A crise climática perpetua relações coloniais e racismo
Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 14 nov 2022. Foto: Unsplash
Por Ellen Alves e Sharah Luciano
- 30 nov 2024
- 6 min de leitura
É imperativo reconhecer que construir os mecanismos que possibilitarão combater concretamente, com celeridade e justiça a crise climática requer enfrentar velhos problema
O ano é 2022, passados 10 meses desde a COP261 até o momento em que esse artigo é escrito, o mundo já vivenciou diversas “tragédias ambientais evitáveis”. Consequências diretas da crise climática, os eventos extremos produziram milhares de mortes, acentuaram pobreza, desigualdade e o nível de distância referente aos índices de desenvolvimento entre países do norte e sul global.
Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, Brasil2, abril/2022. Chuvas intensas atingiram o estado do Rio de Janeiro e provocaram grande destruição na região, que possui problemas históricos de infraestrutura e a cada grande chuva vê se repetir um cenário de caos.
Paquistão, setembro/2022. Grandes inundações, geradas pelas fortes chuvas de verão, colocaram boa parte do país debaixo d’água e mataram mais de mil pessoas.
“Chifre da África”, 20223. Pelo 5°ano seguido, a região conhecida como “Chifre da África”, vive enorme seca, levando insegurança alimentar para milhões de famílias.
No mundo contemporâneo, os ditos países desenvolvidos, do Norte Global, tentam se equilibrar numa pirâmide inequilíbrável, na qual são os maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa e parecem não reconhecer a gravidade da crise climática. É certo que a crise afeta a todos, eventos extremos também ocorrem no Norte. Um exemplo disso é a grande seca que atingiu a Europa esse ano e colocou em alerta 47% do continente. No entanto, um país do norte tem maior capacidade de se “preparar” e reagir a um evento como esse em comparação aos países do Sul.
Se tratando do Brasil e do efeito das mudanças climáticas nas cidades, quem acompanha o noticiário sobre questões ambientais daqui, e tem algum conhecimento sobre o tema, percebe que muitos dos eventos extremos brasileiros são agravados pela ausência de planos de adaptação. Ao mesmo tempo em que as cidades contribuem para o aumento das mudanças climáticas devido a alta concentração populacional nesses locais4, elas se tornam vulneráveis aos impactos climáticos. Tomando como exemplo as chuvas intensas na Baixada Fluminense em abril deste ano, estudos5 mostram que em 30 anos as inundações irão aumentar nesses municípios, afetando milhares de pessoas.
Nos últimos anos, graças aos movimentos por justiça ambiental, termos como racismo ambiental e justiça climática têm se tornado presentes no vocabulário climático. Segundo a especialista em justiça climática, Andréia Coutinho, com relação a aplicação do termo: “Por definição, o Racismo Ambiental é um conceito que explicita como grupos étnicos, raciais e comunidades são afetadas de maneira desproporcional por problemas ambientais”. A pesquisadora diz também que: “Fica evidente que as externalidades negativas da degradação ambiental têm um componente racial e profundamente desigual. De acordo com o material: Glossário Climático, do Instituto ClimaInfo, com relação à Justiça Climática: “O conceito surgiu a partir da percepção de que os impactos das mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes em grupos sociais distintos e, portanto, a mitigação e a adaptação devem priorizar populações vulneráveis, agora e no futuro. Assim, é possível constatar que os três exemplos citados no artigo são também casos de racismo ambiental e injustiça climática.
É importante mencionar que a compreensão de que as questões ambientais e seus desdobramentos estão para além do campo científico, começou a partir de 1970, momento em que houve um despertar para a consciência ambiental, sobretudo nos países do Norte Global. Tal entendimento, além de revelar as mudanças climáticas, mostrou a necessidade de um esforço global para contê-las.
O avançar da agenda do climaajuda a construir o modo como entendemos diversos problemas atuais. Na avaliação de um problema ambiental, como no caso das mudanças climáticas, diversos fatores se apresentam como, por exemplo, o quanto de atenção da mídia esse problema receberá, o que mostra esse objeto como algo importante.
Por isso, compreender a comunicação como um dos agentes que influenciam na construção social da realidade, reflete na forma como eventos extremos no Sul Global são invisibilizados.
Os exemplos citados neste artigo demonstram a disparidade com relação a visibilidade que eventos extremos no sul global recebem da grande mídia e o grau de indignação seletiva nesses casos. É dever dos meios de comunicação incorporarem o conceito de justiça climática na cobertura feita aos eventos extremos, explicitando quais suas causas e consequências. Isso faz parte de um processo de letramento climático da população que pode contribuir para uma tomada de consciência e chamada para ação.
Os caminhos para eliminar, ou ao menos, atenuar injustiças climáticas perpassam as relações internacionais e os acordos globais. No cenário de diálogo internacional, financiamento, perdas e danos aparecem na ordem das discussões frente à emergência climática. O tema, presente na COP26, ganhou novo desdobramento durante a Conferência de Mudanças Climáticas em Bonn, na Alemanha, em junho deste ano, após o bloqueio das negociações por parte dos países desenvolvidos (EUA, Suíça, Reino Unido, Canadá e o bloco de negociação da UE). A decisão adiada para COP 27, na cidade de Sharm El-Sheik, no Egito, além de atrasar o reconhecimento dos mecanismos de financiamento de Perdas e Danos a países em desenvolvimento, insulares, empobrecidos e profundamente impactados pelas mudanças no clima, atrasa o diálogo e ações sobre futuros arranjos institucionais.
Por fim, é imperativo reconhecer que construir os mecanismos que possibilitarão combater concretamente, com celeridade e justiça a crise climática requer enfrentar velhos problemas. Ou seja, é preciso superar as relações econômicas, sociais e políticas desiguais entre norte e sul global, que perpetuam a lógica colonial, o racismo e garantir a efetivação da compensação financeira dos países ricos aos países em desenvolvimento, os mais atingidos pela crise climática.
BIBLIOGRAFIA
A seca histórica no hemisfério Norte e seus efeitos. G1, 28 Ago, 2022. Disponível aqui. Acesso em: 06 Set, 2022.
CLIMAINFO. Glossário Climático. Disponível aqui. Acesso em: 9 Set, 2022.
Como citar
ALVES, Ellen; LUCIANO, Sharah. "A crise climática perpetua relações coloniais e racismo". Disponível em: . Acesso em: .