Segundo pesquisa inédita do ISER, católicos tiveram maior índice de eficácia eleitoral em 2020 e conseguiram proporcionalmente mais vagas nas Câmaras Municipais em comparação com evangélicos 

O vereador católico Joceval Rodrigues (Cidadania) foi o 8º mais votado de Salvador (BA) nas eleições municipais. Fundador do grupo Missionário da Fé Política, é membro atuante da Renovação Carismática Católica (RCC), movimento da Igreja que tem entre suas figuras mais conhecidas o Padre Marcelo Rossi. Durante a campanha, postou várias fotos na missa e em grupos de oração, comunicando assim, a todo momento, o seu pertencimento religioso. Também falou em “mandato católico”, intolerância religiosa e fez campanha em igrejas. Presidente da Frente Parlamentar de Templos Religiosos na Câmara de Salvador, é bastante engajado no discurso racial, no combate ao racismo e contra o direito ao aborto. Atualmente é pré-candidato a deputado federal. 

O caso de Rodrigues é só um dos exemplos da atuação de católicos que se utilizaram de sua identidade religiosa  para conseguir resultados nas eleições de 2020, segundo a pesquisa “Religião e Voto: uma fotografia das candidaturas com identidade religiosa nas Eleições 2020” do Instituto de Estudos da Religião (ISER), publicada em abril. A pesquisa analisa como candidatos ao Poder Legislativo mobilizaram sua identidade religiosa nas Eleições em oito capitais: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Goiânia. 

Evangélicos predominaram entre os candidatos, mas, proporcionalmente, os católicos tiveram melhor resultado nas urnas em relação ao número de candidaturas. Esta é a  chamada  eficácia eleitoral dos candidatos com identidade religiosa. O índice mostra que católicos se saíram melhor: 31% contra 16% de quem se apresentou como cristão (sem especificar a igreja ou denominação) e 13% de evangélicos. 

“Percebemos que existe uma candidatura católica identificada, significativa, que perde para os evangélicos em número de candidatos, mas foi mais eficaz no pleito municipal de 2020 porque os católicos acabaram tendo mais eficácia eleitoral. Isso pode indicar que essa hegemonia católica ainda fala muito na escolha dos candidatos”, explica Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

“Como o catolicismo é uma religião hegemônica, arraigada na cultura brasileira, os candidatos não têm tanta gana e necessidade de se identificar como católicos. Já para os evangélicos, como minorias, esta identificação é importante. Ao longo das  duas últimas décadas, a crescente presença de evangélicos nas urnas foi uma marcação de território, para  estar presente no espaço público como minoria que vem crescendo em patrimônio, em números, geograficamente”, completa Cunha.

Ela pontua que na pesquisa das eleições de 2020, o  ISER procurou trazer um panorama bem amplo da relação da religião com as urnas, e não cair na armadilha de só focar nos evangélicos: 


“Há uma eficácia dos candidatos católicos que resulta de um tipo de discurso que está muito presente na esquerda. Os dados mostram que este grupo religioso está mais

 presente nos partidos de esquerda do que evangélicos, por exemplo. Então, estes candidatos recebem votos de um eleitorado de esquerda. Há também um discurso conservador católico que é muito próximo do discurso evangélico, em  defesa da família, dos valores morais, também assumido por muitos candidatos católicos para atender uma certa expectativa conservadora presente nesse eleitorado”, explica a pesquisadora do ISER. 

Para Aramis Luis Silva, pós-doutorando pelo Programa de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaborador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a influência do catolicismo ajudou a construir a arena pública brasileira. 

“Hoje vemos novos agentes disputando essa agenda pública. Olhamos sempre para os evangélicos, observando mais os agenciamentos evangélicos e não católicos, porque esta influência já está dada e não é questionada”, pontua Silva. 

A pesquisa mostra que católicos fazem uma mobilização menos direta que evangélicos e cristãos à religião. A mobilização direta é aquela em que candidatos e eleitos utilizaram sua identidade religiosa como referência central na campanha eleitoral, com o nome nas urnas, material de campanha, mídias sociais ou quando a relação com a religião já é de conhecimento público.  No caso de católicos, apenas 60% da mobilização foi direta, em comparação com 94% dos evangélicos e 72% dos cristãos. 

“Isso tem relação com a hegemonia histórica dos católicos , já que foram eles que colonizaram o Brasil. Por isso, candidatos católicos não veem a necessidade de uma exposição tão direta. Se veem como maioria consolidada. Já os evangélicos têm como meta o público deles, então a mobilização direta dá mais respaldo, é mais cativante e leva a crer que dá mais resultado”, disse Cunha. Por fim, candidatos que o ISER identificou como “cristãos”, na tentativa de abarcar dois grupos, tentam fazer uma mobilização mais direta para que o discurso alcance católicos, evangélicos e também aqueles sem religião definida, mas que de alguma forma se identificam com as moralidades e valores cristãos

Salvador e São Paulo: as capitais com mais católicos eleitos

Em 2020, 1.721 candidatos disputaram as 55 cadeiras da Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foram identificados 195 candidatos com identidade religiosa, sendo 20 eleitos e 18 reeleitos. Deste total, foram 18 católicos, 12 evangélicos e 7 cristãos. Na maior cidade do país,  católicos apresentaram maior índice de eficácia: 56% de aprovação nas urnas contra 12% de evangélicos e 19% de cristãos. 

Já a capital baiana teve 1.472 candidaturas ao cargo de vereador, sendo que 128 que de alguma forma mobilizaram identidade religiosa durante a campanha. Das 43 cadeiras, 30 foram ocupadas por candidatos que mobilizaram sua identidade religiosa, sendo  que cerca de 56% dos candidatos católicos  foram eleitos, enquanto o número foi muito menor entre evangélicos (13%) e cristãos (35%).

Em São Paulo e Salvador, mais da metade dos candidatos católicos foram eleitos, cerca de 56%. Isso evidencia que apesar da identidade evangélica ter predominado entre os candidatos, católicos conseguiram mais vagas em ambas as cidades. 

“Existem movimentos católicos históricos muito fortes em São Paulo e Salvador, principalmente com grupos que estão ganhando espaço com o avanço do conservadorismo no país e a vitória de Bolsonaro. Um dos indícios é que o Centro Dom Bosco [associação de leigos católicos,ultraconservadores] presente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que é católico e conservador, tem uma proposta eleitoral para seus membros e elegeu representantes em nível estadual e federal”, pontua a pesquisadora do ISER.

Segundo o pós-doutorando da Unifesp, a Igreja Católica como um elemento estruturante da fundação do público nacional  não é um fenômeno novo. “Um exemplo, é pensar a construção do que foram os aparelhos de assistência social no começo da República que está ligado a Igreja católica”, destaca.  

Cristãos: e sua (falta de) eficácia eleitoral 

O pastor evangélico Ricardo Almeida (PSC), de Salvador, se apresentou na  campanha como cristão. Ele compunha a equipe de líderes da Primeira Igreja Batista do Brasil, liderada pelo Apóstolo Milton Ebenezer. Ao ser eleito, reafirmou “o compromisso de honrar os princípios bíblicos e defender os valores da família” e definiu-se como “representante dos valores cristãos na Câmara Municipal”. As cidades que apresentaram a maior  proporcionalidade de eleitos cristãos foram Salvador (36%), seguido de São Paulo (19%) e Belo Horizonte (18%). 

O cristianismo é uma categoria em disputa e a multiplicação de candidaturas que se reivindicam como cristãs confirmam  esse cenário. Para além das pessoas que realmente não se vinculam a uma religiosidade específica e, por isso, optaram por se identificar como cristãs, este também foi um recurso utilizado por candidatos que tinham por objetivo ampliar o alcance de sua mensagem, em vez de se dirigir apenas ao eleitorado evangélico ou católico.

“Isso se manifestou já em 2018 e cresceu em 2020, como uma estratégia de certos candidatos, que têm uma identidade religiosa, mas querem conquistar católicos e evangélicos. É uma tendência que veio para ficar. Agora, ainda não se mostrou muito efetiva, apesar de ter um apelo significativo. É importante observar candidatos que se denominam cristãos têm um perfil conservador, e estão mais presentes em partidos alinhados à direita . Temos que ver se nas eleições de 2022 haverá uma consolidação deste cenário”, disse Magali Cunha.

Segundo a pesquisa, candidatos cristãos, de maneira geral, indicaram seu pertencimento com expressões de textos bíblicos, da teologia da confissão positiva, temas da moralidade religiosa, como sexualidade, proteção da família tradicional e da infância, além da associação de imagem a líderes religiosos. Na capital paulista, alguns elementos dessa tentativa de construção de uma unidade cristã apareceram de maneira singular, já que a bancada religiosa da Câmara é identificada como Bancada Cristã, sugerindo a união entre católicos e evangélicos. 

A vereadora de São Paulo Sonaira Fernandes (Republicanos) mobilizou o discurso da “cristofobia” durante sua campanha eleitoral. Em suas mídias sociais, definiu-se como cristã, conservadora, “pró-vida”, defensora da família e da liberdade. Ela, que é negra, fez uma campanha inteiramente pautada na alusão negativa aos debates raciais e foi apoiada por Jair Bolsonaro. Na disputa sobre cristianismos, a candidata classifica a “cristofobia” como uma prática de grupos de esquerda, como disse em um post, publicado após o ataque a uma igreja no Chile em 18 de outubro de 2020, evento amplamente compartilhado na campanha por inúmeros candidatos cristãos conservadores. 

“A perseguição aos cristãos não é nenhuma novidade no mundo e nem na América Latina. Os ataques contra a fé cristã representam uma triste tradição que atravessa países como México, Chile, Argentina e Peru. Os que se riem da ideia de que enfrentamos cristofobia em plena América deveriam ler com mais atenção a História do século 20. (…) O que vemos hoje na América Latina, com focos de violência no México e no Chile, é um eco da cristofobia de sempre. E que sempre foi uma agenda política muito clara da esquerda revolucionária”, escreveu no post. 

A pesquisa do ISER mostra que há uma nova dinâmica eleitoral em curso tanto no que diz respeito às formas de acionamento da identidade religiosa por candidatos, quanto em relação às estratégias de convencimento dos eleitores durante a campanha. “O retrato que representa eleição e voto em 2020 pode indicar caminhos para a compreensão do processo eleitoral em 2022, que certamente terá, mais uma vez, as religiões como destaque na disputa”, finaliza Cunha. 

Vitória Régia Gonzaga da Silva é editora-assistente de Gênero e Número