Evangélicos brasileiros e o ativismo ambiental: incompatibilidades estruturais ou rivalidades eletivas?
Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Uma versão deste texto foi originalmente publicada no Nexo Políticas Públicas, em 11 dez 2024.
Imagem gerada por inteligência artificial.

Por Renan William dos Santos
- 24 jan 2025
- 8 min de leitura

Apesar de várias pesquisas de opinião não registrarem qualquer tipo de negacionismo climático ou inclinação para perspectivas antiecológicas entre os evangélicos, as iniciativas ecológicas de inspiração religiosa que surgiram neste segmento têm sido pouco numerosas e pouco expressivas ao longo das últimas décadas.
Entre os pentecostais e neopentecostais, que constituem a maior parcela dos evangélicos no Brasil, tais iniciativas mostram-se ainda mais escassas. As explicações para esse cenário, no entanto, seriam meramente de ordem teológica? Existiriam traços ou ênfases específicas nos ensinamentos tradicionalmente transmitidos pelas instituições evangélicas que resultariam nesse tipo de afastamento? Haveria algum tipo de incompatibilidade intrínseca, ou de caráter estrutural, ou entre as éticas, as práticas e os ideais afirmados por esses fiéis e as éticas, as práticas e os ideais postuladas pelos defensores do meio ambiente?
Ou, ao contrário, os obstáculos ao engajamento ambiental das religiões evangélicas derivariam mais de cálculos estratégicos fundamentados em fatores “mundanos” do que de preocupações doutrinárias?
Tais questões são base para estudo e pesquisa, primeiramente porque os evangélicos representam uma parcela crescente e influente da população brasileira. Além de sua relevância demográfica em expansão, as lideranças desse segmento possuem uma reconhecida capacidade de mobilização social, interferem diretamente na formação e transformação de valores éticos e comportamentais e exercem uma sólida articulação política. Esses fatores não apenas moldam opiniões públicas e predisposições ao sacrifício, mas também têm o potencial de condicionar a aprovação e implementação de políticas públicas, incluindo aquelas voltadas à proteção ambiental e ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Nesse contexto, compreender os motivos do baixo engajamento ambiental entre os evangélicos é crucial. Ao contrário do que o senso comum costuma postular, tal desengajamento não decorre de incompatibilidades identitárias ou de barreiras organicamente enraizadas nas doutrinas ou práticas religiosas, mas sim de uma constelação contingente de interesses e fatores externos, que são passíveis de transformação. Essa constatação não apenas desmistifica estereótipos que vinculam a fé evangélica a posições antiecológicas, mas também aponta caminhos para a construção de estratégias mais eficazes de ação.
Ao fornecer uma análise fundamentada sobre as nuances dessa relação, este estudo que desenvolvi sobre o tema oferece subsídios valiosos para formuladores de políticas públicas, ONGs e organizações religiosas. Ele destaca a importância de adaptar abordagens que potencializem a sensibilização e a mobilização desse segmento, considerando seu imenso potencial para contribuir com a promoção de uma agenda ambiental mais inclusiva e efetiva no Brasil.
Apesar de pesquisas de opinião não registrarem inclinações antiecológicas particularmente salientes no segmento evangélico brasileiro, o surgimento de iniciativas ecorreligiosas nesse meio tem sido fenômeno raro. Por isso, examinar os condicionantes sociológicos desse cenário, distanciando-se de explicações idealistas e centrando-se em fatores estruturais e estratégicos, foi tarefa do estudo.
A análise considera a posição ocupada por atores evangélicos no campo religioso brasileiro, as diferentes estruturas organizacionais que os envolvem e as estratégias adotadas por lideranças para promover seus “produtos” em um mercado de bens religiosos cada vez mais competitivo.
A investigação baseia-se em dados empíricos obtidos por meio de pesquisa documental, observação participante (em celebrações, seminários, cursos etc.) e entrevistas semiestruturadas com lideranças evangélicas. Entre os entrevistados, incluem-se figuras de relevância nacional e internacional, como Marina Silva, atual Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e lideranças de atuação comunitária local.
O estudo identifica a presença de um expressivo conjunto de “ecodiceias” cristãs, que integram o cuidado com a natureza em narrativas religiosas mais amplas e conciliam doutrinariamente o engajamento ambiental até mesmo com visões escatológicas, as quais poderiam, a princípio, desestimular ações voltadas à preservação de um mundo considerado próximo de seu fim. Com base nesse substrato simbólico já disponível, a análise sustenta a hipótese de que, no plano organizacional, o principal entrave ao investimento nesta pauta, por parte das lideranças evangélicas, é a percepção de que tal engajamento traria mais riscos estratégicos do que benefícios potenciais, dificultando a manutenção e o crescimento das igrejas.
Como conclusão, é possível afirmar que a maior parte das rivalidades eletivas que atravancam a associação entre a ecologia e a identidade evangélica ocorre no plano das estratégias institucionais, e não no plano das crenças específicas dos fiéis desse campo. Em outras palavras, a disseminação de enquadramentos religiosos sobre o meio ambiente nos púlpitos, sua incorporação ritualística nos cultos e o apoio organizacional sistemático às iniciativas ecoevangélicas tendem a ser inversamente proporcionais ao envolvimento de líderes religiosos em alianças com setores como o agronegócio, que consideram a agenda ambiental como um obstáculo aos seus interesses, e grupos políticos que enquadram essa agenda como “esquerdista” ou “estatista”.
Como essas alianças são cada vez mais comuns em todo o território nacional (sobretudo nos segmentos pentecostais e neopentecostais, que congregam a maioria dos fiéis evangélicos), o cálculo predominante entre as lideranças evangélicas é de que “é melhor deixar essa coisa de meio ambiente para lá”, pois isso traz pouco retorno – ou, em muitos casos, pode até mesmo trazer prejuízos – em termos materiais, políticos e religiosos. Diante disso, o maior desafio ecoevangélicos no Brasil, hoje, não está no plano simbólico da produção de ecodiceias teologicamente mais sólidas, mas sim em tornar a agenda verde mais atraente, de um ponto de vista pragmático e organizacional, para as lideranças denominacionais
Os achados da investigação são relevantes para diferentes tipos de público. Em primeiro lugar, destacam-se os formuladores de políticas públicas e gestores ambientais, que frequentemente permanecem limitados a interlocuções tecnicistas e burocráticas, deixando de explorar plenamente as oportunidades e os entraves ao engajamento que se manifestam de forma distinta entre diferentes públicos-alvo, como os evangélicos.
De forma semelhante, os resultados são úteis para organizações não governamentais e movimentos ambientalistas que buscam estratégias de sensibilização mais eficazes e culturalmente direcionadas. O conhecimento das percepções, valores e estruturas organizacionais que moldam as decisões das lideranças evangélicas é fundamental para a construção de parcerias bem-sucedidas, evitando a reprodução de estereótipos ou a intensificação de polarizações improdutivas.
Por fim, as próprias lideranças evangélicas e instituições religiosas têm a ganhar ao conhecer as reflexões como as que são trazidas por essa pesquisa. Afinal de contas, são esses atores que criam e condicionam a “”ressonância”” necessária para alinhar os valores cristãos a práticas de cuidado ambiental, fortalecendo a legitimidade de tais ações perante as comunidades de fé. O contato com esses insights pode, então, não apenas inspirar o surgimento de novas lideranças, mas também ampliar a atuação daqueles já envolvidos em outras causas sociais, ajudando-os a reconhecer o potencial transformador do engajamento ambiental, tanto no fortalecimento de suas comunidades quanto no exercício de uma cidadania mais plena.
REFERÊNCIAS
Santos, Renan William. (2023), Orientações religiosas sobre a conduta ecológica: católicos, evangélicos e as repercussões religiosas da pauta ambiental no Brasil. São Paulo: Tese de Doutorado em Sociologia, USP. Disponível aqui.
Santos, Renan William & KEARNS, Laurel. (2024), “Trojan horses facing the mirror: A comparison between religious anti-environmental movement organizations in the US and Brazil”. Journal for the Study of Religion, Nature and Culture, vol. 18, nº 3: 318-44. Disponível aqui.
Santos, Renan William. (2019), “Direitos da natureza e deveres religiosos: tensões entre a ecologia católica e movimentos ambientalistas seculares”. Religião & Sociedade, vol. 39, nº 2: 78-99. Disponível aqui.
Kearns, Laurel. (2007), “Religion and Ecology in the Context of Globalization”. In: P. Beyer & L. Beaman (orgs.). Religion, Globalization, and Culture. Boston: Brill.
Veldman, Robin Globus. (2019), The gospel of climate skepticism: Why evangelical Christians oppose action on climate change. Oakland: University of California Press.
Como citar
SANTOS, Renan William dos. "Evangélicos brasileiros e o ativismo ambiental: incompatibilidades estruturais ou rivalidades eletivas?". Religião e Poder, 24 jan. 2025. Disponível em: . Acesso em: .
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