duração, tais como as mudanças climáticas, o aumento do aquecimento global e as mudanças do uso do solo, substituindo áreas de floresta por áreas dedicadas à agricultura e/ou a pastagens. Isto causa um esgotamento de uma importante fonte de umidade, tanto do ar quanto do solo, levando à escassez das chuvas. Por esse motivo, o agronegócio tem sido denunciado por diversas entidades que lutam por justiça climática e defesa de biomas no país, como o principal provocador de toda essa crise.

Uma das ações de contenção para a situação de calamidade vivida por alguns estados, principalmente na região norte e centro-oeste do país, foi a proibição imediata do uso do fogo na agricultura até se amenizar os impactos da seca e dos incêndios. Situação que chama a atenção dos deputados federais, o que pode ser verificado em diversos Projetos de Lei apresentados à Câmara no último mês. 

Vários PLs preveem aumento de pena para o crime de produção de incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação e também penas mais graves para os responsáveis quando o incêndio criminoso atingir mais de um município.  É possível verificar isto nas seguintes proposições:

  • PL 3304/2024, cuja autoria coletiva pode ser consultada aqui,  que aumenta a pena para o crime de produção de incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação;
  •  PL 3311/2024 de autoria do deputado cristão não determinado Juninho do Pneu (União/RJ) dispõe sobre aumento de pena para o crime de causar incêndio em florestas e demais vegetações, que intencionalmente expõe a perigo a vida e a saúde pública; 
  • PL 3339/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Gervásio Maia (PSB/PB), que altera a Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e o Código Florestal (nº 12.651, de 25 de maio de 2012), para caracterizar circunstância agravante a prática de infrações que dificultem a plena prestação de serviços públicos e em concurso de pessoas; aumentar penas para crimes de incêndio em floresta e de poluição de qualquer natureza; e proibir aquele que fizer uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares de contratar com o Poder Público ou receber recursos públicos; 
  • PL 3299/2024  ,de autoria do deputado católico Marangoni (União/SP), que altera o Código Penal (Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) , para prever aumento de pena quando o incêndio criminoso atingir mais de um município e o PL 3300/2024, do mesmo deputado, que altera a Lei de Crimes Ambientais , para prever aumento de pena quando o incêndio criminoso atingir mais de um município; 
  • PL 3403/2024 de autoria do deputado cristão não determinado Coronel Chrisóstomo (PL/RO), que altera a Lei de Crimes Ambientais , para prever o aumento de pena para o incêndio florestal criminoso nos estados que compreendem a Amazônia Legal; 
  • PL 3316/2024  de autoria do deputado cristão Túlio Gadêlha (Rede/PE), que acrescenta o art. 41-A na Lei de Crimes Ambientais, para instituir o crime de provocar incêndio em florestas ou demais formas de vegetação por motivação eleitoral ou política; 
  • PL 3372/2024 de autoria do deputado católico Adail Filho (Republicano/AM), que altera a Lei de Crimes Ambientais, para prever o aumento de pena para o incêndio florestal criminoso e a equiparação a crime hediondo;
  • PL 3381/2024 de autoria do deputado católico Maurício Neves (PP/SP), que altera a Lei de Crimes Ambientais, para estabelecer como causa de aumento de pena o dano de grande proporção econômica ou ambiental ou à saúde pública causado pela conduta de provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação; 
  • PL 3365/2024 de autoria do deputado evangélico Kim Kataguiri (União/SP), que altera a Lei de Crimes Ambientais, para aumentar as penas dos crimes de incêndio em floresta, mato, pasto, lavoura ou em demais formas de vegetação, e dá outras providências; 
  • PL 3344/2024, de autoria da deputada evangélica Rogéria Santos (Republicano/BA), que altera a Lei de Crimes Ambientais, para aumentar as penas dos crimes contra a flora.

Para além das leis de conteúdo mais punitivista, também houve propostas que estavam destinadas à recuperação e suporte emergencial das áreas e pessoas afetadas, conforme é possível observar no PL 3113/2024, de autoria do deputado evangélico Daniel Agrobom (PL/GO). A proposição institui o auxílio emergencial de calamidades públicas por desastres naturais. Interessante destacar que “Agrobom” vem de “Agrobom Armazens Gerais Ltda”, empresa da qual o deputado é proprietário e que comercializa e exporta cereais com várias unidades em Goiás. O perfil do candidato nas redes sociais o define como: “A Força do Agro na Câmara dos Deputados. Pela família, por Goiás, pelo Senhor Jesus!”.  

Outros conteúdos se referem à criação de protocolos e instâncias que podem contribuir com situações de riscos, desastres e emergências climáticas, prevendo ações de proteção, fiscalização e reparação. Nesse sentido se encontram as seguintes propostas: 

  • a PEC 31/2024, de autoria coletiva que acrescenta os arts.91-A, 91-B e a alínea “g” do inciso I do artigo 159 da Constituição Federal, para instituir o Conselho Nacional de Mudança Climática, a Autoridade Climática Nacional e o Fundo Nacional de Mudança Climática; 
  • o PL 3099/2024, de autoria da deputada de identidade religiosa não identificada Juliana Cardoso (PT/SP), que institui o Protocolo Indígena Nacional de Adaptação, Resposta e Recuperação em Situações de Risco e Desastres Climáticos, Ambientais e Sanitários e o Comitê Gestor para elaboração de Protocolos Indígenas Locais; 
  • o PL 3363/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Pedro Campos (PSB/PE), que institui o Programa Nacional de Voluntários para recuperação de áreas atingidas por desastres naturais; 
  • o PL 3382/2024 de autoria da deputada cristã Duda Salabert (PDT/MG), que altera o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), , para incluir medidas com o objetivo de preparar as cidades para o contexto de emergência climática, valendo-se de práticas de produção e o consumo de alimentos responsáveis no contexto urbano; 
  • o PL 3321/2024 de autoria do deputado católico Dr. Zacharias Calil (União -GO), que dispõe sobre a prevenção, controle, fiscalização e penalização de incêndios florestais, matas, pastagens e outras áreas de vegetação, visando à proteção do meio ambiente e da saúde pública, promovendo o uso de tecnologias avançadas e a cooperação internacional para combate a incêndios e conservação da biodiversidade; 
  • o PL 3374/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Amom Mandel (Cidadania/AM) que dispõe sobre a declaração de emergência por fumaça tóxica decorrente de queimadas e estabelece medidas de assistência em situações de emergência, e dá outras providências.

Datas comemorativas no calendário oficial do país seguem como marca de disputas políticas

A disputa pela oficialização de novas datas comemorativas no calendário do país, já identificada neste Monitoramento, também marca o mês de agosto na Câmara Federal. 

  • PL 3292/2024 de autoria do deputado evangélico Raimundo Santos (PSD-PA), por exemplo, reconhece como manifestação da cultura nacional, nos termos do art. 215, § 1º da Constituição Federal, o evento denominado “Impacto Humanitário no Marajó”, realizado anualmente na região marajoara pela Assembleia de Deus em Belém do Pará, considerada a Igreja-Mãe do movimento pentecostal brasileiro; 
  • PL 3248 /2024 de autoria da deputada cristã Eliza Virgínia (PP/ PE) cria o Dia Nacional do Conservadorismo; 
  • PL 3214/2024 de autoria da deputada evangélica Missionária Michele Collins (PP/PE) considera Patrimônio Cultural Material do Brasil a Igreja Batista da Capunga, localizada no município do Recife, em Pernambuco. A justificativa aponta que a igreja existe desde 1923 e é uma das mais importantes denominações religiosas do Estado de Pernambuco, deixando um legado de fé e auxílio aos que mais necessitam. 
  • PL 3123/2024 de autoria do deputado cristão Túlio Gadêlha (Rede/PE) cria a Rota Turística da Fé Padre Cícero/Frei Damião, nos Estados de Pernambuco e do Ceará. 
  • PL 3207/2024 de autoria do deputado de identidade religiosa não identificada Washington Quaquá (PT/RJ) institui como Patrimônio Religioso Cultural e Imaterial a Imagem do Cristo Redentor e as manifestações culturais religiosas a ela relacionada. É importante registrar que além do Rio de Janeiro, outras cidades possuem imagens do Cristo Redentor, como Encantado, em Porto Alegre, que atualmente tem a maior estátua do país, e a cidade de Pilar, em Alagoas, que se prepara para ter o maior Cristo do mundo, com 70 metros de altura, equivalente a um prédio de 23 andares, com obras previstas para finalizarem até o fim do ano de 2024.

Direitos das Mulheres, da Criança e do Adolescente e dos animais voltam a se destacar

Outros temas recorrentes no Congresso Federal, conforme monitoramento do ISER nos meses anteriores, voltam a aparecer com destaque e versam sobre os direitos das mulheres, principalmente em caso de violência, abusos e agressões, os direitos de crianças e adolescentes e também a causa animal.

Dentro do contexto da campanha de saúde “Setembro Amarelo”, quando sebusca conscientizar a população sobre saúde mental e prevenção do suicídio, também foram elaborados PL´s, que abordam a importância e urgência do tema.

O PL 3386/2024 de autoria da deputada evangélica Rogéria Santos (Republicano/BA), por exemplo, institui o Protocolo de Atendimento, Apoio e Intervenção Imediata para Prevenção e Proteção de Crianças e Adolescentes em casos de tentativa de suicídio. O PL 3287/2024, da mesma deputada, Institui o Protocolo de Atendimento e Intervenção Imediata para Prevenção e Proteção de Crianças e Adolescentes em Casos de Suspeita de Violência em Ambientes Virtuais, visando o prevenção e a reparação em casos como esse. 

Já o PL 3033/2024 de autoria da deputada cristã Professora Goreth (PDT/AP), altera a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, que instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, para garantir atendimento em curto prazo na rede de atenção psicossocial para pessoas que cometeram autoagressão e para familiares enlutados.

O PL 3288/2024 de autoria da deputada de identidade religiosa não identificada Adriana Ventura (NOVO/SP) cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Violência Contra a Criança ou Adolescente (CNVCA), um banco de dados com informações de pessoas condenadas por sentença penal transitada em julgado pela prática de crimes de violência contra a criança ou adolescente, resguardado o direito de sigilo do nome da vítima. O objetivo principal é assegurar que essas informações estejam disponíveis de maneira integrada e acessível aos órgãos de segurança pública, permitindo um monitoramento eficaz e a prevenção de reincidência de tais crimes.

O PL 3108/2024 de autoria do deputado católico José Guimarães (PT/SP) dispõe sobre a Política Nacional de Memória e Reparação a Crianças, Adolescentes e Jovens Vítimas de Chacinas no Brasil e suas famílias, visando honrar a memória das vítimas com ações de caráter educacional.

No PL 3173/2024 do deputado evangélico Pastor Gil (PL/MA) é proposta uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990)) para dispor sobre ações articuladas entre o Estado e a sociedade civil, visando ao acolhimento de crianças e adolescentes em situação de rua.

Em relação a gênero, o PL 3238/2024, da deputada cristã Julia Zanatta (PL/SC), assegura aos pais e responsáveis o direito de vedar a participação de seus filhos em atividades pedagógicas de gênero em âmbito nacional. Enquanto o PL 3397/2024 da deputada de identidade religiosa não identificada Sâmia Bomfim (PSOL/SP) institui a campanha nacional de combate à violência política de gênero e raça contra a mulher, denominada Setembro Neon, constituída de um conjunto de atividades e mobilizações relacionadas à conscientização social e ao combate à violência política de gênero e raça contra a mulher.

O PL 3293/2024 de autoria do deputado evangélico Raimundo Santos (PSD/PA) institui o “Programa Nacional de Emprego e Apoio para Mulher Vítima de Estupro”, onde se prevê “a possibilidade de empoderamento e autoestima feminina real porque, com o acesso ao trabalho, é fortalecida ou recuperada a confiança, bem como o amor próprio e a sensação de controle pessoal”.

No âmbito da criminalização, o PL 3023/2024 de autoria da deputada cristã Silvye Alves (União/GO) altera o Código Penal (Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940), , para tipificar o estelionato sentimental como crime e estabelecer majoração de pena quando a vítima for mulher.

Portanto, como podemos verificar, os partidos e deputados/as cristãos estão se mobilizando para denunciar/reparar a violência contra a mulher, além de outras temáticas, mantendo uma pauta heterogênea de propostas, como já foi verificado pelo ISER nos levantamentos anteriores.

Diante da conjuntura atual, com inúmeros casos de denúncia de trabalhadoras domésticas, majoritariamente negras, encontradas em condições análogas à escravidão, o PL 2024/2024 de autoria da deputada de identidade religiosa não identificada Carla Ayres (PT/SP) estabelece diretrizes e ações para o atendimento integral e a ressocialização de trabalhadoras domésticas resgatadas em situação análoga à escravidão e de tráfico de pessoas, assegurando a cessação de violências domésticas, a reconexão familiar, a garantia de reparação integral, e o apoio necessário para a manifestação de vontade de trabalhadoras com deficiência, e dá outras providências (Lei Sônia Maria de Jesus).

Sobre a causa animal, o PL 3078/2024 de autoria mista altera a Lei nº 9.250, de 1995, para permitir a dedução, no âmbito do imposto de renda, de despesas com o tratamento de animais de estimação, justificada pela importância dos animais na vida das pessoas no Brasil, em termos quantitativos e qualitativos. 

Nesse mesmo sentido, de dedução de despesas, o PLP 132/2024 de autoria do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) altera a Lei Complementar nº 207, de 16 de maio de 2024, para prever o repasse a hospitais veterinários públicos federais de percentual do valor total do prêmio recolhido a título de Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT) para custeio da assistência médico-veterinária e hospitalar de animais silvestres vitimados em acidentes de trânsito.

Outros temas da conjuntura pautam PLs

Outro destaque que apareceu nos projetos de agosto é relativo ao uso moderado e consciente de jogos eletrônicos, mais uma pauta da conjuntura  que está em debate, por conta dos efeitos negativos em sociedade dos jogos de azar e apostas, tais como o “Jogo do Tigrinho”, que tem levado inúmeras famílias a condição de endividamento e vício por vender a ideia de um possível enriquecimento fácil. 

A recente prisão da influenciadora digital Deolane Bezerra acalorou o debate público e dividiu opiniões. Dentro desse contexto, o PL 3224/2024 do deputado de identidade religiosa não identificada Dorinaldo Malafaia (PDT/AP), institui a Campanha Nacional de Utilização Consciente da Tecnologia Digital, que se destina a incentivar o uso ponderado e responsável de jogos eletrônicos, redes sociais, programas computacionais, softwares, e similares conectados à internet ou a outra rede de comunicações, e dá outras providências. 

Assim também o PL 3161/2024 de autoria do deputado evangélico Marcos Tavares (PDT/RJ), que institui a Lei de Proteção contra Publicidade Infantil em Mídias Digitais, regulamentando e restringindo a exposição de crianças a publicidade digital, especialmente em plataformas de redes sociais e jogos online, com o objetivo de proteger os menores de práticas de marketing agressivas e invasivas.Outra pauta que chamou atenção pela proximidade com alguns debates que vieram à tona durante as Olimpíadas de Paris, foi a proposta pelo PL 3218/2024, da deputada evangélica Missionária Michele Collins (PP/PE), que proíbe a participação de atleta cujo gênero seja identificado em contrariedade ao sexo biológico de seu nascimento nas competições esportivas apoiadas pelo Poder Público.

Carolina Rocha é Doutora em Sociologia, historiadora, escritora e pesquisadora.