Este trabalho parte dos dados levantados pela pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (ISER) sobre o perfil confessional dos deputados federais eleitos no último pleito para explorar o perfil dos deputados federais católicos de esquerda.
Em sintonia com o quadro geral da sociedade brasileira, o atual parlamento é formado por maioria católica, num total de 233 dos 513 deputados, entre novos e reeleitos. Do cruzamento de dados entre confessionalidade e ideologia destaca-se que a maioria desses deputados estão identificados com a direita, num total de 106; os que compõem o centro somam 65 deputados; já os de esquerda aparecem em minoria, perfazendo um total de 62 parlamentares.
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Os partidos que mais agrupam parlamentares identificados como católicos de esquerda são, respectivamente, PT (36), PDT (11), PSB (8), PSOL (03), PV (03), PC do B (01). Levando em consideração as frentes partidárias recém-introduzidas na dinâmica política brasileira, temos na Frente Brasil da Esperança (FE Brasil), composta pelos partidos PT, PC do B e PV, a concentração de 64,8% dos parlamentares católicos de esquerda na atual legislatura.
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A expressiva identificação dos católicos de esquerda com o Partido dos Trabalhadores (58,1% do total) indica a continuidade da afinidade histórica deste partido com o campo progressista católico, que remonta à fundação do próprio partido por inúmeras lideranças oriundas das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), formadas no bojo do florescimento da Teologia da Libertação na América Latina, nas décadas de 1970 e 80.
Na distribuição territorial dos católicos de esquerda, a região com maior proporcionalidade de votos na esquerda na última eleição é também a que concentra o maior número de deputados católicos de esquerda eleitos, Nordeste (25), seguida pelo Sudeste (18). O destaque fica para a região Sul (12), que aparece em terceiro, embora tenha sido onde a esquerda obteve o menor número proporcional de votos no último pleito. Norte (05) e Centro-Oeste (02) aparecem em seguida.
Os estados com maior percentual de católicos de esquerda são o Ceará e São Paulo, com sete parlamentares cada; Bahia e Minas Gerais com seis cada; Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul com cinco cada. Se levarmos em consideração que São Paulo possui a maior bancada federal do país, é no Ceará onde se concentra proporcionalmente o maior número de deputados católicos de esquerda.
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Uma análise dos parlamentares, por meio das categorias raça e gênero, demonstra uma tendência similar ao perfil tradicional geral da Câmara Federal, com o predomínio de homens cis e pessoas brancas. Dos 62 parlamentares católicos de esquerda, apenas nove são mulheres.
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Já na categoria raça, identificados como brancos somam 72,6% dos parlamentares, pretos e pardos somam 24,2% – dois deputados católicos de esquerda reivindicam a identidade indígena, Juliana Cardoso do PT de São Paulo e Paulo Guedes do PT de Minas Gerais.
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Há, ao menos, dois grupos no interior do pertencimento católico de esquerda na atual legislatura: os leigos e os confessionais. Recorrendo a uma classificação por “tipo ideal weberiano” dos parlamentares da atual legislatura, podemos ainda situar os seguintes subgrupos:
● Leigos:
1 – Leigos católicos de esquerda com formação e atuação nos organismos/movimentos progressistas da Igreja Católica. É exemplo desse grupo o deputado Reimont (PT-RJ), parlamentar de primeiro mandato na Câmara Federal, foi ordenado sacerdote e assim atuou até 2002, quando abandonou o celibato mas continuou articulado ao campo progressista católico;
2 – Leigos católicos de esquerda com formação nos organismos/movimentos progressistas da Igreja Católica, mas sem atuação neles no presente. Um exemplo desse grupo é o deputado de primeiro mandato na Câmara Federal Tarcísio Mota (PSOL-RJ), que iniciou sua militância política na Pastoral de Juventude de Petrópolis, mas não possui mais vinculação com qualquer organismo/movimento católico;
3- Leigos católicos de esquerda sem formação e atuação nos organismos/movimentos progressistas da Igreja Católica: participam da identidade católica a partir de uma vivência no catolicismo litúrgico, popular e até mesmo carismático. É exemplo desse grupo o deputado federal Florentino Neto do (PT-PI), de primeiro mandato na Câmara Federal, já integrou o grupo “Casais com Cristo” e participa da identidade católica a partir do Catolicismo litúrgico e devocional.
● Confessionais:
1- Confessionais não identificados: deputado Luiz Couto (PT-PB), foi ordenado padre em 1976. Reivindica atuação no campo progressista católico e não mobiliza sua condição de clérigo como identidade de urna;
2- Confessionais identificados: Deputado Padre Júlio (PT-MG), também atuante no campo progressista católico. Mobiliza sua condição de clérigo como identidade de urna.
Em dados analisados pela antropóloga Brenda Carranza (2017) sobre a composição da Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana (FPMCAR), lançada em 2015, com uma incidência sobre pautas caras ao léxico político da direita – como a criminalização do aborto e do casamento igualitário – constava à época a adesão do seguinte quadro de parlamentares de partidos associados à centro-esquerda do espectro político brasileiro: PT (25), PSB (14), PDT (8).
Disso resulta que ser progressista no espectro da política partidária não é equivalente a ser progressista no espectro da eclesiologia (na política da igreja). Essas múltiplas modulações, por vezes conflitantes, ao lado de um know-how da política católica do qual herda seu campo progressista de atuar mais diluído nas estruturas da sociedade – seja porque dele derivou no Brasil a chamada sociedade civil, como salienta Paula Monteiro (2016), seja porque ele é ao mesmo tempo produto e produtor do público, como salienta Igor Rolemberg (2020) – concorrem para que tradicionalmente o modus operandi dos parlamentares católicos de esquerda não seja o de atuação em bloco a partir da identidade confessional.
Breno Botelho é doutorando em Antropologia Social (PPGAS/Museu Nacional/UFRJ). Integra o Laboratório de Antropologia do Lúdico e do Sagrado (Ludens/MN/UFRJ) onde desenvolve sua pesquisa doutoral sobre ativismo ambiental católico.
Visualizações desenvolvidas por Matheus C. Pestana. Dados fornecidos pelo autor.
Foto: João Flávio Borba (2019)- Dom Mário Spak, da Diocese de Paranavaí, em visita a famílias acampadas em Querência do Norte-PR. Reprodução Site do MST.
Saiba mais:
CARRANZA, Brenda. “Modus operandi político de evangélicos e católicos: consolidações e inflexões”. Debates do NER, Porto Alegre, ano 18, nº 32, p. 87-116. Jul./Dez. 2017.
FERNANDES, Rubem César. “Conservador ou progressista: uma questão de conjuntura”. Religião e Sociedade nº9, 1983, pp.59-62.
MONTERO, Paula. (2016), “‘Religiões Públicas’ ou religiões na Esfera Pública? Para uma crítica ao conceito de campo religioso de Pierre Bourdieu”. Religião & Sociedade, vol. 36, nº 1: 128-150
REIS, Lívia; CUNHA, Magali; EVANGELISTA, Ana Carolina et. all. “Um mapa da identidade religiosa dos deputados e deputadas federais empossados” Nexo Políticas Públicas. 2023
ROLEMBERG, Igor. “Onde está o religioso? Mística e espiritualidade no político, no público e no secular”. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 40(3): 49-71, 2020.