A primeira parte desta reflexão indicou como o protagonismo de determinados grupos de evangélicos se realiza no primeiro escalão do governo Bolsonaro, culminando com a ocupação de seis ministérios atualmente. Nesta segunda parte, é destacada a composição estratégica de dois ministérios com presença mais significativa de evangélicos, os quais, para além da simples atuação na administração pública, são considerados espaços-chave para impulsionar o projeto ideológico de cunho conservador e a agenda extremamente restritiva de direitos colocados em marcha pelo atual governo.  

O ministério mais ocupado

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos é o que tem mais religiosos do segmento na ocupação de cargos de liderança. A ministra e pastora Damares Alves comanda a pasta desde a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019. 

Levantamento feito pelo pesquisador da UFRJ Alexandre Brasil Fonseca (não publicado e cedido ao ISER) mostra que, dos 44 cargos mais importantes do ministério, para além da ministra, diretorias, secretarias temáticas, secretarias adjuntas, coordenação geral de gabinete, assessorias especiais, chefia de gabinete, 15 são ocupados por evangélicos e outros três por pessoas que se identificam genericamente como cristãs, totalizando 18. 

Entre os 15, dez são lideranças ou membros das igrejas Batista, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Presbiteriana, Graça e Vida e IURD, e cinco são evangélicos de igrejas não identificadas. Há ainda três diretores que se identificam genericamente como cristãos. Para além desses, atualmente em exercício,  outros 11 foram empossados e deixaram o Ministério entre 2019 e junho de 2021. Desses, mais da metade eram pastores (seis). 

Há ainda nove católicos neste ministério, entre eles: a advogada Ângela Vidal Gandra, ligada à União dos Juristas Católicos de São Paulo, filha do advogado Ives Gandra Martins, destacado integrante do Opus Dei, no cargo de Secretária Nacional da Família. Também o militar intendente da Marinha Eduardo Miranda Freire de Melo, que é o adjunto na Secretaria Nacional de Proteção Global e coordena o Programa Nacional de Direitos Humanos-III, Outros quatro católicos de organizações “pró-vida” e “pró-família” ocupam diretorias e assessorias. 

A pauta de trabalho que une evangélicos e católicos na pasta é extremamente conservadora: uma concepção restritiva de liberdade religiosa, “defesa da família” (movimentos “pró-vida” e antiaborto), posicionamento “anti-ideologia de gênero” (contra direitos LGBTQI+), apoio ao homeschooling e ao “escola sem partido”. 

Há ainda seis cargos no ministério de Damares Alves “sob sigilo”, expediente usado em casos excepcionais de servidores cedidos pela Agência Brasileira de Inteligência.

Educação: bunker da ala ideológica

Ainda em campanha eleitoral, Jair Bolsonaro defendeu ser necessário mexer nos currículos escolares “para que as crianças aprendam matemática e português, e não sexo”, além de banir “os esquerdismos da cartilha”. Por isso, o Ministério da Educação foi amplamente ocupado pela ala ideológica ultraconservadora, o que tornou a pasta aquela com o maior número de mudanças de comando em um mesmo mandato desde a redemocratização em 1985. 

O MEC teve quatro ministros de 2019 a 2021: o professor, seguidor do líder de extrema-direita Olavo de Carvalho, Ricardo Vélez Rodríguez; o professor, também olavista, Abraham Weintraub, que saiu do governo processado no Supremo Tribunal Federal por xenofobia (publicações anti-China); o professor da Igreja Presbiteriana Carlos Decotelli, que pediu demissão do cargo uma semana depois de nomeado após revelações de que havia informações falsas em seu currículo; o pastor presbiteriano ligado à Universidade Presbiteriana Mackenzie Milton Ribeiro, adepto o criacionismo, que segue no cargo.

Apesar das mudanças, os ministros mantiveram a perspectiva político-ideológica via educação, estabelecida desde 2019, o que se reflete em cargos-chave no segundo escalão. 

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão responsável pela formação de recursos humanos e fomentos para a pesquisa científica dos Programas de Pós-Graduação de Universidades brasileiras, no reflexo da atmosfera que envolve o MEC, já contabiliza três presidências diferentes. 

A primeira presidência da CAPES, foi indicada por evangélicos próximos do governo, e foi ocupada pelo engenheiro da Igreja Batista Anderson Ribeiro Correia, pró-reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Sob a gestão de Weintraub, Correia pediu exoneração, tendo sido, nomeado, também com as bênçãos de lideranças evangélicas, o presbiteriano também engenheiro, reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Benedito Guimarães Aguiar Neto. Ele é próximo das Forças Armadas e defensor do criacionismo, em detrimento da teoria da evolução. 

Porém, sob a liderança de Milton Ribeiro no MEC, Aguiar Neto foi exonerado da função e anunciada a nomeação de “um profissional de perfil técnico e acadêmico”. A advogada Cláudia Mansani Queda de Toledo foi anunciada dias depois para a presidência da CAPES. Sem apoio de lideranças evangélicas, Claudia Toledo, que segue no cargo, era reitora do Centro Universitário de Bauru, instituição privada de sua família, iniciada com o nome de Instituto Toledo de Ensino (ITE), onde o ministro Milton Ribeiro se formou em Direito em 1990.

Em março de 2021, Milton Ribeiro nomeou como coordenadora de materiais didáticos do MEC a professora da Universidade Federal do Piauí Sandra Lima de Vasconcelos Ramos. Esta coordenação é considerada uma das mais importantes da pasta. Sandra Ramos é da Igreja Batista, ligada ao movimento Escola Sem Partido. Em novembro de 2018, ela assinou uma nota com críticas e sugestões à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orienta a elaboração dos materiais didáticos utilizados em escolas de todo o país. No documento, Sandra Ramos defendeu uma revisão do documento sob a “perspectiva cristã” e defende a introdução da teoria criacionista para o estudo da Biologia.

Atenção permanente

Em recuperação do que já foi indicado na Parte 1 desta reflexão, a meta de lideranças “terrivelmente cristãs” estarem “presentes em todos os poderes”, como Jair Bolsonaro manifestou publicamente em 2019, vai se concretizando ao longo dos dois anos e meio do governo. Sobre o Legislativo, amplo conteúdo relacionado às pesquisas do ISER pode ser encontrado aqui. Sobre a ocupação de cargos em outros espaços do Executivo e no Judiciário, novas reflexões com base em nossas pesquisas serão divulgadas oportunamente neste espaço.

Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Colaboradora do ISER.

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Referências

Magali do Nascimento Cunha. Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos

Humanos na América do Sul: tendências e estratégias de ação. Koinonia: e-book, 2020

Veja, 07 abr 2021