Como acompanhar o Congresso Nacional pela lente da presença e influência das religiões no Poder Legislativo?
Em primeiro lugar, é importante destacar que duas lentes de análise foram utilizadas nesta pesquisa para acompanhar a atuação de parlamentares que estão, de alguma forma, alinhados a grupos religiosos. Em alguns momentos, a observação privilegiou a atuação das Frentes Parlamentares com o objetivo de verificar a relevância e o peso dessas, que são algumas dentre tantas formas de articulação de deputados/as e senadores/as que atuam no Congresso. Em outros, observou-se mais atentamente a movimentação das “bancadas informais” com o intuito de localizar um núcleo mais ativo de parlamentares, embora nem sempre coeso e homogêneo.
A atuação das Frentes, portanto, serviu como um ponto de partida por se tratar de um espaço formal de organização. Consideramos, ainda, o fato de que muitos dos signatários de cada Frente apenas as integram formalmente, isto é, contribuem para o cumprimento do requisito legal que exige a assinatura de ao menos um terço dos membros do parlamento para sua composição. Assim, se, por um lado, grande parte dos signatários não possui vínculo religioso relacionado às Frentes que apoiam, por outro, contribuem para aumentar a visibilidade das temáticas nelas debatidas e dos atores políticos que efetivamente as compõem. Ressalte-se, ainda, que o número de signatários das frentes com identidade religiosa – bastante uniforme nas três analisadas – nem sempre corresponde à influência que exercem no debate público. Por este motivo, optamos por identificar e analisar outras formas de atuação para além das formais, isto é, as bancadas informais e os chamados “agentes de influência”.
Em função disso, são apresentadas, inicialmente, informações sobre os integrantes das frentes parlamentares com identidade religiosa no Congresso Nacional. Em seguida, os dados sobre as “bancadas informais”, não institucionalizadas, e a forma como se relacionam com essas frentes. Por último, como contribuição inédita deste projeto, apontamos a existência de “agentes de influência” com alta capacidade de articulação, agregação e trânsito entre diferentes atores políticos. Este grupo foi identificado a partir de alguns critérios-chave como, por exemplo, identidade religiosa ativa, atuação no núcleo de articulação política de cada Frente, participação ou cargos em comissões, atividades de articulação ou representação política em nome da frente, atuação ativa na articulação política dos/as parlamentares/as com identidade religiosa e nos posicionamentos públicos e defesa das pautas priorizadas pelas bancadas informais.
No âmbito deste projeto, foram mapeadas as Frentes Parlamentares com identidade religiosa que atuam no Congresso Nacional na 56ª Legislatura (2019-2023), são elas: a Frente Parlamentar Evangélica, a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, cujos deputados somam 76% de toda a Câmara. Enquanto a Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Parlamentar Católica se destacam por declarar sua finalidade religiosa no próprio requerimento de registro, o que as enquadra como frentes religiosas, a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos de Matriz Africana não pode ser classificada da mesma forma. Sua relação com as religiões de matriz africana apresenta-se dentro do escopo mais amplo de promover a valorização e a garantia de direitos dos povos tradicionais de matriz africana, o que inclui a preservação e o direito de professar sua crença.
Em todas as frentes acompanhamos a movimentação das principais lideranças, seu envolvimento em pautas específicas, suas relações políticas e partidárias, suas articulações com denominações religiosas e outros aspectos que nos permitiram analisar práticas políticas e atuação parlamentar.
Os resultados desse mapeamento sobre o Congresso Nacional estão disponíveis nesta plataforma, que será alimentada de forma contínua, inclusive com resultados de pesquisas atualmente em andamento. Esperamos que este conteúdo contribua para que o acompanhamento das relações institucionais entre religião e política continue sendo feito por outros interessados.
As reportagens foram concebidas a partir deste mapeamento, dando ênfase inicial à apresentação dos personagens mais importantes de duas frentes religiosas, na primeira versão. Há também o cruzamento com as comissões parlamentares que eles ocupam, como forma de entender sua atividade parlamentar em temas urgentes, como “família” e aborto.
Para uma análise de discurso no Twitter, houve coleta de todos os tweets do grupo de agentes de influência entre abril e agosto. A partir dos dados foi estruturado um léxico com as 20 palavras mais frequentes e relevantes, que nos permite identificar os temas mais recorrentes, sendo possível observar os discursos que cercam o debate entre o grupo analisado.
Por que optamos por fazer um mapeamento?
A opção metodológica por fazer um mapeamento não tem relação com o clássico mapeamento territorial, mas com a identificação de movimentos, posicionamentos e práticas de poder entre atores político-religiosos. Em outras palavras, trata-se de uma estratégia de análise que descreve relações, trajetos, dispositivos e linhas que unem ou separam esses atores, evidenciando, assim, seus posicionamentos, trânsitos e a forma como mobilizam determinados campos de força.
Também refere-se a um trabalho de observação que será contínuo. Estamos falando de um filme, no sentido de uma sequência de imagens, e não apenas da foto de um único momento.
É, portanto, uma opção de trabalho que busca apreender as diferentes imagens e suas combinações, como num caleidoscópio, e a evolução e movimento dessas diferentes combinações.
Quais as diferenças entre as três Frentes Parlamentares?
Considerando a organização da atuação parlamentar em frentes temáticas, o ponto de partida da pesquisa tem como foco aquelas nas quais a identidade religiosa se faz presente de alguma forma: a Frente Parlamentar Evangélica, a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
Contudo, as três frentes guardam uma diferença fundamental que não pode ser minimizada.
A Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Parlamentar Católica se destacam por declarar sua finalidade religiosa no próprio requerimento de registro, o que as enquadra como frentes religiosas. O Estatuto da FPE, por exemplo, em seu art. 2º, III, diz que a frente tem como finalidade “procurar, de modo contínuo, a inovação da legislação necessária à promoção de políticas públicas, sociais e econômicas eficazes, influindo no processo legislativo a partir das Comissões temáticas existentes no Congresso Nacional, segundo seus objetivos, combinadas com os propósitos de Deus e conforme Sua Palavra”. O estatuto da FPC, por sua vez, consegue ser ainda mais incisivo quando declara no Art.2º, I, do Capítulo 2 de seu requerimento ter por finalidade “defender os princípios éticos, morais e doutrinários defendidos pela Igreja Católica Apostólica Romana”.
Já a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos de Matriz Africana não pode ser classificada da mesma forma. Sua relação com as religiões de matriz africana apresenta-se dentro do escopo mais amplo de promover a valorização e a garantia de direitos dos povos tradicionais de matriz africana, o que inclui o direito de professar suas crenças. Isso pode ser observado no Art.2º, II de seu Estatuto quando declara “promover o conhecimento e o valor universal dos povos tradicionais de matriz africana, conforme consta dos tratados internacionais de direitos humanos, Durban e a Convenção 169 da OIT, dos quais o Brasil é signatário, como patrimônio da humanidade, que une a todos independentemente de gênero, raça, crença religiosa, orientação sexual, filiação partidária ou qualquer outra característica”.
Objetivamente, interessa-nos compreender como religiosos mobilizam sua identidade como um capital político em disputas eleitorais e nas dinâmicas parlamentares no interior de um Estado laico. As perguntas que nos orientaram foram as seguintes: Quais interesses defendem organizadamente na Câmara Federal e no Senado? Quais mecanismos e técnicas utilizam? Em qual medida e como suas atuações afetam a laicidade do Estado? Diante das significativas diferenças entre as frentes com identidade religiosa, qual a urgência de se analisar a diversidade de comportamentos políticos, seja em termos de composição partidária, seja em termos das pautas defendidas?
Por fim, é importante esclarecer que, ainda que o debate público costume dar centralidade às ações de parlamentares evangélicos, entendemos a importância de observar a atuação religiosa de maneira mais ampla, atentos tanto às articulações quanto aos dissensos entre católicos, evangélicos e adeptos de religiões de matriz africana indiscriminadamente.
Nosso ponto de partida para análise das Frentes Parlamentares é o Banco de Dados que reúne informações sobre filiações políticas e religiosas, além de elementos que indicam o grau da atuação parlamentar de todos os signatários das frentes com identidade religiosa. As fontes de informação primárias para essa base geral são os documentos oficiais das frentes parlamentares e dados disponibilizados pelo site da Câmara Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nesse banco constam todos os signatários, mesmo aqueles afastados temporariamente por motivo de saúde ou nomeação em ministérios ou secretarias de Estado. O mapeamento permanente levará em conta esse tipo de afastamento, que são alterados frequentemente e abrangem de 3% a 5% do total de signatários, dependendo da frente parlamentar.
Entre os membros das frentes, destaca-se o “núcleo de articulação política”, composto por um número pequeno de parlamentares em relação ao total dos que as subscrevem. Em geral, esses parlamentares integram o que chamamos de “quadros orgânicos” da frente, ocupando diretorias e outras funções de destaque, além de ser aqueles que comumente se pronunciam em nome dela no Parlamento, em eventos públicos e nas diferentes mídias. Além do mais, são também os principais proponentes de ações e responsáveis pela interlocução com os grupos sociais que defendem. A Frente Parlamentar Evangélica, por exemplo, tem 11 membros que compõem o seu núcleo de articulação política, a Frente Parlamentar Mista Católica Romana tem 9 e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana tem 9.
Já os recortes para delimitação das “bancadas informais” e dos “agentes de influência” são produzidos pelas pesquisadoras envolvidas, com base nas fontes acima citadas, no acompanhamento de posicionamentos públicos dos parlamentares e nos dados oficiais sobre sua atuação parlamentar identificados a partir da proposição de leis, participação em comissões etc.
O que são Bancadas Informais?
As bancadas informais são os grupos de parlamentares, signatários ou não de uma determinada frente religiosa, organizados para representar interesses de um segmento específico (católico, evangélico ou de matriz africana). Embora não sejam institucionalizadas, com registro aprovado no Parlamento, elas estabelecem, de fato, para além das fronteiras regimentais das Frentes, uma articulação em torno da identidade religiosa no Congresso Nacional, seja em forma de reuniões específicas, elaboração de Projetos de Lei relacionados a pautas religiosas, ou, ainda, de produção de conteúdo com caráter religioso, como documentos na forma de manifestos e registros em mídias sociais.
Para o levantamento das informações sobre a identidade religiosa dos parlamentares, tomamos como referência: 1) Bancos de dados de pesquisas anteriores do próprio ISER; 2) Dados de levantamentos que tematizam “religião e política” publicados em fontes diversas (DIAP, Carta Capital, Congresso em Foco), e; 3) Dados levantados pelo jornal “Metrópoles”, que apurou o vínculo religioso dos parlamentares da Câmara Federal para a série de reportagens “Poder e fé: evangélicos são os mais governistas da Câmara Federal”, publicada em 12 de janeiro de 2020.
Devido à essa metodologia, também foram incluídos nessa base de dados os congressistas que não são signatários das frentes observadas, mas que têm identidade religiosa declarada e interagem de alguma forma com as pautas priorizadas por essas frentes. Este universo complementar é composto por 19 parlamentares, sendo eles 11 deputados e deputadas federais e 8 senadores e senadoras.
A bancada informal mais articulada, com grande visibilidade e dados sobre vínculo religioso disponíveis para pesquisa, é a Bancada Evangélica. Ela é composta por 84 deputados e deputadas federais e 11 senadores e senadoras em exercício, com total de 96 parlamentares. No que se refere à Bancada Católica, os 229 deputados federais autodeclarados católicos não compõem, prontamente, esse tipo de articulação. No âmbito desta pesquisa, ainda não foi possível identificar quantos parlamentares, para além do núcleo de articulação política da Frente Parlamentar Católica, se veem mobilizados em virtude de sua identidade religiosa católica. Já em relação aos povos tradicionais de matriz africana, a bancada se articula por meio da Teia Nacional Legislativa em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, lançada em 2020 com 10 deputados e deputadas.
Como definimos os Agentes de influência?
No âmbito das Frentes e das Bancadas, identificamos, ainda, no que diz respeito à atuação dos parlamentares que mobilizam sua identidade religiosa, a existência daquilo que chamamos de “agentes de influência”. Não se trata, contudo, de uma hierarquização entre essas formas de organização e atuação política, ou de um grupo articulado entre si, mas de reconhecer a existência de níveis de intervenção que se configuram em ascendência nos processos políticos que envolvem o Parlamento
Aqueles identificados como “agentes de influência”, por exemplo, se mostram mais ativos na articulação política, nos posicionamentos públicos e na defesa das pautas priorizadas pelas bancadas informais. Os congressistas aqui identificados integram, em geral, com os quadros orgânicos das frentes e bancadas informais, e, frequentemente, se pronunciam em nome delas nas comissões, no plenário e nas mídias. São, também, os principais interlocutores com os grupos sociais e de interesse que as Frentes representam.
Para identificar os “agentes de influência” aplicamos diferentes critérios quantitativos e qualitativos:
- Primeiro, identificamos parlamentares signatários das Frentes com projeção por atuação parlamentar. Para classificar este elemento, foram considerados critérios como identidade religiosa ativa, atuação no núcleo de articulação política da Frente, participação ou cargos em comissões e atividades de articulação/representação política em nome da frente;
- Depois, identificamos os parlamentares signatários das Frentes com projeção pública por terem influência política, ou seja, aqueles mais ativos na articulação política dos parlamentares com identidade religiosa, nos posicionamentos públicos e na defesa das pautas priorizadas pelas bancadas informais;
- Por fim, identificamos os parlamentares não signatários das Frentes, mas que são ativamente atuantes a partir das características destacadas nas categorias 1 e 2.