A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), edição número 26, realizada em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021, teve  duas semanas intensas de negociações, expectativas e muita repercussão midiática. Diante da gravidade que significa a crise climática e do pouquíssimo tempo que o mundo dispõe para dar uma resposta energética e consistente a ela, é inegável que a ambição acordada no Pacto de Glasgow foi insuficiente. A estimativa de um aumento médio da temperatura da Terra acima da marca de 1,5°C, considerando um cenário no qual todos os comprometimentos feitos sejam cumpridos, denuncia isso.

Entretanto, é preciso considerar os avanços trilhados, compreendendo-os criticamente nas suas possibilidades e limitações. A menção à “redução gradativa” do uso de combustíveis no texto final da convenção não deixa de ser importante, apesar de ter decepcionado alguns grupos, já que o rascunho inicial e mais ambicioso do documento previa a “eliminação gradativa”. Nesta mesma linha, situa-se a Declaração Sobre Florestas e Uso da Terra, que, em linhas gerais, prevê fundos com valores substanciais para a conservação destes ecossistemas e a eliminação do desmatamento até 2030. Chama a atenção também o Compromisso Global do Metano, que estabelece a redução em 30% das emissões do gás em relação aos níveis verificados em 2020. 

A participação brasileira na COP26 não pode deixar de ser comentada. Esta análise precisa ser realizada a partir de três perspectivas: a da representação “oficial” do governo federal brasileiro, a da sociedade civil e a dos entes subnacionais. 

Com relação ao primeiro grupo, é preciso ter em mente os sucessivos ataques internos à pauta ambiental realizados frequentemente pelo governo federal e que têm sido amplamente condenados pela comunidade internacional. Esses ataques foram responsáveis por conduzirem à COP um Brasil descredibilizado e destoante das demais nações no que se refere às políticas públicas voltadas para o campo da preservação ambiental.

Na tentativa de apaziguar os ânimos e diminuir o compreensível isolamento a que estamos submetidos, a representação oficial se empenhou em adotar uma postura menos agressiva, anunciando logo nos primeiros dias da conferência uma atualização da NDC (Sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, que se refere aos compromissos assumidos por um país referente às metas de redução das emissões de gases do efeito estufa) brasileira um pouco mais ambiciosa do que a de 2020, mas ainda assim alvo de críticas. Contudo, o mundo compreendeu essa abordagem menos problemática como uma “política para inglês ver”. A não ida do presidente Jair Bolsonaro ao encontro de líderes e as sofríveis declarações do atual ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, corroboram para esta interpretação. 

Em contrapartida, a sociedade civil brasileira compareceu à COP em número e diversidade. As delegações de juventudes, do movimento negro e de indígenas foram responsáveis por apresentar e representar um Brasil que é plural e por equalizar as demandas socioambientais que o nosso país enfrenta e que contradizem o discurso apresentado pelo governo.

Por último, e não menos importante, foi notável a participação de representações subnacionais na conferência. Tentando se distanciar ao máximo da imagem antiambiental de Bolsonaro, críticas à atual gestão eram uma constância no discurso desses representantes.  Estiveram presentes secretários estaduais e municipais de meio ambiente, como Eduardo Cavalieri, secretário de meio ambiente da cidade do Rio de Janeiro. Prefeitos, governadores e deputados federais e estaduais, também. Tomando para si um lugar de liderança climática que foi abandonado pela instância federal, podemos citar como exemplos de movimentações importantes que indicam essa articulação: o lançamento oficial do Consórcio Brasil Verde na COP , iniciativa impulsionada pela coalizão de Governadores pelo Clima, que busca fomentar ações socioambientais positivas e atrair financiamento estrangeiro para projetos brasileiros, teve a presença dos governadores Renato Casagrande (ES), Eduardo Leite (RS), Mauro Mendes (MT) e virtualmente, de Fátima Bezerra (RN). E assinatura de um memorando de entendimento entre o Consórcio Amazônia Lega e a coalizão internacional Reduzir as Emissões por Meio da Aceleração do Financiamento das Florestas (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance, LEAF) e também a realização de encontros bilaterais entre lideranças subnacionais  e representantes de governos e entidades de outros países. 

Movimentos de Fé também foram força ativa dentro e fora dos espaços oficiais da COP26. Por toda a cidade, religiosos, religiosas e membros de comunidades e coletivos de diversas crenças, individualmente ou em grupos, se colocaram como vozes potentes da defesa da Criação e da Casa Comum (linguagem teológica para se referir ao Planeta). A partir de um entendimento de que o posicionamento favorável ao clima é também um mandamento da fé, estas pessoas utilizaram estratégias diversas para fazerem suas vozes serem ouvidas. Foram feitas vigílias em praças públicas; encontros e reuniões em espaços de fé inter e intra-religiosos foram articulados; petições e declarações foram entregues a lideranças políticas; e foram realizados momentos de preces, meditações e orações pelos acordos e decisões que eram empreendidos em negociações que estavam acontecendo dentro da conferência.

Sem sombra de dúvidas, a COP26 deixa alguns recados potentes: o primeiro deles é que não é possível formular soluções reais e efetivas para o problema global que é a crise climática, sem que as vozes dos que mais são atingidos por ela sejam escutadas. Não à toa, a justiça climática tem sido um chamado recorrente. Em segundo, é que não há espaço para negacionismo climático. Objetivamente, uma maior ou menor ambição climática impacta diretamente no montante de danos aos quais sujeitos e territórios estarão submetidos.  

Sharah Luciano é Pedagoga e Mestranda em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela UERJ. Membro da Iniciativa Fé no Clima, do ISER.

Foto: Fé no Clima