Conteúdo produzido em parceria ISER / NEXO JORNAL. Publicado originalmente no Nexo Políticas Públicas em 27 set 2022

Diferentes religiões têm se aproximado e agregado à agenda ambiental uma ação de cuidado ativo e responsávelNos mês de setembro é celebrado o dia da Amazônia, e mais do que comemorar e agradecer por esse bioma tão rico, precisamos trazer nossa responsabilidade política.

Com 25 mil km de rios navegáveis, a Amazônia é berço do maior aquífero do mundo, o Saga (Sistema Aquífero Grande Amazônia). Também é a região do Brasil onde há maior emissão de gases devido a mudança de uso da terra e das florestas, como o desmatamento e os incêndios. No mapa da Seeg/Observatório do Clima é possível perceber que a região do Pará e do Mato Grosso são as que representam a maior quantidade de emissões de toneladas de gases de efeito estufa.

A Amazônia é casa e sustento de centenas de etnias indígenas, quilombolas e ribeirinhos que protegem, com sua espiritualidade e saberes, a biodiversidade da floresta. O impacto ambiental tem reflexos sociais que fazem desaparecer esses saberes e culturas, sem falar das lideranças e defensores dos direitos humanos que estamos perdendo para atividades criminosas. O Brasil é o quarto país que mais mata ativistas ambientais e defensores dos direitos humanos.

Nesse momento em que caminhamos para as eleições, em um contexto político de tensionamento das ideologias políticas, é importante buscar convergências para termos esperanças em um futuro melhor. De acordo com Clemir Fernandes, pesquisador e diretor executivo adjunto do Iser:

“(…) nos últimos anos principalmente, tem havido uma busca de convergência entre saberes diversos, tanto da ciência, da religião e de povos tradicionais, em prol da proteção ambiental. As diferentes religiões e expressões de espiritualidade têm redescoberto e revisitado suas relações com o ambiente, assim como ambientalistas e cientistas buscam aproximações com tais grupos para ações conjuntas em prol de toda vida no planeta. Neste sentido, comunidades de fé agregam à agenda ambiental um propósito transcendental e um imperativo moral para uma ação de cuidado ativo e responsável” 1.

Diante disso, diversas mobilizações religiosas ocorreram em decorrência do Dia da Amazônia (em 6 de setembro), expressando o compromisso dessas comunidades em protegê-la e entendendo a sua importância para a proteção de outros biomas do país.

Uma dessas mobilizações foi o ato inter-religioso “Amazônia para sempre”’, que ocorreu em São Paulo e culminou em uma carta aberta de comunidades religiosas brasileiras pela preservação da Amazônia aos candidatos e candidatas à Presidência da República, governos estaduais, Senado e Câmara Federal. A carta pede o compromisso com a retomada e atualização do Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e a criação de uma Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, tendo a bioeconomia da floresta, a educação, o desenvolvimento científico e a valorização dos saberes e culturas tradicionais como seus eixos principais.

Na última semana de julho de 2022, entre os dias 28 e 31, aconteceu na cidade de Belém/PA o 10º Fospa (Fórum Social Pan-Amazônico). O mote do Fospa foi “Tecendo a esperança na Amazônia”. Vinte anos após o primeiro encontro realizado também nesta cidade, movimentos sociais, ativistas ambientais, cientistas, povos de fé e da cultura se encontraram novamente para debater o presente e o futuro da Amazônia e de seus povos. As juventudes presentes no Fórum Social Pan-amazônico também deram seu recado.

Eduarda, que é cristã evangélica e pesquisadora e integrante da Rede Jandiras, comenta: “A religião traz esse âmbito de propósito, de visão de mundo, cosmovisão, de valores que estão atrelados à natureza. Todas as religiões trazem uma visão de preservação da Natureza. Então aliar isso à religião, à preservação da natureza é também uma forma de manter tanto a floresta Amazônica, como as nossas culturas, como a nossa forma de vida, como a nossa forma de ver o mundo e também considerar a nossa própria visão de mundo na forma como a gente atua”.

Hannah Balieiro, diretora executiva do Instituto Mapinguari, que se declara afro religiosa por fazer parte do Candomblé e da Umbanda, também ressalta a importância dessa perspectiva: “Trazer a religiosidade para perto é trazer muito do que a nossa ancestralidade já dizia sobre o que é o meio ambiente, sobre o que é o sagrado do meio ambiente, e a importância dele, que vai para além do sagrado. A religiosidade, principalmente de onde eu venho, de onde eu me criei, ela tem muito essa função de cura, e que é uma cura não só do corpo, mas da alma.”

A juventude tem um papel fundamental nas mobilizações em defesa das florestas e seus povos. O coletivo jovem tapajônico, por exemplo, realizou o Festival Piracaião, na comunidade de Anã no Rio Arapiuns (PA), que reuniu cerca de 130 jovens ribeirinhos ribeirinhas e indígenas de comunidades da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. A programação foi composta por diferentes atividades sobre juventude, política e clima que duraram seis dias. Uma das ações foi a coleta de assinaturas para a campanha Amazônia de Pé, o projeto de lei de iniciativa popular pela conservação ambiental e justiça social na Amazônia legal.

E na prática, como podemos agir pela Amazônia? Vote pela Amazônia!

Os responsáveis por criar leis e implementar políticas públicas de enfrentamento à crise climática são os políticos que elegemos. Antes de escolher os representantes aos quais você confiará o seu voto: Leia atentamente as propostas políticas das candidaturas; escolha candidatos/as comprometidos/as com as pautas ambientais, climáticas e sustentáveis; após o resultado das eleições, acompanhe a atuação e o posicionamento dos representantes que você elegeu. Fiscalize!

É fundamental que as instituições religiosas do Brasil se comprometam a desinvestir em empresas que corroboram com o desmatamento e a perda da biodiversidade. O relatório Invest/Divest 2021 revelou que as instituições religiosas respondem por mais de 35% de todos os compromissos globais de desinvestimento.

Fortaleça ações de associações, coletivos e instituições que atuem na Amazônia, apoie financeiramente ou divulgue seus trabalhos para amplificar sua potência!

Unir fé e política em defesa da Amazônia é lutar por direitos e ir contra qualquer tipo de discriminação, em uma ação de cuidado ativo e responsável aos povos que nela vivem. As ações inter-religiosas nos trazem a mensagem de convergência em momentos de tantas diferenças ideológicas e econômicas que impactam nas tomadas de decisão. A Amazônia nos ensina sobre ancestralidade, união e respeito ao sagrado que nutre a todos e, mais do que nunca, merece ser protegido.

Julia Rossi é biofísica, doutoranda em geografia na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e comunicadora da iniciativa Fé no Clima, do Iser, e da Rede Latina Fé para Justiça Climática do Greenfaith.