Com a proteção de Exu, Ogum e São Jorge: religião, política e violência na cidade do Rio de Janeiro

Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Uma versão deste texto foi originalmente publicada no Nexo Políticas Públicas, em 07 mai 2025.
Imagem gerada por inteligência artificial

Ana Paula de Souza Campos

Por Ana Paula de Souza Campos

  • 07 maio 2025
  • 5 min de leitura
Com a proteção de Exu, Ogum e São Jorge: religião, política e violência na cidade do Rio de Janeiro
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Em um contexto em que se fala muito do crescimento e da influência na esfera pública dos evangélicos, importa discutir o modo como as religiões afro-brasileiras também se articulam nesse campo de disputa. Esta premissa foi base da pesquisa para a tese de doutorado que defendi na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em 2024, em busca da compreensão sobre as relações entre religião, política e violência urbana na cidade do Rio de Janeiro, especialmente a partir das figuras de Exu Tranca-Rua, Ogum e São Jorge, em territórios marcados por conflitos armados e disputas de poder em que a busca por proteção e modos de sobreviver está na ordem do dia.  

A pergunta que orientou a pesquisa foi: de que forma essas entidades são mobilizadas e reconfiguradas por diferentes sujeitos — religiosos, estatais e militarizados — no cotidiano das tramas urbanas e periféricas? Para respondê-la foi feito trabalho de campo e etnografia visual em terreiros de umbanda e festas religiosas para observação da interseção entre religião, política e violência no Rio de Janeiro. 

Por meio do estudo das figuras do exu Tranca-Rua, Ogum e São Jorge — muitas vezes representadas com elementos de militarização — foi investigado como essas entidades são mobilizadas como símbolos de proteção e força em territórios marcados pela presença de milícias, tráfico e forças policiais. A pesquisa destacou o papel dos objetos, das performances religiosas e das lideranças políticas e espirituais na construção de redes de poder e sobrevivência em meio à precariedade dos territórios periféricos, revelando como práticas religiosas se entrelaçam com as dinâmicas sociais, políticas e de segurança pública nas periferias urbanas. 

A espiritualidade, portanto, aqui não se apresenta como um campo à parte, mas como um dispositivo que opera nas margens do Estado, negociando autoridade, justiça e proteção ou melhor dizendo, o próprio ato de permanecer vivo. A tese revela como símbolos e práticas religiosas permitem conjugar “paz” e “guerra” como dispositivos de proteção espiritual e ação política criando modos de sobreviver e existir, como permite articular modos “civilizados” de governar em que o uso da violência e da guerra são justificados se forem para “promover a paz”.

Como conclusão, foi identificado que as entidades Exu Tranca-Rua, Ogum e São Jorge são procuradas não apenas por sua força espiritual, mas também por representarem proteção em contextos de guerra urbana, onde o que se disputa é estar vivo. A imagem do guerreiro sagrado é ressignificada em cenários de militarização e disputa territorial, produzindo legitimidade simbólica e espiritual. 

A pesquisa mostra que os terreiros de umbanda analisados dialogam com igrejas, milícias, traficantes, Estado, festas populares e forças policiais. As religiões afro-brasileiras, portanto, não atuam apenas como resistência cultural, mas como campos de disputas simbólicas e políticas, onde a estética do guerreiro e a promessa de proteção espiritual são tensionadas por diferentes projetos de poder. A religião, materializada em objetos, performances e ações políticas, atua como mediadora das relações sociais em territórios de vulnerabilidade.

A ênfase na materialidade do sagrado — imagens, cordões, velas, fardas — revela uma linguagem que articula fé, pertencimento, sobrevivência e estratégias de governança, associando moral, religião e política.

A exaltação de São Jorge como figura religiosa e exemplo de moralidade cristã, com suas virtudes guerreiras, permite articular “paz” e “guerra” como formas civilizadas de governar. Assim, nota-se uma sobreposição entre autoridade religiosa e violência institucional, expressa na devoção de instituições estatais — como Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e Cavalaria do Exército — a São Jorge. O culto ao santo nas periferias pode ser utilizado por milicianos e políticos como estratégia para ampliar sua legitimidade e autoridade local.

Esta tese pode interessar quem pensa e atua nos campos da antropologia, da sociologia urbana, dos estudos da religião, das políticas públicas, dos direitos humanos e da segurança pública, e também a lideranças religiosas, militantes antirracistas e estudiosos da violência no Brasil. A tese também mistura trabalho de campo com etnografia visual, uso de entrevistas, reportagens jornalísticas e análise bibliográfica servindo a quem se interessa no investimento em abordagens metodológicas diversas para a compreensão da realidade social.

REFERÊNCIAS

Asad, Talal. 2011. “Reflexões sobre crueldade e tortura”. Revista Pensata, v. 1, nº 1. pp. 164-187.

Birman, Patrícia. 2020. “Guerra, religião, secularismo e alguns sujeitos sensíveis: reflexões preliminares a partir de Talal Asad”. EXILIUM Revista de Estudos da Contemporaneidade, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 73–100, 2020. DOI: 10.34024/exilium. 2020. v. 11288. Disponível aqui. Acesso em: 23 fev. 2024.

Das, Veena. 1999. “Fronteiras, violência e o trabalho do tempo: alguns temas Wittgensteinianos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.14, n.40, p. 31–42.

Gell, Alfred. 2001. “A rede de Vogel, armadilhas como obras de arte e obras de arte como armadilhas”. Arte e Ensaios – Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, UFRJ, Ano VIII – nº 8: 174-191.

Silva, Vagner G. da. 2005. Candomblé e Umbanda. São Paulo: Selo Negro.

Como citar

CAMPOS, Ana Paula de Souza. "Com a proteção de Exu, Ogum e São Jorge: religião, política e violência na cidade do Rio de Janeiro". Religião e Poder, 07 mai. 2025. Disponível em: . Acesso em: .

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