Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 04 abr 2023

Atualizado em 10/08/2023 às 11h25

O que é sionismo cristão? Por que algumas igrejas evangélicas vêm incorporando símbolos e práticas judaicas? Quais são as origens desta noção? Como ela se manifesta no Brasil? Qual é a relação do sionismo cristão, os símbolos judaicos e a política?

“Sionismo cristão” é uma denominação utilizada para designar grupos cristãos evangélicos que apoiam os discursos e a atuação política em prol do fortalecimento e ampliação territorial do Estado de Israel. Apesar de muito interligados, é possível distinguir o filossemitismo (interesse ou afeição pelo povo judeu e pela sua cultura, história ou língua), da judaização (adoção de hábitos, vestimentas e rituais judeus por grupos que não são judeus) e do sionismo cristão. Este último pressupõe a defesa do Estado de Israel contemporâneo. 

Embora o sionismo cristão seja já por muitas décadas uma força política significativa nos Estados Unidos e, em certa medida, na Inglaterra e em outros países europeus, o mesmo movimento não era observado no sul global. O êxito da empreitada sionista cristã varia não só nas articulações internas dos próprios movimentos e os vínculos dos cristãos locais com os centros irradiadores do sionismo no plano internacional (EUA-Europa), mas também com as relações estabelecidas com o Estado de Israel. 

Entretanto, os diferentes governos brasileiros, como os de outros países do “sul”, não recebiam pressões de lideranças religiosas para apoiar Israel quando havia disputas na ONU, envolvendo esse Estado e o povo palestino. Por isso, em várias ocasiões, os representantes brasileiros na ONU se opuseram à Israel e apoiaram palestinos. 

O sionismo cristão não é novidade no Brasil. Há registro desse tipo de discurso já na década de 1920. Os eventos internacionais que fortaleceram o sionismo cristão, especialmente o profético, nos EUA e na Europa, também tiveram seus reflexos no Brasil. As ideias sionistas foram se difundindo em segmentos diferenciados do meio evangélico brasileiro a partir dos anos 1960 com a ajuda das perspectivas teológicas do dispensacionalismo e foi se transformando nas décadas seguintes, gerando um ativismo político-religioso em defesa do Estado de Israel. 

No entanto, observa-se que a presença mais evidente desse discurso no espaço político brasileiro somente aparece no século 21, quando os evangélicos, além de bem mais numerosos, passaram a ter maior protagonismo na política, especialmente no legislativo. Desde o final dos anos de 1990 passou-se a observar crescente interesse por Israel, ora associado ao imaginário bíblico, ora como um exemplo de prosperidade divina, ora na apropriação de uma estética judaica. Esta pode ser identificada entre algumas igrejas evangélicas brasileiras, com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus. Também se tornou mais evidente a importância das viagens à Terra Santa e o contato com a Embaixada Cristã em Jerusalém, na emergência do sionismo cristão no Brasil. Igualmente, a influência do NAR (sigla em inglês para “Nova Reforma Apostólica”), por meio dos “apóstolos” Renê Terra Nova, Neuza Itioka, Valnice Milhomens e Márcio Valadão, que são sionistas cristãos relevantes. Vale ressaltar que há outros sionistas cristãos que não se vinculam ao NAR, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. Enfim, a posição pró-Israel tende a crescer a partir de um filossemitismo e simpatia pelo povo de Deus, que cresce com as frequentes caravanas turísticas com líderes evangélicos à Terra Santa.

Este ativismo tornou-se mais perceptível na coligação política que elegeu Jair Bolsonaro à presidência da República, em 2018, envolvendo setores conservadores evangélicos, católicos, judeus, além de militares e liberais. O sionismo cristão brasileiro passou a reverter esse posicionamento de crítica ao Estado de Israel no plano diplomático e ir além. 

Como exemplo, está o empenho evangélico ao exigir, em 2019, do então presidente da República Jair Bolsonaro, levar a embaixada brasileira para Jerusalém. De tal forma que, a relevância do sionismo cristão também reside na sua capacidade de realizar articulações internacionais e nacionais para alcançar os objetivos que interessam ao Estado de Israel, gerando potenciais conflitos com o movimento pró-palestinos no Brasil. 

Maria das Dores Campos Machado é professora titular e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisadora do CNPq, Brasil. Doutora em sociologia pelo Iuperj.

Cecília Loreto Mariz é professora titular do Departamento de Sociologia e do PPCIS (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) do Instituto de Ciências Sociais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Coordenadora do Grupo de Estudo do Cristianismo “Clara Mafra”. Pesquisadora do CNPq, Brasil; Doutora em Sociologia pela UNI Boston University.

Brenda Carranza é professora visitante do PPGHS (Programa de Pós-Graduação em História Social) da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Grupo de Estudo do Cristianismo “Clara Mafra”. Pesquisadora do CNPq, Brasil; Doutora em Sociologia pela UNI Boston University.

REFERÊNCIAS
Carpenedo, M. (2021). Christian Zionist Religiouscapes in Brazil: Understanding Judaizing Practices and Zionist Inclinations in Brazilian Charismatic Evangelicalism. In: Social Compass 2021, Vol. 68(2) 204–217.

Crome, A. (2018). Christian Zionism and English National Identity, 1600–1850. Palgrave Macmillan.

Freston, P. 2020 [b]). “Conclusion”. Palestra apresentada no congresso “Politics and Religion in Brazil and the Americas: Evangelical Churches and their Relations with Judaism, Zionism, Israel and the Jewish Communities”, Universidade de Haifa, 13-15 de Janeiro.

Reinke, A. Daniel (2018). O sionismo cristão e sua influência na cultura protestante brasileira. Dissertação, orientador: Wilhelm Wachholz – São Leopoldo: EST/PPG.

Frossard, M. S. (2013). “Caminhando por terras bíblicas: religião, turismo e consumo nas caravanas evangélicas brasileiras para a Terra Santa”. (Tese) Programa de Ciências da Religião, UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).