Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 24 mar 2023

Este artigo, publicado na revista Religião & Sociedade, analisa o discurso dos parlamentares que exerceram cargos na Igreja Católica durante os anos 1960 e que militaram juntos na ADP (Ação Democrática Parlamentar). Observa-se como esses deputados contribuíram para associar determinadas pautas reformistas ao comunismo.

O trabalho está voltado à pesquisa religiosa e sua intersecção com a política, analisando como no Brasil o anticomunismo foi uma doutrina longeva que mobilizou diferentes atores e estratégias políticas ao longo do tempo.

A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE?
Este artigo buscou responder a seguinte pergunta: os parlamentares que exerceram cargos na Igreja Católica durante os anos 1960 e que militaram juntos na ADP (Ação Democrática Parlamentar) contribuíram para o forte discurso anticomunista da época? Esta frente parlamentar foi criada em 1961 e se caracterizou pelo lema “anticomunistas, sempre; reacionários, nunca”, deixando claro qual seria seu principal inimigo. Com quase 150 deputados, a ADP contou com a presença de cinco clérigos: Monsenhor Arruda Câmara (PDC-PE), Padre Godinho (UDN-SP), Padre Medeiros Neto (PSD-AL), Padre Nobre (PTB-MG) e Padre Vidigal (PSD-MG). Ao agregarem a sua pertença religiosa à luta anticomunista do grupo no qual faziam parte, esses deputados foram importantes para acirrar o clima de polarização nos anos 1960?

POR QUE ISSO É RELEVANTE?
O anticomunismo foi uma das justificativas principais para o golpe militar de 1964. Sendo uma doutrina longeva no Brasil, ela mobilizou diferentes atores e estratégias ao longo do tempo. Em razão de sua notória força política, a Igreja Católica foi um dos agentes mais importantes contra o comunismo, e seus membros que também eram deputados reproduziram, no parlamento, essa postura. Ao fazerem parte do mesmo grupo suprapartidário – a ADP – os cinco clérigos que são o objeto desta pesquisa podem ter reforçado este discurso, adicionando a temas tradicionais da corrente anticomunista valores religiosos caros à parcela expressiva da sociedade brasileira, contribuindo para o clima de polarização política da época.

RESUMO DA PESQUISA
A ADP (Ação Democrática Parlamentar) foi um bloco suprapartidário que atuou no Brasil entre 1961 e 1964. Com viés anticomunista, a frente parlamentar reuniu cerca de 150 deputados federais. Dentre estes, havia cinco membros da Igreja Católica: Monsenhor Arruda Câmara e os padres Godinho, Medeiros Neto, Nobre e Vidigal.

Analisa-se a retórica anticomunista desses clérigos, partindo da hipótese de que tal discurso associou o que era proposto pelas esquerdas a valores anticristãos. A principal fonte se encontra no Congresso Nacional. Livros escritos por esses deputados também são analisados, tal como artigos em jornais e revistas. A partir da visualização dos seus discursos, vê-se que quatro temas principais estiveram presentes na retórica dos deputados: reforma agrária, relações internacionais, João Goulart e a suposta “infiltração comunista” nas organizações da sociedade civil. Para cada um desses assuntos, verifica-se a carga religiosa presente nos discursos desses clérigos.

QUAIS FORAM AS CONCLUSÕES?
Mesmo não havendo evidências de que os cinco clérigos formariam um subgrupo dentro do bloco temático, percebe-se que eles estavam sintonizados com o pensamento majoritário da Igreja, que via na doutrina materialista um dos principais vilões da instituição durante boa parte do século 20. Isso fez ainda mais sentido no que concerne às relações internacionais, sobretudo ao que ficou conhecido como PEI (Política Externa Independente), com a recorrência de um imagético religioso visando a amedrontar os fiéis, tornando o “perigo” comunista uma “ameaça” real e que, por isso mesmo, precisava ser enfrentado. O trabalho pontua que, ao congregar uma retórica anticomunista a princípios religiosos, os clérigos da ADP contribuíram para acentuar a polarização da década de 1960.

QUEM DEVERIA CONHECER OS SEUS RESULTADOS?
Todos os interessados em pesquisa religiosa e sua intersecção com a política. O trabalho também atende aos que investigam os discursos e práticas anticomunistas no Brasil.

REFERÊNCIAS
Brasil. Diários do Congresso Nacional. Brasília, 1961-1964.

Ação Democrática. Acervo disponível no Fundo Paulo de Assis Ribeiro-Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Fundo Castilho Cabral-FGV, Fundo Amaral Peixoto-FGV, e Arquivo Edgar Leuenroth, Unicamp.

Motta, Rodrigo Patto Sá. (2002), “O segundo grande surto anticomunista. 1961-1964”. In: R.Motta (Org.). Em guarda contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva.

Souza, Thiago Nogueira de. (2015), Ação Democrática Parlamentar: anticomunismo, democracia e radicalização política no Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado em História, Unirio.

Guilherme Leite Ribeiro é bolsista de Pós-Doutorado Nota 10 Faperj em Ciência Política pela PUC-Rio. Doutor em história UFRJ, mestre em ciências sociais pela PUC-Rio e graduado em história pela UFRJ. Sua tese, “Frente Parlamentar Nacionalista: trajetória e ação política (1956-1964)” recebeu menção honrosa no Prêmio Melhor Tese de Doutorado Manoel Luiz Salgado Guimarães, do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Seus temas de interesse são referentes à história política do Brasil República.