Assembleias de Deus, suas convenções e ministérios
Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 27 jun 2024

Por Marina Correa
- 02 jul 2024
- 13 min de leitura

Atualizado em 04/07/2024 às 11h04
O surgimento das práticas pentecostais no Brasil remonta a 1910, quando a Congregação Cristã do Brasil (CCB) foi fundada no Sudeste por Luigi Francescon, um italiano. No ano seguinte, em 1911, a Assembleia de Deus (AD) teve sua origem no norte do Pará, em Belém, pelas mãos de dois suecos, Gunnar Vingren e Daniel Berg.
Nas décadas de 1930 e 1940, as Igrejas Assembleias de Deus experimentaram uma rápida expansão por todo o Brasil. Em meio a essas mudanças, a administração das igrejas passou a refletir uma combinação de lideranças suecas e brasileiras. Apesar dos esforços para manter a homogeneidade, novos direcionamentos surgiram, e ao longo dos anos, as igrejas adquiriram características cada vez mais distintas, levando inevitavelmente a cisões internas.
Portanto, devido às transformações contínuas nessa denominação, essa busca por identidade está longe de alcançar uma conclusão. No cenário atual, é possível afirmar com segurança que há múltiplas ASSEMBLEIAS de Deus (no plural), diversos ministérios, mega templos independentes, pastores presidentes, convenções nacionais e centenas de convenções estaduais. A estrutura eclesiástica envolve estatutos internos, assembleias ordinárias e extraordinárias, eleições, representando uma organização intricada com hierarquia, poder, cisões, sucessões e uma significativa dinâmica política, tanto interna quanto externa.
Esta é a estrutura de governança das Assembleias de Deus que passa a ser descrita a seguir.
Campo
Os documentos históricos relacionados às Assembleias de Deus (ADs) indicam que as Igrejas-Sede foram originalmente identificadas internamente como “Campo”. Nessa perspectiva, o termo “Campo” nas ADs denota a esfera específica de atuação de uma Igreja-Sede, também reconhecida como Igreja-Mãe. Essa designação inclui suas congregações e pontos de pregação associados em uma localidade específica, pertencentes a um Ministério liderado por um pastor-presidente, que pode estar na mesma localidade ou em outras, no Brasil e no Exterior. Os ministérios são liderados por um pastor-presidente, estabelecendo um sólido elo administrativo, doutrinário e litúrgico entre ele, as congregações e os pontos de pregação. A estrutura, adotada no passado, persiste e influencia a organização das ADs até os dias atuais. (ver CORREA, Marina, 2020a).
Pastor-presidente
Não existe cargo de maior destaque ou evidência dentro das Assembleias de Deus do que o de pastor-presidente. Este cargo está investido da configuração de “senhor patriarcal”, com o processo de institucionalização denominado pela “rotinização do carisma” (WEBER, 2003), ou seja, quando o carisma se tradicionaliza. O pastor-presidente é soberano nas decisões, ocupa o topo organizacional de um ministério, de onde escolhe e monta sua equipe administrativa. Sob o seu comando estão todas as igrejas filiadas, as congregações, as subcongregações e/ou pontos de pregação, sendo o pastor-presidente soberano o suficiente para resolver os casos internos e externos.
O caminho para tornar-se pastor nas ADs envolve progressão por diversas funções, desde auxiliar até pastor-presidente, percorrendo congregações em diferentes localidades. Essa jornada, que pode levar anos, culmina no posto máximo, mas a transição ocorre em situações como jubilação, morte ou indisciplina. Alguns pastores presidentes mantêm-se no cargo por até 60 anos (Ver ALENCAR, 2018). Conforme os estatutos internos, a substituição de um pastor-presidente é definitiva e baseia-se em motivos específicos, como doença incurável, pedido pessoal, jubilação, transgressão comprovada dos princípios bíblicos, ou morte. Antigamente, a escolha dos sucessores era realizada por votação da presidência da igreja, mas, no decorrer dos anos, a sucessão ocorre majoritariamente no meio familiar, embora em alguns ministérios ainda persista a escolha por votação, sem considerar o grau de parentesco. (Ver, CORREA, Marina, 2020b)
As Convenções
A Convenção Nacional é uma entidade religiosa de caráter civil sem fins lucrativos, cujo propósito é reunir e coordenar as igrejas Assembleias de Deus em todo o território brasileiro. Ela tem editoras e instituições de ensino. As instituições educacionais associadas a ela seguem as regulamentações do Conselho de Educação e Cultura (CEC), incluindo aquelas credenciadas por outras entidades, como faculdades autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC).
Ministérios associados às Convenções Estaduais e/ou Nacionais
Três destacados ministérios de abrangência nacional e internacional, o Ministério (Missão) da primeira formação, (Madureira) da segunda formação e CADB, terceira formação, todos têm convenções estaduais/nacionais distintas, mas com a mesma sigla AD, coexistem atualmente com uma variedade de ministérios independentes também AD. Cada um desses ministérios opera com seu próprio estatuto e administração, conduzindo suas próprias convenções tanto em âmbito nacional quanto estadual.
As Convenções Estaduais são entidades civis sem fins lucrativos, situadas nos estados brasileiros e afiliadas a uma Convenção Nacional. Elas desempenham uma função de suporte aos ministérios locais, formados por pastores, evangelistas e presbíteros. Importante notar que apenas essas pessoas – pastores, evangelistas e presbíteros – são associadas a ambas as convenções, tanto a nacional quanto a estadual. Assim, as Convenções Estaduais/Nacionais representam uma associação de pastores, não abrangendo diretamente os ministérios em si, mas sim os indivíduos que os compõem.
Estatutos internos
Cada uma das convenções mencionadas possui estatutos próprios. Ainda que, à primeira leitura, apresentem expressões semelhantes em seus artigos e incisos, há sutis diferenças entre eles. Como exemplo, a CGADB admite a associação apenas de ministros, pastores e evangelistas, excluindo as mulheres do rol de membros, tanto em âmbito nacional quanto estadual. As Igrejas-Sede/Ministérios, dispersas pelo território brasileiro e até no exterior, são autônomas, ou seja, as propriedades adquiridas dentro desses Ministérios pertencem aos respectivos pastores-presidentes locais. Essa regra é mantida na CGADB. Portanto, as mesmas regras da CGADB não se aplicam àqueles associados à CONAMAD e CADB.
Ministérios associados à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (Missão)
Os Ministérios pertencentes à Missão (Belém) operam sob o sistema de associação de seus membros nas Convenções Estaduais e nas Convenções Nacionais. As Convenções Estaduais de pastores vinculados à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) são devidamente lideradas pelos pastores presidentes em seus respectivos estados. Vale ressaltar que as propriedades não pertencem à CGADB, mas sim aos pastores presidentes. Até o momento da conclusão deste texto, esta convenção abrange 63 Convenções Estaduais e/ou Regionais associadas, distribuídas por todas as regiões do Brasil e internacionalmente, nos EUA. Em São Paulo, essas convenções são extensas e foram subdivididas por setores.
Ministérios associados à Convenção Nacional de Madureira (CONAMAD)
Diferentemente das associações da CGADB, descrita acima, a CONAMAD tem igrejas-sede e/ou ministérios distribuídos por todo o território brasileiro e no exterior. Entretanto, essas redes de igrejas não gozam de autonomia local, ou seja, as propriedades adquiridas dentro dos ministérios pertencem à CONAMAD. Conforme o Estatuto Interno, a CONAMAD tem como patrimônio “quaisquer bens imóveis, móveis, semoventes, legados, ações e títulos que possua ou venha a possuir, os quais serão escriturados em seu próprio nome”. O mesmo Estatuto estipula que a alienação ou venda de bens imóveis só poderá ser efetuada com autorização expressa da CONAMAD. As Convenções Estaduais associadas à CONAMAD contam com 28 convenções estaduais e sete internacionais, incluindo Argentina, Bolívia, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Japão e Portugal.
Convenção das Assembleias de Deus (CADB): a “virada assembleiana” no Norte
A continuidade das cisões dentro das Assembleias de Deus (ADs) sempre ocorreu e, a cada dia, tornou-se uma constante. Destaca-se a saída do ministério de Belém (PA), liderado pelo pastor-presidente Samuel Câmara, juntamente com o ministério do Amazonas, administrado pelo pastor Jonatas Câmara.
As ADs de Belém e as ADs de Manaus (AM) eram filiadas à CGADB. Em 2017, o pastor Samuel Câmara, após enfrentar mais uma derrota nas eleições para presidir essa convenção, desligou-se e fundou a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB), juntamente com o seu irmão, pastor-presidente Jonatas Câmara. As eleições, naquele ano, foram vencidas pelo pastor José Welington da Costa Júnior, cujo pai o pastor José Welington Bezerra, havia ocupado a presidência da CGADB por 25 anos.
Samuel Câmara assegura que as ADs de Belém representam o ministério originário, que, nas palavras do fundador, atua como a “Igreja mãe”, “a verdadeira”. Com os slogans “Reavivar – Afirmar – Compartilhar” e “De volta ao lar! Belém – Pará | Desde 1911”, a CADB recebeu mais de 10 mil pastores para uma “virada assembleiana”.
A CADB, após a cisão com a CGADB, nas Assembleias de Deus da Região Norte, especialmente em Manaus, teve uma das primeiras reações dos pastores presidentes locais: a ordenação de 138 mulheres ao cargo de pastoras. No entanto, apenas duas mulheres efetivamente assumiram a liderança pastoral nas igrejas. Essa decisão desafiou a proibição de mulheres ao cargo de pastor desde 1930, na primeira convenção geral das Assembleias de Deus.
A ordenação feminina é um dos temas mais polêmicos e duradouros nas Assembleias de Deus desde a década de 1930. Após um acalorado debate na Primeira Convenção Geral, a ordenação feminina foi proibida e essa proibição perdurou por mais de oitenta e sete anos. Silas Daniel (2004, p. 34) relata esse evento na convenção sob o título “A questão do ministério feminino”, descrevendo as discussões que ocorreram. Ao término dos debates, decidiu-se que as mulheres poderiam participar da obra missionária, testemunhando sobre Jesus e ensinando quando necessário, mas estavam proibidas de assumir o púlpito ou atuar como pastoras.
A proibição foi uma reação à liderança e o destaque alcançado pela missionária sueca Frida Maria Strandberg, que chegou ao Brasil, em 1917, aos 26 anos. Amiga de um dos fundadores das ADs, Gunnar Vingren, com quem se casou logo após desembarcar no país, tornada Frida Strandberg Vingren, ajudou a construir a igreja no Rio de Janeiro, comandava um jornal e pregava em praça pública.Após 15 anos no Brasil, depois da decisão pela proibição do ministério pastoral de mulheres, e a situação insustentável, Frida retorna à Suécia com o marido e filhos. Logo fica viúva e é impedida de voltar ao Brasil pelas lideranças da igreja, que a tiram a guarda dos filhos, os bens, e a internam em um hospício, onde morreu jovem e esquecida.
Segundo Gedeon Alencar (2018, p. 122), “Frida teve seu ministério interrompido pela violência religiosa do machismo nordestino sueco […], conseguiram matar seu ministério e também sua história. Pois ela é completamente invisível na história assembleiana”.
A questão do ministério feminino continuou a ser debatida em convenções posteriores, mas as decisões sempre mantiveram a proibição ministerial para as mulheres. Alencar cita Kajsa Norel, ao se referir à Frida Vingren, e afirma: “Ela é a grande heroína não reconhecida da história, pois esta igreja – como quase todas – tem uma historiografia que dá visibilidade apenas aos homens”.
Enquanto alguns pastores mais tradicionais resistem à ordenação de mulheres, para outros, essa é uma inovação dentro das Assembleias de Deus e motivo de muitas controvérsias com as ADs filiadas à CGADB e CONAMAD (ver CORREA, Marina, 2023).
Convenções e clãs
Após 113 anos da fundação, é possível afirmar que as ADs se transformarem em clãs, sendo dominadas por três famílias: os Bezerra da Costa Freire; os Ferreira e os irmãos Câmara, respectivamente as três grandes convenções nacionais: a CGADB, a CONAMAD e a CADB.
Ministérios autônomos e/ou independentes
A dinâmica de múltiplos ministérios independentes, os que não estão ligados a nenhuma convenção, reflete as complexidades das relações e tensões internas, evidenciando como a busca pela unidade pode, paradoxalmente, gerar maior fragmentação e diversidade no cenário religioso.
Dentro do contexto das ADs, essas igrejas e ministérios participam ativamente do processo de interação por meio de suas redes de igrejas, seguindo uma estrutura interna própria. Essa estrutura é dominante e elitizada por seus organizadores, que compartilham ideias, organizam o trabalho entre seus subordinados e regulam essas atividades. Nesse cenário, observamos uma adaptação constante aos discursos, exemplificados pelos diversos pastores presidentes. Por exemplo, o pastor Silas Malafaia segue uma abordagem política, Samuel Ferreira da AD Brás mantém um viés semelhante ao de Malafaia, enquanto o pastor-presidente das ADs (AM) foca principalmente no discurso pastoral. Essa diversidade de abordagens contribui para a complexidade e dinâmica das ADs.
Referências
CONAMAD. Estatuto da Convenção Nacional das Assembléias de Deus no Brasil Ministério de Madureira – CONAMAD. Brasília, 21 abr. 2007.
CONDE, E. História das Assembléias de Deus no Brasil. 8ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, [1960] 2008.
CORREA, M. A. O. S. A operação do carisma e o exercício do poder: A Lógica dos Ministérios das Igrejas Assembleias de Deus no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Recriar, 2020a 3ª ed.
____________ Dinastias Assembleianas. Sucessões familiares nas Igrejas das Assembleias de Deus no Brasil. São Paulo. Ed. Recriar, 2020b.
_____________ A luta pelo reconhecimento da ordenação pastoral feminina nas Assembleias de Deus no Norte do Brasil: desafios e conquistas. Mandrágora, v.29, n. 1, 2023, p. 217-246.
WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2003, Vol. 2.
Para ler mais sobre o tema
ALENCAR, Gedeon Freire. – Matriz Pentecostal Brasileira. Assembleias de Deus – 1911-2011. São Paulo. Ed. Recriar, 2018 2ª ed.
DANIEL, S. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus. Rio de Janeiro: CPAD 2004.
FAJARDO, M. Onde a luta se travar: uma história das Assembleias de Deus no Brasil. São Paulo. Ed. Recriar, 2020 2ª ed.
VILHENA. V. C.Frida Maria Strandberg – mais do que esposa de pastor. São Paulo. Ed. Fonte Editorial, 2018.
XAVIER. H. L; CORREA. A. O. S. Ditadura, democracia e fé no país da moral e bons costumes: as ADs e o Mensageiro da Paz. São Paulo. Ed. Recriar, 2020.
Como citar
CORREA, Marina. "Assembleias de Deus, suas convenções e ministérios". Disponível em: . Acesso em: .