A relação entre religião e política no Brasil não é exatamente uma novidade. Remonta ao período colonial, quando a Igreja Católica Romana participou ativamente do empreendimento colonizador imposto pelos reis católicos de Portugal.
Essa relação, entretanto, é bastante dinâmica, extrapola a política institucional e foi marcada, inicialmente, pela hegemonia católica no campo religioso. Isso pode ser observado, por exemplo, na base católica da matriz cultural brasileira,e, também, na forma como historicamente foi promovida a negação e a repressão de outros tipos de expressão religiosa, sobretudo as de matriz africana. O estabelecimento das igrejas evangélicas no país, com a atuação de missionários de diferentes confissões, durante o século XIX e no início do XX, não alterou imediatamente este quadro.
No que diz respeito à ocupação de cargos eletivos, são identificados na República Velha (1989-1930), no Catálogo Biográfico de Senadores, apenas três parlamentares ligados ao protestantismo: Alfredo Ellis (Luterano, filho de imigrantes, 1903 a 1925), Érico Coelho (Igreja Evangélica Brasileira, 1906-1909, 1914-1918) e Joaquim Nogueira Paranaguá (Igreja Batista, 1896 a 1906).
Foi nos anos 1930, entretanto, que as mudanças na composição político-religiosa do país se tornaram mais perceptíveis. Na Era Vargas, por exemplo, houve uma estratégia de aproximação do governo com a Igreja Católica, que, por sua vez, trabalhava para recuperar espaços de poder perdidos com a República e impedir o avanço dos concorrentes religiosos. São indicadores dessa aproximação a autorização para oferecimento de educação religiosa nos cursos primário, secundário e normal e a licença para a organização de sindicatos católicos em 1931.
Com a campanha eleitoral legislativa para a Assembleia Constituinte, em 1933, houve a formação da Liga Eleitoral Católica (LEC), que elegeu inúmeros deputados. Paralelamente, lideranças evangélicas iniciaram uma empreitada para alistamento de candidatos que deveriam defender, exclusivamente, os interesses do segmento na redação da nova Constituição.
A Confederação Evangélica do Brasil, efetivamente fundada em 1934, lançou, já em 1932, um documento em oposição à LEC. Por meio dele, convocou evangélicos a se manifestar politicamente, se organizar para ganhar representatividade na Assembleia Constituinte, defender a laicidade do Estado e do ensino público, bem como sua gratuidade, o divórcio, o pacifismo, a liberdade de pensamento, de crença, entre outros elementos. Foram lançadas 29 candidaturas, todas independentes, sem apoio oficial das respectivas igrejas.
Foi neste contexto de formação da Assembleia Constituinte de 1933, portanto, que ocorreu a eleição do primeiro deputado evangélico do Brasil: o pastor metodista Guaracy Silveira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), de São Paulo. Ele foi eleito deputado uma segunda vez, em 1946, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que ajudou a fundar. Em 1948, o metodista liderou a criação e se tornou presidente do Partido Republicano Trabalhista (PRT), que passou a contar com a participação predominante de evangélicos. Em 1950, os evangélicos conseguiram eleger mais de um deputado federal.
Contudo, a hegemonia católica no espaço público só passou a ser efetivamente ameaçada a partir das últimas décadas do século XX. A formação da primeira bancada evangélica no Congresso Nacional ocorreu no processo eleitoral para a Assembleia Constituinte de 1987, que contou com 32 parlamentares eleitos. Este número é significativo se considerado o total de evangélicos na Câmara Federal de 1933 (quando foi eleito o pastor Guaracy Silveira) a 1985. Foram 50 nas nove legislaturas.
Nesse momento, os pentecostais mergulharam na arena política, instigados, como seus pares em 1932, pelo temor de que a Igreja Católica ampliasse seus privilégios por meio do processo de redação da nova Carta Magna. Este temor era comum a outros grupos evangélicos. Soma-se a isso outro elemento significativo: a formação da “Bancada Evangélica no Congresso Nacional” foi percebida também como um ato de afirmação de um grupo religioso que se via, nos anos 1980, em crescimento numérico e geográfico, em franca conquista no campo econômico-financeiro, vivenciador de um momentum no contexto da redemocratização do país.
A partir do anos 2000, foi consolidada a presença evangélica no Congresso Nacional com a criação da Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Ao mesmo tempo,observou-se, no período, a ampliação do número de deputados e senadores evangélicos, a eleição de lideranças deste segmento para cargos do Executivo em nível municipal e estadual, nomeações para ministérios do governo federal, a intensificação do ativismo entre evangélicos e a reivindicação de pautas de interesse de parcelas destes grupos religiosos, com articulações, inclusive, via Poder Judiciário.
Apesar desse quadro, é somente em 2011 que um segundo grupo religioso ganha destaque no Congresso Nacional, o de parlamentares vinculados às religiões de matriz africana. Alvo preferencial de históricas práticas de intolerância religiosa, intensificadas a partir dos anos 2000 segundo relatórios governamentais, as religiões de matriz africana têm se articulado mais efetivamente no âmbito institucional nas últimas duas décadas, como, por exemplo, com a formação de centros de promoção da liberdade religiosa e a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros (2011).
Em 2015, na trilha do protagonismo da FPE, foi lançada a Frente Parlamentar Mista Católica Romana. Segundo o grupo de parlamentares que levou adiante o processo, o objetivo foi o de fortalecer este segmento cristão que sempre atuou no Congresso Nacional.
Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Colaboradora do ISER.