Uma versão reduzida deste conteúdo foi publicada na Carta Capital em 15 fev 2023

Com papel protagonista no cenário político do Brasil, principalmente a partir dos anos 2010, a denominada “Bancada Evangélica na Câmara Federal” atrai atenções neste início da nova legislatura. O contexto de recomposição de forças no Parlamento, na relação com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, põe foco neste grupo que foi chave em episódios recentes, como a oposição à Presidência de Dilma Rousseff, a articulação do seu processo de impeachment e a aliança que levou à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Para que analistas e interessados compreendam como o segmento se comportará diante de um governo progressista, importa conhecer o perfil dos/as parlamentares identificados/as com o Cristianismo evangélico que tomaram posse em 1 de fevereiro passado.

Uma atenção responsável a este perfil, leva à compreensão de que a identificação de evangélicos e evangélicas entre parlamentares não significa a formação de um bloco alinhado e homogêneo. Nunca foi assim desde a formação da primeira Bancada Evangélica, com 32 deputados constituintes, em 1986. Há predominância de políticos de tendência ideológica conservadora e ultraconservadora desde então, mas mesmo entre eles, há divergências quanto à composição com o governo federal e à aprovação de Projetos de Lei referentes à temas socioeconômicos. Há disputas, também, originadas no próprio campo religioso evangélico, resultantes dos rachas entre igrejas e dentro delas mesmas e que são levados ao campo da política por seus representantes. 

Vale sempre ressaltar que voltar a reflexão para o perfil e a articulação dos evangélicos presentes no Parlamento, contribui para superação de equívocos e incompreensões circulantes, como, por exemplo, a confusão entre as noções de Frente Parlamentar e Bancada; desencontros sobre a composição de uma “Bancada da Bíblia”; listas duvidosas de integrantes da chamada Bancada Evangélica; a imagem incorreta de que neopentecostais ocuparam o governo federal anterior; a restrição das análises ao segmento evangélico com desconsideração às movimentações de lideranças católicas nos três poderes; ignorância em relação às diferentes tendências ideológicas que movem esses grupos religiosos em sua pluralidade, restringindo avaliações e agrupando personagens e fiéis sob o rótulo de “alienados” e “conservadores.

O perfil apresentado neste artigo, resulta do levantamento produzido pela equipe de pesquisadores/as do ISER, publicado na Plataforma Religião e Poder. Nele foram listados 96 parlamentares com identidade evangélica eleitos em 30 de outubro passado, vinculados ou não a uma igreja (por autoidentificação ou por exposição pública). O número de eleitos está bem abaixo da projeção da liderança da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) para as eleições 2022, de alcançar 30% de cadeiras (150) na Câmara Federal. Dos que se elegeram, 58 renovaram seus mandatos e 38 são novos.

Um destaque é que 20 destes 96 eleitos se autoidentificam genericamente como “cristãos”, mas são vinculados a uma igreja. Esta é uma categoria que vem sendo estudada pelo ISER desde a pesquisa sobre as eleições municipais 2020, avaliada como uma estratégia de campanha de mobilização religiosa mais direta. Com ela, o discurso alcança católicos, evangélicos e aqueles sem religião definida, mas que de alguma forma se identificam com as moralidades e valores cristãos.

O número de integrantes evangélicos da Câmara, após a posse de 1 fevereiro passou a ser 95, pois duas deputadas eleitas assumiram ministérios no governo federal – Marina Silva (Assembleia de Deus Novo dia, Rede-SP) e Daniela do Vaguinho (Nova Vida, União-RJ) – e abriram suas vagas para suplentes, sendo apenas um identificado como evangélico, Dr. Benjamin (Igreja Não Identificada União-MA).

Os empossados estão ligados a 15 igrejas diferentes. A vinculação com igrejas pentecostais predomina (total de 50, 52,5%), reafirmando a hegemonia deste grupo cristão na política institucional. O destaque permanece com as Assembleias de Deus, com 24 eleitos (25% dos parlamentares evangélicos), distribuídos em diferentes ministérios e convenções da igreja, seguidas da Igreja Universal do Reino de Deus, com 14 (14,5%). As outras 13 pentecostais têm pequena representação: Internacional da Graça de Deus (03), Mundial do Poder de Deus (02), Evangelho Quadrangular (02), Graça e Paz (01), Maranata (01), Santa Geração (01), Verbo da Vida (01).

Já os evangélicos das denominações históricas, com menor presença (total de 22, 23%), têm predomínio da Igreja Batista, com 15 eleitos de diferentes denominações que carregam este nome. As demais têm poucos representantes: Presbiteriana do Brasil (03), Anglicana (01), Evangélica Luterana (01), Evangélica de Confissão Luterana (01), Metodista (01). Há 22 parlamentares evangélicos vinculados a igrejas não identificadas pela pesquisa do ISER e um sem vinculação.

O traço conservador que tem marcado a Bancada Evangélica no Congresso Nacional se mantém no perfil dos partidos aos quais estão vinculados os deputados federais: 74 pertencem àqueles identificados com a direita, 17 com os de centro e quatro com os de esquerda. Os evangélicos/as de direita são predominantemente pentecostais, 42 (17 das Assembleias de Deus, 14 da Universal do Reino de Deus, 11 de outras denominações). Os demais são de igrejas históricas (nove batistas, dois presbiterianos, um anglicano e um luterano), um não tem vinculação  e 18 são de igrejas não identificadas pela pesquisa do ISER.

Os quatro de esquerda são de igrejas históricas: dois batistas, uma presbiteriana e uma não identificada pela pesquisa do ISER. Os de centro são oito pentecostais (sete das Assembleias de Deus e um da Evangelho Quadrangular), seis são ligados a igrejas históricas (quatro batistas, um da Evangélica de Confissão Luterana e um metodista) e três são de igrejas não identificadas na pesquisa do ISER.

Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente

No que diz respeito a gênero, há intensa desigualdade: são 78 homens evangélicos que ocupam cadeiras na Câmara Federal, frente a 18 mulheres. Apenas duas delas são ligadas a partidos de esquerda, duas a partidos de centro e 14 seguem a tendência conservadora do grupo, com vinculação a partidos de direita. 

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

No tocante a raça, há mais diversidade entre as mulheres, com sete de cor branca, dez negras e uma indígena. Os homens são predominantemente brancos (51), sendo 25 negros e um amarelo.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

Apesar de não ter alcançado os números projetados para as cadeiras na Câmara Federal, o grupo de evangélicos segue ocupando espaços de poder importantes, como por exemplo, a composição da mesa diretora da casa. Para além da composição partidária construída pelo presidente reeleito Arthur Lira (PP-AL), observam-se na mesa, lideranças destacadas das duas denominações pentecostais que concentram força na Câmara em duas vice-presidências: as Assembleias de Deus (ADs), com o pastor da AD Vitória em Cristo, ex-presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), e a Universal do Reino de Deus (IURD), com Marcos Pereira (Republicanos-SP). Ambos foram figuras importantes no apoio ao governo anterior. Lúcio Mosquini (MDB-RO), o 4º secretário, fez campanha com a identidade genérica de cristão, mas é vinculado à Igreja Batista, outra força importante no quadro político. As ADs também conquistaram representante entre suplentes – Gilberto Nascimento (PSC-SP). 

A FPE, mobilização mais ampla na Câmara, mas que tem a Bancada Evangélica como base da articulação e liderança do grupo, tem sido espaço de conflito a cada início de ano legislativo por conta das disputas na eleição da diretoria entre lideranças das ADs alinhadas com o bolsonarismo. Neste fevereiro, como em 2022, depois de uma eleição anulada, discussões e acusações de fraude, o grupo decidiu que os dois adversários no pleito – Eli Borges (que saiu do SDD-TO para o PL a convite de Jair Bolsonaro) e Silas Câmara (Republicanos-AM) – vão atuar, respectivamente, no primeiro e no segundo semestre deste ano e em 2024.

Além destes líderes em espaços de poder, os evangélicos na Câmara contam com personagens destacadas da extrema-direita, como o novato deputado que obteve a maior votação do Brasil, Nikolas Ferreira (Comunidade Evangélica Graça e Paz, PL-MG) e os experientes pastores das Assembleias de Deus Otoni de Paula, que migrou do PSC-RJ, para o MDB, e Marco Feliciano (PL-SP), e o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (Comunidade Batista do Rio de Janeiro, PL-SP).

Ainda na extrema-direita, há eleitos investigados em inquéritos na Polícia Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF). Um deles é Filipe Barros (Igreja Batista, PL-PR), acusado de propagação de fake news contra o sistema eleitoral. Há outros três novos eleitos arrolados no inquérito que apura condutas na convocação de participantes dos atos de “terrorismo, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição, incitação ao crime”, praticados em 8 de janeiro passado. Os deputados sob este inquérito são: André Fernandes (Igreja Não Identificada, PL-CE), Silvia Waiãpi (Igreja Não Identificada, PL-AP) e Clarissa Tércio (Assembleia de Deus Ministério Novas de Paz, PL-PE).

Na ala fisiológica à direita, alinhada ao chamado Centrão, há destaque para o bispo da IURD Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), ex-senador da República, ex-ministro do governo Dilma Rousseff e ex-prefeito do Rio de Janeiro. Nos últimos dias, Crivella tornou-se réu, na Justiça Eleitoral, acusado pelos crimes de caixa dois (falsidade ideológica eleitoral), além dos crimes comuns de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Deverá se observar o comportamento destes que já foram da base governista de Lula e Dilma e se voltaram contra o PT nas ondas ultraconservadoras que emergiram a partir de 2014. 

Os deputados evangélicos alinhados à esquerda são em pequeno número, mas representam uma mudança significativa. Se antes, a referência isolada era a deputada Benedita da Silva (Igreja Presbiteriana do Brasil, PT-RJ), nesta legislatura, além dela, assumiram outros dois nomes de destaque: a já deputada, antes licenciada para atuar no seu estado, Rejane Dias (Igreja Batista, PT-PI), e o novato Pastor Henrique Vieira (Igreja Batista do Caminho, PSOL-RJ), com forte presença em movimentos evangélicos progressistas. A eles se soma o também novo deputado Marcos Tavares (Igreja Não Identificada, PDT-RJ). 

Será importante observar as posturas do destacado aliado no processo eleitoral do presidente Lula, André Janones (Igreja Batista da Lagoinha, Avante-MG), e de outras lideranças em evidência, alocadas ao centro nesta legislatura, como Cezinha de Madureira (Assembleias de Deus, PSD-SP), deputado em franca disputa poder na FPE.

A partir destes elementos básicos levantados do perfil dos evangélicos na Câmara Federal, é possível antecipar que a dimensão conservadora permanecerá marcante para o grupo, porém, estimulada com os traços da aliança formadora da extrema-direita, anti-esquerda e anti-pautas de direitos, fortalecida nos últimos quatro anos. A agenda centrada na oposição à justiça de gênero, no controle ideológico da educação e na segurança pública repressiva e vingativa, deverá seguir em destaque.

 No entanto, a dinâmica do cenário político é intensa, por isso demanda atenção responsável para que não se incorra em simplificações que servem para alimentar preconceitos e equívocos em relação aos evangélicos na política.

Foto: Sergio Lima/AFP.

Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Pesquisadora do ISER.