Todos os projetos de lei monitorados até o momento podem ser encontrados aqui.
Em setembro de 2023, o Instituto de Estudos da Religião (ISER) fez uso de seu sistema de monitoramento para acompanhar Projetos de Lei apresentados na Câmara Federal. Dos 194 PLs identificados neste mês, 158 chamaram a atenção da organização. Isto se deve ao fato de que tais projetos têm o potencial de originar conflitos e disputas, além de influenciar a maneira como são percebidos valores e questões relacionadas a comunidades ou entidades religiosas. Outras análises resultantes do monitoramento da Câmara dos deputados em 2023 estão disponíveis neste espaço. A seguir, são apresentados os principais destaques de setembro.
Direito à terra em disputa: a CPI do MST
Desde o início do monitoramento do ISER, foi identificado que um campo de investida por parte dos congressistas é o de criminalização de movimentos sociais, principalmente os que ameaçam “propriedades que não cumprem sua função social.” A CPI do MST foi encerrada no mês de setembro de 2023, e, neste contexto, o movimento e suas ações foram pauta central na proposição de PLs .
A deputada católica Caroline de Toni (PL/SC) é autora de dois projetos que merecem atenção: o PL 4398/2023 que altera-se a Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, para incluir, entre os atos de terrorismo, o crime de esbulho possessório; e o PL 4397/20523, que altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, para estabelecer qualificadora ao crime de esbulho possessório. Na justificativa do PL consta:
“A Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga os atos criminosos do Movimento dos Sem Terra (MST), deflagrou inúmeras ilegalidades perpetradas nos quatro cantos desse país. Sob a justificativa de garantir o cumprimento da Reforma Agrária, movimentos tem agido de forma leviana – infringindo a lei para garantia de interesses próprios, que em nada contribuirão para pacificação das questões agrárias. Tais ações têm gerado uma verdadeira desordem no país. São mais de 50 (cinquenta) invasões apenas nos primeiros meses do ano – quantidade que quase totaliza o número de invasões do mandato inteiro do Presidente Jair Bolsonaro.”
Assim como Caroline de Toni (PL/SC), o deputado anglicano Kim Kataguiri (União/SP) também propõe alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, por meio do PL 4389/2023, para dispor sobre o crime de esbulho possessório. O PL 4370/2023, cuja autoria coletiva pode ser consultada aqui, visa também aumentar a pena do esbulho possessório e estabelece o crime de ocupação como uma forma qualificada deste delito. Chama a atenção neste último projeto o uso da palavra “ocupação”, ao invés da expressão comumente registrada em discursos , “invasão”.
Outros dois projetos pautam a mesma temática: o PL 4432/2023, de autoria do deputado cristão Rodolfo Nogueira (PL/MS), dispõe sobre a criação do Cadastro de Invasores de Propriedades e dá outras previdências; e o PL 4317/2023, de autoria do deputado católico Romero Rodrigues (PODE/PB), institui a Política Nacional de Combate dos Crimes em Ambientes Rurais.
Ainda sobre terra: indígenas em destaque
Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou inconstitucional a tese do Marco Temporal das Terras Indígenas. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), em um vídeo divulgado em suas mídias sociais, afirmou que a decisão do STF poderá criar uma “barbárie no campo”, pois não há previsão de indenização para produtores que perderem suas terras. A pauta também foi um dos destaques identificados no mês de setembro de 2023 e repercutiu nas propostas apresentadas na Câmara dos Deputados tanto na garantia de direitos quanto na retirada deles.
Um exemplo é o PL 4566/2023, de autoria da deputada Célia Xakriabá (PSOL/MG), praticante deespiritualidade indígena, que dispõe sobre o reconhecimento do Direito Territorial Originário dos Povos Indígenas e fixa o Marco Temporal do Genocídio Indígena. Outro, é o PDL 325/2023, de autoria da deputada católica Caroline de Toni (PL/SC), que institui o Comitê Interministerial de Desintrusão de Terras Indígenas.
O PDL nº 317/2023, de autoria do deputado cristão Nicoletti (União/RR), propõe sustar o Decreto nº 11.685, de 2023, que cria a Floresta Nacional do Parima, localizada no Município de Amajari, em Roraima. O parlamentar alega que o estado de Roraima possui 67,4% do seu território destinado a áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas, restando apenas 32,5% de áreas livres para uso produtivo, seja para a agricultura, pecuária ou povoamentos urbanos. O texto justifica ainda que “Roraima é, de longe, um dos Estados que mais possui áreas protegidas e, consequentemente, menos áreas produtivas. Isto posto, a criação de novas áreas de conservação ambiental reduzem sobremaneira as já poucas áreas produtivas no Estado, afetando a produção de alimentos para a população, assim como a economia de Roraima, hoje muito pautada no agronegócio”
Reacionarismo às políticas públicas LGBTI+
Em setembro de 2023, duas novas resoluções foram editadas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e Outras (CNLGBTQIA+). A primeira resolução visa atualizar os boletins de ocorrência emitidos por autoridades policiais, incluindo categorias como “orientação sexual”, “identidade de gênero”, “intersexo” e “nome social”. A segunda foca na regulamentação da identidade de gênero em instituições de ensino, delimitando diretrizes para o uso de banheiros e vestiários conforme a identidade e/ou expressão de gênero autodeclarada.
No entanto, essa medida encontrou resistência no Congresso, e muitas propostas foram apresentadas para anular tais resoluções. Foram oito textos apresentados nesta direção, como o PDL 339/2023 de autoria do deputado evangélico Capitão Alden (PL/BA), o PDL 335/2023 de autoria do deputado cristão Nikolas Ferreira (PL/MG), o PDL 336/2023, de autoria da deputada cristã Dayany Bittencourt (União/CE), o PDL 338/2023 de autoria do deputado evangélico Gilberto Abramo evangélico (REPUBLICANOS/ MG) e o PDL 341/2023 de autoria do deputado cristão Coronel Assis (UNIÃO/MT). Outros Projetos de Decreto Legislativo, como o PDL 333/2023, o 337/2023, e o 340/2023, resultaram de esforços coletivos.
Chamou a atenção da equipe do monitoramento , o fato de haver um total de oito projetos de cunho conservador sobre a temática, tendo sido cinco elaborados de forma independente. Isto pode significar uma certa falta de cooperação entre os parlamentares desta tendência ideológica no tocante a esta pauta e deve ser observado.
O PL 4515/2023, de autoria da deputada afrorreligiosa Dandara (PT/MG), altera o artigo 359-P do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, para tipificar o crime de violência política contra LGBTs.
Temas sazonais referentes a setembro de 2023
Observa-se que temas levantados por pautas sazonais estimularam a elaboração de PLs. O mês de setembro foi de intensa mobilização em torno dos direitos da criança e do adolescente, pois no dia 1º de outubro de 2023, aconteceu a eleição para os Conselhos Tutelares em todo o Brasil. A temática foi pautada, por exemplo, no PL 4641/ 2023 de autoria do deputado de religião não identificada Rafael Brito (MDB/AL). Ele propõe que o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar deverá ser feito por meio de urnas eletrônicas, em parceria com a Justiça Eleitoral visto que a votação manual admite múltiplas modalidades de fraude.
O PL 4760/ 2023, cuja autoria coletiva pode ser consultada aqui, busca ampliar o papel dos Conselhos Tutelares e das comunidades na prevenção da violência autoprovocada e de transtornos mentais como ansiedade e depressão, sofridos por crianças e adolescentes. A ampliação se dá por meio da alteração de duas legislações importantes ao tema. A primeira refere-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente e a segunda, à Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.
A campanha “Setembro Amarelo”, de prevenção ao suicídio no País, iniciada em 2015, em 2015, pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), foi alvo de outro projeto em destaque. O PL 4439/2023, de autoria da deputada de identidade religiosa não identificada Erika Hilton (PSOL/SP), dispõe sobre a proibição do compartilhamento de cenas de suicídio e estabelece medidas educativas sobre o compartilhamento de imagens e cenas de suicídio. A parlamentar procura legislar sobre um tema que já é objeto do Código de Ética de jornalistas e de orientações da Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde do Brasil para produtores de mídias.
Pautas religiosas em evidência
O PL 4753/ 2023, de autoria da deputada evangélica Clarissa Tércio (PP/PE), proíbe o vilipêndio de dogmas e crenças relativas à religião cristã, sob forma de sátira, ridicularização e menosprezo. Na justificativa do projeto é “vedada a liberação de verbas públicas para contratação ou financiamento de eventos e desfiles carnavalescos que faça referência à religião ou à crença de forma desrespeitosa, e que incite o ódio aos cristãos”.
O PL 4547/2023, de autoria da deputada católica Renata Abreu (PODE/SP), estabelece causa de aumento de pena para os crimes contra o patrimônio cometidos no interior ou nas adjacências de local destinado a cerimônia ou prática de culto religioso.
O PL 4382/2023, de autoria do pastor Silas Câmara, busca tornar insuscetível de fiança, anistia, indulto e graça, o crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo. O mesmo tema é pauta do PL 4494/2023, de autoria do deputado evangélico Hélio Lopes (PL/RJ), que busca tipificar como ato terrorista a invasão de templos religiosos com o objetivo de perturbar o livre exercício de cultos religiosos.
O PL 4563/2023, de autoria do deputado evangélico Raimundo Santos (PSD/PA), altera a lei que assegura assistência religiosa em hospitais das redes pública e privada e no sistema carcerário envolvendo civis e militares passando a abranger a prestação de assistência religiosa também nos centros de apoio à saúde mental. Com a proposta, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), do Ministério da Saúde, passariam a contar com uma abordagem mais holística, de forma complementar às abordagens médicas e psicoterapêuticas tradicionais.
Casos de repercussão na mídia se transformam em pautas na Câmara dos deputados
Como já constatado no monitoramento em meses anteriores, casos de grande repercussão pública e engajamento nas mídias sociais são refletidos diretamente na Câmara dos Deputados, na forma de discursos em plenário e na apresentação de PLs. Exemplos são os casos da atriz Larissa Manoela, destacado no boletim de agosto de 2023, e o do jogador de futebol Daniel Alves, publicado no levantamento de junho de 2023.
Em setembro, destaca-se o PL 4564/2023, de autoria do deputado católico Damião Feliciano (União/ PB), que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de telas, grades de proteção ou outra medida de segurança em todas as áreas comuns de condomínios residenciais e comerciais nas quais se tenha risco de quedas e acidentes. Na justificativa, o texto cita casos reais que ocorreram nas cidades de Ubatuba (SP) e Fortaleza (CE) e no estado de Goiás.
O PL 4394/2023, de autoria do deputado católico Waldemar Oliveira (AVANTE / PE), altera o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), para tipificar a contravenção penal de divulgação de jogo de azar. O PL 4302/2023, de autoria do deputado católico Vicentinho Júnior (PP/TO), dispõe sobre a permissão de influenciadores digitais realizarem publicidade de sites de apostas online e cassinos online, e estabelece a tributação e destinação dos lucros provenientes dessas atividades. Estes PLs foram apresentados no contexto de ocorrências em torno do site de apostas Blaze. O cassino digital tem sido alvo de muitas reclamações e denúncias de golpe financeiro contra clientes que não conseguem obter os valores conquistados nos jogos. O caso ganhou destaque pela popularidade do Blaze que teve publicidade por destacados influenciadores, como Felipe Neto, e pelo jogador de futebol Neymar.
Laryssa Owsiany é antropóloga, doutoranda em Ciências Sociais (PPGCS / UFRRJ) e pesquisadora no ISER.
Magali Cunha é doutora em Ciências da Comunicação com estágio pós-doutoral em Comunicação e Política. Pesquisadora em Comunicação, Religiões e Política. Jornalista, editora-geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. Pesquisadora do ISER.
Matheus Cavalcanti Pestana é cientista político, professor na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV ECMI), doutorando em Ciência Política (IESP-UERJ) e pesquisador no ISER.